Sílvia Ribeiro: “Ser engenheira é ter espírito curioso”

Formada em engenharia mecânica, hoje lidera a área de Business Strategy & Development da Divisão Energy Management na Siemens. Fala-nos do seu percurso profissional, da importância de procurar desafios novos e da paixão que a move desde muito cedo.

A engenheira Sílvia Ribeiro, responsável pela área de Business Strategy and Development da Siemens

Quando era miúda era fascinada por ficção científica, astronautas e por saber como funcionavam as coisas, inclusivamente a máquina de costura da avó. Foi a paixão pela matemática que a levou para a engenharia. Quando saiu da faculdade queria ser engenheira projetista na área da termodinâmica, mas hoje lidera a área de Business Strategy & Development  da Divisão Energy Management. Foi nessa empresa que fez o seu estágio e onde voltou poucos anos mais tarde, trabalhando numa das maiores obras de energia feitas em Portugal, a Central de Ciclo Combinado do Ribatejo. Aos 42 anos, casada e mãe de uma menina de 9 anos e de um rapaz de 12, Sílvia Ribeiro adora agarrar um bom desafio, criar algo a partir do zero e vê-lo crescer. E prova que, em Engenharia, os caminhos levam às funções mais inesperadas.

O que a levou a seguir Engenharia?
Ao contrário de algumas colegas e amigas, não tive nenhuma influência familiar, mas desde cedo me apercebi das aptidões pela matemática e lógica e tinha um fascínio grande pela ficção científica. Foi na adolescência que decidi que queria ser engenheira. Quando cheguei ao 12º ano, troquei a minha turma, onde tinha as minhas amigas, porque tinha que ir bem preparada. Não tinha dúvidas: queria ser engenheira e formada pelo Instituto Superior Técnico. Os testes psicotécnicos confirmaram aquilo que eu já sabia. Em criança queria que a minha avó me explicasse como funcionava a máquina de costura dela. (risos) Já no Instituto Superior Técnico, tirei um curso de fotografia porque queria conhecer a técnica de revelação. Ser engenheira, no fundo, é criar diálogo; é ter o espírito curioso de querer conhecer, perceber como funciona, de saber que tenho os meios à mão para conseguir fazer qualquer coisa, se um dia precisar. Quando escolhi ir para Engenharia Mecânica, a minha mãe foi uma das últimas pessoas a saber e ficou em pânico. Perguntou-me o que ia fazer para um curso assim. Não tinha bem a noção do ramo de que iria seguir, que acabou por ser a termodinâmica, um ramo mais  teórico. Acabei Engenharia em 1998. O meu projeto de final de curso foi na área da cogeração.

” [Na obra da Central de Ciclo Combinado do Ribatejo] tínhamos um ambiente muito bom, trabalhávamos com objetivos, soubemos dar a volta aos imprevistos e tudo correu bem. Como tinha o fascínio pela termodinâmica , sempre que encontrava os colegas alemães responsáveis pelas turbinas, ia lá espreitar e fazer perguntas.”

Como foi o seu percurso profissional até chegar à Siemens?
Achava que ele iria passar pela área de projeto, onde acabam por ir parar muitos dos que seguem o ramo da Termodinâmica. Tive possibilidade de fazer um estágio de seis meses na Siemens; fui trabalhar para a área da geração de energia. Pensei que ia exercer alguns os meus conhecimentos de aerodinâmica, na projeção das pás das turbinas — ideias românticas que temos a princípio; depois percebi que o projeto era todo feito na Alemanha. Depois desse estágio, estive três anos numa empresa alemã relativamente pequena, onde comecei por exercer funções técnicas e que depois acabaram por ser mais comerciais. Foi bastante desafiante porque numa empresa pequena acabamos por ter que ser bastante autónomos. Entre outras atividades, a empresa comercializava energia elétrica e energia térmica. Acompanhei o início da operação de uma das centrais de cogeração inserida numa empresa têxtil e defini o modelo de faturação da energia produzida.
Após três anos, fui convidada para regressar à Siemens e participar num projeto muito aliciante: a construção da Central de Ciclo Combinado do Ribatejo, que arrancou em 2002. Manifestei logo a minha intenção de ir para a obra. Foi muito desafiante e um período muito enriquecedor. Todos os dias aprendia algo novo. Na altura apenas existiam 2 mulheres engenheiras em obra, eu e uma colega alemã engenheira química. Tínhamos uma equipa muito coesa e é com saudade que recordo estes tempos de grande aprendizagem para todos — muitos de nós ainda trabalham na Siemens.

Quais foram os momentos mais marcantes desse tempo?
Havia momentos muito engraçados que não ocorrem em escritório. Tanto queria ganhar responsabilidades em obra, que um dia o responsável pelas especialidades na área de mecânica, acedeu e resolveu passar-me a ambicionada responsabilidade. Disse-me para estar logo cedo do dia seguinte no estaleiro pronta com capacete e botas. E lá estava eu à hora combinada à porta do gabinete dele, pois pensava que ia acompanhá-lo, mas enviou-me sozinha para fazer a verificação de montagem de um equipamento. “Pegue nos desenhos e vá ter com o fornecedor, que está à sua espera.” Acho que fui bem largada. Quando fui para a obra não tinha especificamente esta função; foi algo que fui conquistando por vontade e por demonstrar responsabilidade, foi uma adição às minhas funções. Quando a obra acabou e voltei para a sede, senti uma travagem brutal. Tínhamos um ambiente muito bom, trabalhávamos com objetivos, soubemos dar a volta aos imprevistos e tudo correu bem, éramos uma equipa. Como tinha o fascínio pela termodinâmica , sempre que encontrava os colegas alemães responsáveis pelas turbinas, ia lá espreitar e fazer perguntas.
Após a obra ainda estive em funções como gestora da qualidade de projeto. Na altura, esta era uma função que ninguém tinha feito antes. Foi um desafio que me fez alargar a minha perspetiva da empresa e da área em que estava. Após seis anos abracei novo desafio na área de Business Development. Estava ciente que iria deixar de exercer engenharia no dia a dia, mas com o potencial de continuar a crescer [profissionalmente]. Ampliei a minha visão do negócio. Sou a favor da rotação de funções, algo que a Siemens tenta implementar e considero muito importante.

E o que faz enquanto responsável de Business Strategy & Development na área da gestão energia?
Coordeno as atividades estratégicas de desenvolvimento do negócio definidas pela Direção da divisão de Energy Management (área que representa uma fatia apreciável do volume de negócios — cerca de 30% em Portugal). As atividades são diversas e muito abrangentes. Neste contexto, eu e a minha equipa damos suporte à direção, unidades de negócio e equipa de vendas nas diversas atividades de forma a aumentar a eficácia da organização.

O que a motiva mais no seu trabalho?
Estar presente na definição da estratégia do negócio, definir e implementar os desafios propostos e puder desta forma contribuir para o sucesso da organização;  estabelecer os business case, criando as equipas e concretizando as iniciativas. É gratificante e também me dá alguma flexibilidade na minha atividade.

“Nesta área em concreto temos que ser profissionais que têm a capacidade de perante os desvios e imprevistos analisar os problemas e de apresentar a solução.”

Qual é a parte mais surpreendente do seu trabalho, para quem está de fora?
É esta diversidade de funções e de interlocutores, é uma função muito abrangente; diria que atuamos nos 360º da organização. Suscita quase aquela reação: “mas também estás neste projeto?”

Quais as características essenciais para se ser bom na sua área?
Autonomia e responsabilidade, acima de tudo. Nesta área em concreto temos que ser profissionais que têm a capacidade de perante os desvios e imprevistos analisar  os problemas e de apresentar a solução. A orientação para os objetivos também é importante, tal como ter uma mente aberta e muita flexibilidade.

Como é um dia típico de trabalho seu?
Depende dos desafios a decorrer. Posso estar a preparar análises essencialmente para a equipa de vendas, outras vezes em reuniões a planear e desenvolver iniciativas. Como interajo com diversos interlocutores na organização (recursos humanos, vendas, comunicação e marketing, os nossos pares…) é muito diversificada. Na Siemens temos um bom equilíbrio entre vida pessoal. A Siemens proporciona-nos muita flexibilidade e é de louvar que hoje seja permitido isso. Quando a minha filha esteve em casa doente com varicela, pude trabalhar a partir de casa. É permitido aceder às plataformas online e fazermos reuniões remotamente. Tenho colegas que trabalham em sistema de home office uma vez por semana. Isto também só é possível pela autonomia e responsabilidade que nos é atribuído.

Qual o momento mais marcante da sua carreira?
Tenho vários. Marcou-me fazer a minha primeira inspeção de obra sozinha. E quando fui sozinha fechar as condições comerciais de um negócio. Ou quando decidi bater à porta de um diretor e disse que queria um desafio novo, que despoletou a minha mudança de função. Acho que nunca tinha entrado naquele gabinete e estava nervosa, mas a conversa correu muito bem. Quando um projeto corre bem e temos o reconhecimento das pessoas envolvidas, dos nossos diretores, também é marcante.

“Parece caricato, mas o momento mais difícil foi quando descobri que tinha vertigens — o que pode ser muito condicionante quando se trabalha em obra.”

E um momento difícil?
Parece caricato, mas foi quando descobri que tinha vertigens — o que pode ser muito condicionante quando se trabalha em obra. Tive que fazer a inspeção de fim de montagem a uma sonda que tinha sido instalada no alto da chaminé da caldeira. Era necessário subir umas escadas guarda-corpos até ao cimo. Foi mesmo difícil porque paralisei e não fui mesmo capaz de subir. Nunca disse que não a nenhuma tarefa, à exceção dessa vez. Foi o único momento de trabalho em que tive medo.

A área das energias tem muitas mulheres formadas em engenharia? Fazem falta mais?
Acho que fazem falta mais mulheres, sem dúvida. Somos poucas, mas cada vez mais. Penso que temos uma perspetiva diferente, temos outro filtro nos olhos, digamos. (risos) As mulheres partilham uma visão semelhante em alguns pontos e com foco nas pessoas. Já vejo as mulheres da nova geração a pensar de maneira diferente e mais disruptivas. Nos tempos de faculdade, no meu curso éramos 150 alunos e apenas 10 mulheres.

Como é que atualiza conhecimentos e procedimentos na sua área?
A atualização de conhecimentos é muito frequente. A Siemens tem uma excelente política de formação e uma cultura de partilha. Temos fóruns de partilha, em que podemos colocar dúvidas e sessões técnicas feitas online. Estamos também a criar uma rede de mentoring.

Existe alguém que considere uma referência profissional na sua área?
O Fernando Silva, o meu diretor e chefia direta. Trabalho com ele há alguns anos e considera-o um líder. Aprendo bastante com ele a nível de estratégia. É um prazer trabalhar com alguém assim. Ao princípio perante alguns problemas para o qual era preciso encontrar uma solução, pensava ‘o que faria o Fernando?’

Que conselho daria a uma jovem engenheira na área  das energias, que inicia agora carreira?
Caminhar para obter formação na área da digitalização, a buzz word do momento (que por acaso não domino). É claramente aqui que está o futuro.

O que gosta de fazer quando não está a trabalhar? Que outras paixões tem, para além desta?
Prezo muito o tempo com a família e amigos. Tudo o que está ligado ao mar me faz relaxar. O hobbie familiar de momento é a vela. É o nosso momento zen da semana, sempre que as condições climatéricas permitem.

 

Errata: Entrevista publicada no nº3 da revista Executiva (maio de 2017) onde, por lapso, foi indicado que a Engenheira Sílvia Ribeiro “lidera a área de desenvolvimento de negócios para a gestão da energia, da Siemens”. O correto será dizer que lidera a área de Business Strategy & Development da Divisão Energy Management na Siemens.

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