“Uma folha em branco faz-me feliz”

Belén de Vicente mostrou a sua veia empreendedora logo à saída da faculdade. Foi diretora executiva do The Lisbon MBA, que ajudou a colocar nos rankings do Financial Times em apenas cinco anos. A empresa Medical Port é o seu mais recente projeto

Belén de Vicente espera que a Medical Port atinja o break-even no próximo ano

Belén de Vicente vive há mais de 20 anos em Portugal. Mostrou a sua veia empreendedora logo à saída da faculdade. Foi diretora executiva do The Lisbon MBA (um programa de MBA das Universidades Católica e Nova, com a colaboração do MIT), que ajudou a colocar nos rankings do Financial Times em apenas cinco anos.

Gosta de páginas em branco para poder escrever uma história nova. A empresa Medical Port é o seu mais recente projeto. Está no seu terceiro ano de atividade e o seu volume de negócios tem vindo a crescer de ano para ano a um ritmo de três dígitos anuais. Belén de Vicente revela que esperam atingir o break-even no próximo ano, o que representará perto de meio milhão de euros de faturação.

 “Depois de 20 anos, a empresa continua a existir em Madrid, com um portfólio de serviços mais diversificado”

O que a levou tornar-se empreendedora tão cedo?
Já durante a faculdade eu e um grupo de colegas, todos com um perfil mais empreendedor e menos tecnológico, tínhamos vontade de criar um projeto. Nesse grupo procurávamos uma oportunidade de testar a nossa capacidade de “fazer acontecer” fora do main-stream do mundo da informática e das comunicações em Espanha na altura. Eu tinha estudado Engenharia Informática por gostar muito de matemática, mas descobri ao longo dos seis anos do curso que o que realmente gostava de fazer era trabalhar com pessoas, mais do que com máquinas, e desenvolver projetos inovadores. As oportunidades profissionais que se apresentavam na altura eram muitas mas todas para a área da programação. Um colega de curso e eu acabamos por criar o nosso próprio projeto que se baseava no lema “as emoções também são importantes na tecnologia”. Assim criamos Borak, S.A.

Qual era a atividade da empresa?
A Borak dedicava-se à formação para empresas de tecnologias de informação (TI) em soft-skills, gestão de pessoas e entrevistas de recolhas de informação para fazer levantamento de requisitos. Era uma área inovadora porque naquela altura era tudo bits e bytes e nas áreas técnicas não havia formação nestas competências interpessoais. O facto de falarmos a linguagem técnica e de trazermos estas práticas deu-nos uma grande visibilidade. O mais interessante é que não tínhamos formação nesta área, apenas liamos muitos livros especializados, tínhamos bom senso, uma grande capacidade para criar conteúdos e uma personalidade que potenciava e alavancava estes conteúdos. É com muito orgulho que partilho que, depois de 20 anos, a empresa continua a existir em Madrid, já com um portefólio de serviços muito mais diversificado e sob a liderança do meu ex-sócio, a quem vendi as minhas ações quando vim viver para Portugal.

“Portugal ofereceu-me oportunidades para desenvolver projetos interessantes a nível nacional e internacional”

Por que decidiu vir para Portugal?
Dois anos depois da criação da Borak decidi vir para Portugal por motivos pessoais. Decidi ficar porque Portugal ofereceu-me oportunidades magníficas para desenvolver projetos interessantes a nível nacional e internacional, porque é um lugar magnífico para viver, porque os portugueses me acolheram com carinho e porque sou feliz aqui.

Como se tornou diretora executiva do The Lisbon MBA, da Universidade Católica e da Universidade Nova?
Depois de 15 anos a fazer projetos e consultoria senti que necessitava de parar, refrescar conhecimentos e preparar uma mudança profissional. Queria voltar a ter o meu negócio, a sentir que estava a criar algo novo. Assim decidi fazer um MBA em full-time na Universidade Católica. Quando acabei, a direção da faculdade ofereceu-me a possibilidade de liderar esse mesmo MBA e um ano depois ajudar a criar e a gerir o que é hoje o melhor MBA que temos em Portugal, o The Lisbon MBA.

Como foi essa experiência?
Foi uma experiência fascinante: a gestão da relação de cooperação entre duas escolas concorrentes, o envolvimento do MIT, trabalhar com o objetivo de colocar em cinco anos o programa nos rankings do Financial Times e a intensidade da relação com alunos e professores. Gostei tanto desta experiência que mesmo depois de ter deixado as minhas funções quis manter-me ligada à Universidade e hoje faço parte da direção do projeto do novo campus da Nova SBE em Carcavelos, um projeto único em Portugal e que vai ter um papel determinante no panorama do ensino superior no país.

“Concebi um projeto para colocar Portugal no mapa do medical travel “

Mas a ideia de lançar a sua própria empresa não ficou esquecida, pois cofundou a Medical Port.
Já antes de começar o MBA queria voltar ao mundo do empreendedorismo. Demorou mais tempo, mas está-me no sangue. Há muito tempo que queria fazer um projeto meu na área da saúde. Tinha feito a minha tese de mestrado pré-Bolonha na área da Saúde, uma pós-graduação em Gestão de Saúde e tinha uma ideia que juntava a área da saúde, com a componente de internacionalização – área onde já tinha bastante experiência – e que poderia ter um contributo relevante para Portugal. Concebi um projeto para colocar Portugal no mapa do medical travel alavancando as competências médicas do país com o seu ecossistema favorável à recuperação e à melhoria da saúde em geral.

Desde o início soube que seria um projeto difícil, porque Portugal não tem reputação neste sector, porque era necessário criar toda a infraestrutura de raiz (localmente e no exterior) e porque os processos de decisão dos potenciais clientes quando envolvem saúde são lentos e complexos. Mas tudo isso me fascina; e sem este fascínio não é possível criar empresas nem fazer projetos difíceis. Os níveis de resiliência e de flexibilidade têm de ser muito elevados e há muitos momentos em que eles só se mantêm por causa deste fascínio.

Como funciona o negócio de um “facilitador de global medical tourism services”?
O principal objetivo é ajudar quem procura acesso a cuidados médicos fora do seu país de origem a encontrar uma solução adequada (qualidade, preço, prazo) sem preocupações. Uns viajam porque não têm acesso a cuidados adequados, outros porque procuram melhores preços, muitos porque querem realizar os atos médicos sem terem de esperar e alguns para manter a confidencialidade dos tratamentos. Apoiamos estas pessoas tratando de todos os processos e representando os seus interesses e fazemos com que se sintam bem em Portugal. Neste momento a Medical Port tem clientes oriundos de mais de 15 países de África, Europa e Médio Oriente e agentes em oito países.

“Tento escolher pessoas diferentes de mim para trabalhar comigo, necessito que me desafiem e que me provoquem”

Como define o seu estilo enquanto empreendedora?
Tenho um estilo direto, focado e transparente. Sou honesta na abordagem, minuciosa na preparação e fanática do trabalho bem feito.

E como é o seu estilo de liderança?
Sei por experiência que nada se faz sozinho; felizmente não sei fazer projetos sozinha. A minha liderança é participativa na discussão, mas depois decido sozinha (é sobretudo nas decisões que os líderes estão sozinhos). Tento escolher pessoas diferentes de mim para trabalhar comigo, necessito que me desafiem e que me provoquem. Lido com as pessoas de forma diferente dependendo da sua personalidade, experiência e competências. É por esta diversidade que é maravilhoso trabalhar com pessoas – não há um caso igual.

As dificuldades são maiores, ou diferentes, quando o empreendedor é uma mulher?
Nunca tive nenhuma dificuldade por ser mulher. Só tenho barreiras quando trabalho no Meio Oriente, por razões culturais, mas nada que não seja possível ultrapassar.

Projetos para o futuro?
Neste momento só tenho duas prioridades – fazer crescer a Medical Port e ajudar a concretizar o projeto da Nova. Depois, uma folha em branco faz-me feliz.

Tem o que é necessário para ser empreendedora?

Segundo Belén de Vicente, além da sorte, tão necessária ao sucesso, há condições mínimas para ser empreendedora. São elas:

  • Saber e poder viver com um ordenado reduzido durante um espaço de tempo alargado;
  • Não procurar a estabilidade profissional e não ter medo de arriscar;
  • Ter uma capacidade de trabalho inesgotável;
  • Ser resiliente na forma como lida com problemas, com falhanços, com falta de dinheiro e com falta de clientes;
  • Ser flexível para poder mudar quando erra no caminho, para ouvir e alterar, para fazer de forma diferente do que tinha planeado;
  • Não deixar o medo sobrepor-se à vontade de vencer.

 

 

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