Teresa Rebelo Pinto é psicóloga, certificada em Sono pela European Sleep Research Society. Foi coordenadora do Sono Escolas, projeto de educação do sono a nível nacional, e pertence à Associação Nuvem Vitória, que trabalha para melhorar a qualidade do sono das crianças hospitalizadas. Autora de vários artigos científicos, fundou recentemente a Clínica Teresa Rebelo Pinto — Psicologia & Sono, que oferece um serviço de psicologia do sono, que faz a ligação entre a Psicologia e as Ciências do Sono e é reconhecida como especialidade científica pela American Psychological Association.
Para assinalar o Dia Mundial do Sono em 2024, Teresa Rebelo Pinto conduziu um estudo com o objetivo de compreender de que forma as pessoas percecionam o seu sono e o impacto que dormir mal tem na sua vida. O estudo contou com a participação de mais de 1000 pessoas, sendo mais de 80% da amostra do sexo feminino. Entre as conclusões destaca-se que 62,7% dos participantes dizem que têm uma baixa ou média qualidade do sono e 94.5% admite que dormir mal tem consequências negativas no seu dia-a-dia, em muitas (51.2%) ou algumas (43.3%) áreas.
Quais as principais causas para que as pessoas não durmam bem em quantidade e qualidade?
A duração do sono é importante, mas a qualidade também. Vivemos numa época com poucos limites, em que tudo está disponível 24h à distância de um clique, em que podemos comunicar com pessoas do outro lado do planeta, num fuso horário totalmente diferente. Tudo isto traz grandes desafios em relação à nossa capacidade de dormir, porque obriga a uma autorregulação muito maior, comparando com uma altura em que não tínhamos literalmente nada para fazer à noite a não ser dormir. Há uns anos, o CEO da Netflix disse que a única concorrência com a qual estava preocupado era o sono, o que nos faz pensar que ainda existe uma cultura de desvalorização deste tema que é a base de todo o nosso bem-estar.
Para além dos distúrbios de sono que ficam muitas vezes por diagnosticar e tratar, sinto que um dos grandes entraves à qualidade de sono é a dificuldade em regular as emoções e desligar do dia, existindo uma falsa crença de que podemos controlar o sono.
As noites mal dormidas são terríveis. A curto prazo aguentam-se melhor ou pior, mas de forma sistemática começam a trazer riscos graves para a nossa saúde, segurança e vida social. Ficamos mais agressivos, tomamos decisões mais imprudentes, cometemos lapsos e falhas cognitivas e motoras, correndo sérios riscos para acidentes, quedas ou incidentes.
Qual o impacto de noites mal dormidas na carreira, na saúde e na vida social?
As noites mal dormidas são terríveis. A curto prazo aguentam-se melhor ou pior, mas de forma sistemática começam a trazer riscos graves para a nossa saúde, segurança e vida social. Por exemplo, quando dormimos mal, ficamos mais agressivos, tomamos decisões mais imprudentes, cometemos lapsos e falhas cognitivas e motoras (ficamos verdadeiramente “bêbados de sono”), correndo sérios riscos para acidentes, quedas ou incidentes. O impacto pode ser brutal, se considerarmos que um erro deste tipo pode custar-nos o emprego, o casamento ou mesmo a própria vida. É importante colocarmos assim a questão, porque sinto que algumas pessoas ainda acham (erradamente) que estão imunes aos perigos da privação de sono.
Este é um problema que se tem vindo a agravar? Porquê?
Penso que estamos muito focados em “controlar” a nossa vida, queremos ter tudo em caixinhas muito rígidas e chegar a todo o lado. As crianças têm de ser boas a tudo, ter muitas explicações e tpc’s, as mulheres precisam de trabalhar duas ou três vezes mais para provarem o seu valor, os homens não podem deixar de beber álcool porque socialmente não parece bem, enfim… Parece que sobra pouco tempo e espaço dedicado ao sono. Esta cultura ainda persiste em muitos meios, apesar de também se assistir cada vez mais a uma atitude de valorização do que é saudável. A verdade é que se tivermos uma vida equilibrada durante o dia, o nosso sono à partida terá qualidade. Depois existem os problemas de saúde que estão associados a pior sono, como por exemplo a obesidade, os problemas de saúde mental ou de dor crónica. Todas estas situações podem agravar ou ser ativadas por dificuldades no sono e convém serem devidamente diagnosticadas e tratadas.
Dormir mal é um problema com género e/ou mais frequente em determinadas idades (menopausa, por exemplo)? Porquê?
Apesar de poderem existir problemas de sono em todas as faixas etárias, algumas fases da vida são mais propensas a estas dificuldades. As alterações hormonais da menopausa vão ter implicações ao nível da regulação da temperatura corporal e da produção de melatonina, por exemplo. Além disso, algumas variações de humor podem também comprometer a qualidade do sono. Os adolescentes também são particularmente propensos a dificuldades no sono, maioritariamente relacionadas com um desfasamento entre o seu ritmo biológico e os ritmos sociais e escolares.
Por outro lado, parece existir uma tendência para as mulheres dormirem genericamente pior do que os homens. Esta situação pode ser explicada por um conjunto de fatores hormonais, culturais, sociais e psicológicos, que envolvem fatores como flutuações hormonais cíclicas com grande impacto na regulação do sono (ciclo menstrual, gravidez, menopausa) e pressão social para desempenhar em simultâneo múltiplos papéis (familiar, conjugal, parental e profissional).
Saber que precisamos mesmo de dormir não chega para nos fazer adotar hábitos mais saudáveis. É preciso fazer mais do que divulgar informação, há que capacitar as pessoas para serem mais protetoras do seu sono.
Que conclusões retira dos resultados deste inquérito?
Este inquérito foi desenvolvido pela Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia & Sono, integrando as iniciativas da campanha DORMIR MAL SAI CARO, no âmbito do Dia Mundial do Sono. O objetivo deste estudo foi compreender de que forma as pessoas percecionam o seu sono e o impacto que dormir mal tem na sua vida.
Participaram 1037 adultos, com mais de 18 anos, 80.3% do sexo feminino. O inquérito foi respondido de forma voluntária e anónima, em formato on-line, no início do mês de Março 2024. Para além de algumas questões fechadas, os participantes também partilharam algumas experiências pessoais que ilustram como dormir pode sair caro.
Os resultados sugerem que a maior parte dos inquiridos gosta de dormir e reconhece que dormir mal tem consequências negativas no seu bem-estar, no seu funcionamento cognitivo, na vida familiar, pessoal e profissional. Não obstante, apenas 1/3 dos participantes assume que dorme bem e o tempo suficiente. Talvez por este motivo, em resposta à pergunta “O que faria se tivesse 1 hora extra no seu dia?”, 60.6% escolheu a opção “atividades de lazer” e 34.5% a opção “dormir”, revelando que as pessoas gostariam de ter mais tempo de lazer e de sono do que têm atualmente.
Estes dados contribuem para reforçar a necessidade de investir na promoção da qualidade de sono nos mais diversos contextos (saúde, trabalho, educação, família e comunidade), justificando iniciativas como a campanha Dormir mal sai caro.
O que mais a surpreendeu nestas respostas?
Não me surpreendeu propriamente porque todos os dias contacto com esta realidade na Clínica, mas continua a ser impressionante o facto de as pessoas continuarem a dormir pouco apesar de reconhecerem que o sono é importante e que ficam com a vida muito afetada quando dormem mal! Ou seja, saber que precisamos mesmo de dormir não chega para nos fazer adotar hábitos mais saudáveis. É preciso fazer mais do que divulgar informação, há que capacitar as pessoas para serem mais protetoras do seu sono, que pode acabar por ser o seu grande trunfo na vida.
Que conselhos deixa para uma melhor qualidade de sono?
Aconselho a que as pessoas procurem informação cientificamente válida, mas também que estejam atentas ao seu corpo, aos seus sinais de alerta. Há muitas pessoas que não conhecem o seu próprio sono, ignorando as suas necessidades reais quanto à duração ou horários preferenciais para dormir e acordar, por exemplo. Por outro lado, ainda faz falta aumentar a literacia para o sono, para que ninguém ache que ressonar, ter sonolência excessiva durante o dia ou andar sempre cansado é “normal” ou que não tem cura. Existem cada vez mais especialistas que podem ajudar a diagnosticar e tratar os distúrbios de sono. Outra sugestão que deixo é tentar organizar a vida mais ao encontro das necessidades de sono, em vez de tentar dormir “quando dá”.
Leia o artigo de Teresa Rebelo Pinto “O que falta para as mulheres dormirem em paz”.