Teresa Fragoso: ainda há preconceito sobre liderança feminina

A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) está a celebrar quatro décadas de existência, o mote ideal para falarmos com a presidente, Teresa Fragoso, sobre igualdade de género.

Teresa Fragoso, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

No seu 40º aniversário, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) quer lembrar as vitórias para o papel na mulher na sociedade portuguesa ao longo destas décadas. As comemorações arrancaram ontem, dia 7, com o espetáculo “40 anos de Conquistas”, no Teatro da Trindade, que contou com a presença de várias artistas e figuras femininas que se destacaram em Portugal ao longo destas quatro décadas, e vão continuar ao longo do ano, por todo o país.

Teresa Fragoso, 42 anos, presidente da CIG assumiu o cargo em agosto de 2016, depois de ter sido adjunta da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade para a área da igualdade de género e relações internacionais. É um regresso: já presidiu àquele organismo entre janeiro de 2011 e janeiro de 2012. A Executiva falou com a presidente sobre o que mudou para as mulheres em 40 anos e do que ainda falta fazer.

Em ano de comemorações, qual o balanço de 40 anos de atividade da CIG?
Não temos dúvidas de que o balanço é muito positivo. Basta pensar na evolução de alguns indicadores da situação e das condições de vida das mulheres, para se perceber as imensas mudanças que tiveram lugar, muitas delas acompanhando as iniciativas da CIG: a título de exemplo, a taxa de analfabetismo feminino passa de 31% em 1970 para 7% em 2011, as mulheres com ensino superior completo, que eram apenas 0,5% da população feminina total em 1970, passam para 17% em 2011, e a atividade profissional das mulheres, embora tradicionalmente elevada, não parou de crescer nas últimas décadas. E quanto à participação política, a representação de mulheres passa de 1,9% no I Governo Constitucional para 30,5% no Governo atual, e de 8,9% na Assembleia Constituinte para 33% na atual Assembleia da República.
É preciso ainda lembrar que durante as últimas quatro décadas, a lei, começando na Constituição e abarcando todos os ramos do sistema jurídico, veio garantir a igualdade e a não discriminação baseada no sexo, seja na família, no trabalho, na política, enfim, em todas as áreas da vida social.

Entre as maiores vitórias obtidas nestas quatro décadas, destacaria o acesso alargado das mulheres à educação e ao mercado de trabalho, condições essenciais para a sua autonomia.

Quais as maiores vitórias para a igualdade de género que destacaria destas quatro décadas?
Entre as maiores vitórias destacaria o acesso alargado das mulheres à educação e ao mercado de trabalho, condições essenciais para a sua autonomia. Também a melhoria significativa da sua representação na tomada de decisão política é sinal do reconhecimento do papel importante que desempenham na condução da vida do país, e um garante de um maior leque de sensibilidades nas grandes decisões a tomar.

Em que sectores a implementação de políticas públicas de igualdade de género e cidadania ainda encontra os maiores entraves?
Apesar dos progressos alcançados, existem ainda alguns problemas em determinados domínios, que constituem desafios em termos de igualdade entre mulheres e homens. Uma das áreas em que persistem desequilíbrios significativos é a da economia, desde logo a segregação horizontal e vertical do mercado de trabalho, que significa que continuam a existir profissões que são predominantemente femininas ou masculinas, em que se mantém o chamado “teto de vidro”, que faz com que as mulheres progridam só até determinado nível nas suas carreiras, tendo dificuldade em ascender a lugares de topo, quer na vida política, quer sobretudo na vida económica. Por outro lado, as mulheres continuam a ganhar, em média, menos do que os homens, diferença salarial que ronda os 17%, o que, na prática, significa que as mulheres trabalham 2 meses por ano de graça, em comparação com os homens!
Uma questão transversal a estes problemas é a da conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar, já que as mulheres continuam a ser as principais responsáveis pelos cuidados familiares e pelas tarefas domésticas, trabalho que, sendo imprescindível ao funcionamento da economia do país, não é remunerado e, portanto, menos valorizado socialmente.
Todas estas desigualdades acabam por estar na origem da violência contra as mulheres, nomeadamente a que tem lugar nas relações de intimidade, que afeta toda a sociedade e que tem custos significativos para as pessoas afetadas, para as famílias e para a comunidade. Embora nas últimas décadas tenham vindo a ser desenvolvidos esforços significativos nesta matéria, com efeitos visíveis e expressivos, é uma batalha que urge continuar a travar.

Não basta aprovar legislação para uma verdadeira igualdade na liderança empresarial. A própria lei prevê medidas que para alcançar uma efetiva igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens.

A legislação para um maior equilíbrio de géneros nas administrações das empresas públicas e cotadas na Bolsa é o passo essencial para promover a verdadeira igualdade na liderança empresarial? Que outras medidas deveriam acompanhá-la?
Esta legislação é sem dúvida um passo muito importante para alcançar um maior equilíbrio entre mulheres e homens na tomada de decisão económica, nomeadamente nas empresas. Mas aprovar o diploma não chega; aliás, a própria lei prevê medidas que, essas sim, poderão ajudar a concretizar os objetivos que se pretendem alcançar. Entre essas medidas conta-se a adoção, pelas empresas do setor empresarial do Estado e pelas empresas cotadas em Bolsa, de planos tendentes a alcançar uma efetiva igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens, promovendo a eliminação da discriminação em função do sexo e fomentando a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.
Por outro lado, a alteração da legislação sobre parentalidade pode igualmente contribuir para um maior equilíbrio das responsabilidades familiares, promovendo uma maior partilha das licenças parentais entre mãe e pai, e retirando às mulheres o ónus da maternidade que constitui muitas vezes uma das causas de discriminação indireta no mercado de trabalho.

As estatísticas oficiais falam no aumento das disparidades salariais entre homens e mulheres, à medida que aumenta o grau de instrução. Como se explica este fenómeno e como poderá ser resolvida na prática?
Efetivamente as disparidades salariais entre mulheres e homens são mais altas entre detentores de nível de instrução superior, como são mais altas nas categorias de pessoal dirigente. Este facto demonstra como, a partir de determinados graus da hierarquia profissional jogam a favor dos homens fatores subjetivos, atribuindo muitas vezes injustamente um maior valor à sua prestação profissional, com base em estereótipos de género. Por exemplo, ainda há um preconceito sobre a capacidade de liderança das mulheres.
Para dar resposta a estas questões, o atual Governo levou-as a discussão em sede de concertação social, apresentando uma agenda para a igualdade que permita abolir as desigualdades e que inclui 5 temas:
– Diferenças salariais (pay gap);
– Conciliação entre a vida profissional e familiar de mulheres e homens;
– Licenças de parentalidade que promovam uma maior partilha entre pais e mães;
– Equilíbrio de género nos conselhos de administração das empresas
– Combate à segregação vertical e horizontal das profissionais com base no sexo.

 

MARIA DE LOURDES PINTASILGO HOMENAGEADA

A promoção da igualdade entre mulheres e homens tem contribuído para o aprofundamento da democracia“, diz-nos Teresa Fragoso. Este será também o mote para as comemorações do 40º aniversário da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Ontem, dia 7, na abertura das comemorações, Maria de Lourdes Pintasilgo – a primeira portuguesa a ocupar o cargo de primeiro-ministro e a terceira na Europa – foi a grande homenageada, lembrando o seu papel na génese da Comissão da Condição Feminina e influência no percurso da CIG.

Parceiros Premium
Parceiros