Sofia Soares Franco, 40 anos, é responsável pela Comunicação Institucional, Enoturismo e Eventos da José Maria da Fonseca (JMF), e membro da 7.ª geração da família que gere esta empresa quase bicentenária de vinhos, com sede em Azeitão.
Depois de ter feito uma licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa e um mestrado em Segurança e Defesa na Universidade Católica de Lisboa, trabalhou no Ministério dos Negócios Estrangeiros e no Comando da Nato, em Oeiras, nas áreas de relações públicas e institucionais, a nível nacional. “O meu objetivo era fazer carreira nesta área e nunca pensei em trabalhar na empresa”, conta. Mas quando a JMF decidiu profissionalizar o seu sector de enoturismo e convidou Sofia Soares Franco para o dirigir, em 2006, decidiu aceitar o desafio, sobretudo porque “a família achou que eu tinha o perfil certo para o lugar”, explica.
A José Maria da Fonseca é uma empresa familiar que tem 650 hectares de vinha em cinco regiões do país e comercializa os seus vinhos em Portugal e em mais 80 países, para onde exporta 60% da produção. No passado, a empresa exportou ainda mais, mas a criação de uma distribuidora própria para o mercado nacional, cujo portefólio foi enriquecido com as marcas de outros produtores nacionais e internacionais, contribuiu para o crescimento das vendas totais da José Maria da Fonseca e das marcas da empresa em território nacional
Acordo de família
Na José Maria da Fonseca há um acordo de família, com várias regras que condicionam a relação da empresa com todos os seus membros. Uma delas é que esta não é obrigada a contratar as pessoas da família. Outra é que os seus membros não são obrigados a trabalhar nela. Para além disso, os que entram têm obrigatoriamente de ter uma licenciatura pré-Bolonha ou mestrado, e de trabalhar primeiro noutras empresas, ou instituições, como foi o caso de Sofia Soares Franco, para adquirir conhecimento que possa constituir uma mais-valia.
Para a gestora a aprendizagem que teve foi fundamental para desempenhar as suas funções, e é essencial para qualquer outra que possa vir a desempenhar. Mas defende que “a experiência de vida e a profissional também contribuem muito para aquilo que acabamos por ser em termos profissionais”.
Apesar de o cargo não se integrar no seu projeto inicial de vida, foi-lhe impossível responder negativamente ao desafio da família, também porque “fazia sentido integrar o projeto, já que o objetivo era acrescentar-lhe um toque feminino que adicionasse mais qualquer coisa à arte de bem receber quem nos quer visitar”.
Trabalhar numa empresa com uma história tão longa como a da José Maria da Fonseca era, ao mesmo tempo e como membro da família, uma enorme responsabilidade. “Tinha de conseguir estar à altura do cargo e da história da nossa família, mas também perante os acionistas e o mercado”, conta. Por outro lado, “queria mostrar que merecia o lugar e não o ocupava apenas porque era filha do António e sobrinha do Domingos”, os irmãos da geração anterior que gerem a empresa. E sentia, também, que era uma “oportunidade para contribuir para algo que nos é comum, uma empresa que faz parte da história de uma família que fez muitas coisas bem feitas”. Hoje, 16 anos após o primeiro dia, tem “um gosto muito especial estar a contribuir para algo maior do que nós”.
A profissionalização do enoturismo
Quando iniciou a sua atividade na empresa, o mundo dos vinhos era muito diferente do atual. Existiam enoturismos em Portugal, mas poucos tinham realmente as portas abertas para receber visitantes, explicar a história da empresa, a forma de fazer vinhos, e os vinhos. Quando havia, as visitas eram guiadas muitas das vezes por pessoas pouco preparadas e com pouco conhecimento sobre o tema e o próprio sector. Hoje é fundamental abrir portas todos os dias, ter pessoas qualificadas a receber, que falam vários idiomas, uma boa sala de provas e uma boa loja de vinhos. “São coisas básicas que qualquer produtor que queira investir num enoturismo deve ter em conta”, diz Sofia Soares Franco.
Vinda de uma área completamente diferente, Sofia Soares Franco sabia pouco da parte técnica da produção de vinhos, apesar de ter crescido neste mundo. O que conhecia era aquilo que lhe ia sendo contado pelos outros membros da família e das visitas que fazia à empresa. Por isso, “foi preciso aprender”, mas não só sobre os vinhos e o negócio da empresa, porque era preciso liderar uma equipa, construída, na sua maioria, por pessoas mais velhas e com mais tempo do que ela na José Maria da Fonseca. E foi fazendo isso com intuição, e com o tempo e a experiência que foi adquirindo à medida que a área que geria foi crescendo, mesmo depois de assumir, também, o sector de comunicação da José Maria da Fonseca.
Hoje diz que até foi fácil gerir uma área da empresa que esteve sempre em crescimento, com exceção dos últimos dois anos devido aos efeitos da pandemia. Por outro lado, foi ganhando o respeito da imprensa e dos jornalistas da especialidade, mostrando trabalho. Mas diz que ainda tem muito para aprender e fazer.
Atualmente, o enoturismo da José Maria da Fonseca tem duas localizações, a Casa Museu, que fica em Azeitão, e a Adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz, e uma faturação superior a um milhão de euros. Conta com uma equipa de 13 pessoas, para receber cerca de 40 mil visitantes por ano, de 80 nacionalidades diferentes. Segundo Sofia Soares Franco, o topo é geralmente ocupado, para além de Portugal, pelos Estados Unidos, Brasil, Alemanha, Reino Unido, França, Rússia, Suécia, Espanha e Canadá. Mas os sucessivos eventos que têm assolado o mundo nos anos mais recentes, incluindo o Brexit, a pandemia e, mais recentemente, o ataque russo à Ucrânia, têm feito oscilar muito as origens de quem visita os enoturismos da empresa. “Quando voltámos a ter a visita de turistas externos não havia intercontinentais. Eram europeus e, sobretudo, espanhóis e portugueses”, conta Sofia Soares Franco.
A área de eventos complementa o turismo de vinhos da José Maria da Fonseca, tal como o restaurante, aberto em 2019 na Casa Museu de Azeitão da empresa. “Isso veio complementar a experiência que queremos que seja 360.º sobre a nossa marca”, explica a gestora, acrescentando que a oferta do restaurante alia a gastronomia local, feita com a primazia nos produtos da região, com todo o portefólio das cinco regiões onde a casa produz, a copo e à garrafa.
O foco no cliente
Para Sofia Soares Franco, o foco no cliente é fundamental na boa gestão de um enoturismo. A José Maria da Fonseca tem desde logo como atrativos o peso da história de uma família ligada ao vinho há quase dois séculos, as instalações também bicentenárias da Casa Museu e os seus toneis antigos, e o charme das talhas na Casa José de Sousa, que honram uma forma de produção milenar de vinhos. Mas para que tudo corra mesmo bem, a disponibilidade de uma boa equipa é essencial para proporcionar uma boa experiência, já que “o objetivo é que o cliente saia com a sensação de uma barriga cheia de bons momentos”, defende Sofia Soares Franco. Por isso, é fundamental escolher bem as pessoas que a compõem, sobretudo pela simpatia e os seus conhecimentos. “Não é essencial que saibam sobre vinho, porque a empresa dá-lhes a formação necessária para estarem à altura do serviço que prestam”.
Afinal, o enoturismo é a cara da empresa para o consumidor final e, muitas vezes, o primeiro contacto que o cliente ou cliente potencial tem com ela. Por isso, “levar daqui uma boa experiência é meio caminho andado para gerar embaixadores da José Maria da Fonseca ou da Adega José de Sousa”, defende a gestora. É algo essencial, não só porque vão comunicar isso aos familiares e amigos, mas também porque poderão lembrar-se disso quando estiveram à frente de uma prateleira a comprar vinhos, ou abrirem uma carta num restaurante.
AS ESCOLHAS DE SOFIA
Pedimos a Sofia Soares Franco que selecionasse dois vinhos campeões de venda na sua empresa e duas pequenas joias, por serem vinhos únicos. São os seguintes:
Campeões de venda
Periquita, a marca de vinhos mais antiga em Portugal, criada em 1850 pelo fundador da empresa, “por ser a mais transversal nos mercados onde a empresa está”.
Lancers, referência lançada em 1944, a terceira de vinho rosé criada em Portugal a seguir ao Faísca, que foi descontinuado, e ao Mateus Rosé. “Teve grande sucesso, sobretudo nos anos 70 no mercado norte-americano e continua a ter uma enorme relevância no nosso portefólio e carinho da nossa parte”.
Pequenas jóias
Moscatel de Setúbal Alambre 20 Anos. Vinho que expressa todas as características do seu terroir, muito versátil pelo equilíbrio entre a sua acidez e doçura, que casa bem com várias sobremesas, mas também com queijos de ovelha de pasta mole e azuis, para além de foie gras. “Já fomos com ele a um concurso de vinhos de sobremesa na Suécia, de pairing com várias sobremesas do mundo, e foi o que melhor casou com a maioria das que estavam presentes”.
Hexagon. Vinho tinto produzido na Região da Península de Setúbal, a origem da casa produtora e das suas marcas principais, um dos seus topos de gama entre os vinhos de mesa. É uma homenagem à 6.ª geração da família, constituída por António, pai de Sofia e Domingos Soares Franco, o tio. “O meu tio levou 10 anos a encontrar o blend perfeito, num vinho que destaco, não só pela sua qualidade, mas também pela história de amor e perseverança que tem por detrás e pela dificuldade de fazer um vinho assim, com seis castas, que homenageia a geração anterior à minha”.
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