Fundador e sócio da Global Press, onde é responsável pela área corporativa, Rui Elias é também tradutor, professor e escreve em revistas de lifestyle e cultura. Tem uma vasta experiência na área da comunicação e de relações públicas, sobretudo com marcas internacionais. Apesar de se ter tornado um “cidadão do mundo” muito cedo, uma das mulheres que elege é um símbolo nacional.
“As mulheres da minha vida, as que me transmitiram valores e conviveram comigo, são demasiado ciosas da sua privacidade para me permitirem falar delas. São, como acontecerá na maior parte dos casos, a mãe, avós, tias… Não vou falar delas. Irei antes mencionar quatro mulheres que ao longo da minha vida me acompanharam e me deram diferentes exemplos de vida. Todas têm, ou tinham, personalidades muito fortes e, em alguns casos, bastante vaidade… Para não ferir qualquer suscetibilidade, irei enumerá-las por ordem alfabética.
Amália – o orgulho nacional
Quando comecei a viajar sozinho, com cerca de 17 anos, todos os anos tomava o Sud Express até Paris, para a partir daí descobrir novas paragens. Entre os garrafões de vinho e azeite que os emigrantes portugueses levavam na viagem para mitigar as saudades até ao ano seguinte, faziam-se verdadeiros repastos com comida tradicional portuguesa levada para o caminho. Achavam-me graça pela atenção que me despertavam e frequentemente partilhavam comigo estes momentos. A música da Amália acompanhava muitas vezes estas viagens e ficava-me agarrada à pele.
Já em Paris, descia do comboio com a minha mochila e, a par do meu passaporte, a Amália certificava a minha nacionalidade e abria conversas: Vous-êtes portugais? Ah, Amália!! (E Eusébio também!); Fado!!!! (respetivamente Amáliá e Fádô, no carregado sotaque gaulês). Habituei-me a presentear os meus amigos estrangeiros com discos (de vinil) da Amália, que lhes levava quando os visitava e que ouvia com eles, enquanto tentava explicar o inexplicável sentimento de saudade dos portugueses, a tristeza e dramatismo da maior parte das letras das músicas que saiam da aparelhagem.
Com Amália amei mais o meu País. Com Amália pensei que nunca trocaria esta estranha forma de vida por nenhuma outra. Com Amália cresceu o meu coração independente… Tudo isto com a voz que Deus lhe deu. Obrigado, obrigado!
Madonna – a transgressora
Independentemente da estética que criou, das tendências que ditou e da sua música, sempre considerei Madonna como um exemplo de coragem e determinação em assumir as suas opções e alcançar os seus objetivos. Controversa em temas como a religião e o sexo, derrubou preconceitos, lutou por direitos e contribuiu em muito para mudar mentalidades retrógradas e conservadoras. Agitou águas e provocou tempestades!
Seguiu o seu percurso sem se importar com críticas. Para mim é o exemplo de uma pessoa aberta ao mundo, com uma enorme vontade de viver e de provocar para mudar padrões. Não gosto de pessoas formatadas e que julgam os outros de forma gratuita, pessoas que criticam em público e pecam em privado, pessoas de vistas curtas, pequeninas, tacanhas, mesquinhas, pessoas pobres de espírito, sem criatividade, com exceção na maldade com que olham para os outros, pessoas que fingem ser o que não são ou que escondem aquilo que são, pessoas presumidas, pessoas que vivem agarradas a convenções e que agem de acordo com o que é suposto ser correto. Com as suas atitudes Madonna ajudou a abalar as pequenas torres de marfim onde estas pessoas se refugiavam. Talvez haja uma mentalidade antes Madonna e outra pós Madonna. O certo é que muito mudou. Não será à toa que foi considerada uma das “25 mulheres mais poderosas e influentes do século passado” pela revista Time.
Madre Teresa – a humanista
Conhecida também pela “Santa das sarjetas”, é um verdadeiro exemplo de humanismo e amor ao próximo e encarnava o espírito do “Fazer bem sem olhar a quem”. Tratava, cuidava e defendia crianças abandonadas, pessoas com SIDA – numa altura em que estas apenas inspiravam medo, repugnância e pena -, mulheres que tinham sido abusadas e engravidaram, leprosos… ninguém nem nenhum sofrimento era indiferente nem demasiado grande ou assustador para esta pequena mulher. Não era seguramente perfeita, apenas humana, e não me identifiquei com algumas das suas convicções, como a sua campanha contra o aborto, mas era sem dúvida uma inspiração para ajudar o próximo e transformar o Mundo num sítio melhor. Ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1979.
Mafaldinha – a contestatária
Preocupada com a Humanidade e a paz mundial, Mafaldinha sempre se rebelou contra o estado atual do mundo em que vivemos e contestou a política e interesses mundiais que permitiam que houvesse fome, guerra, desigualdade e, claro, a sopa! Crítica e mordaz, não perdia qualquer oportunidade para levantar a voz e apontar o dedo, sempre certeira, assertiva, muitas vezes ingénua e sempre com muito humor.
Para mim, a Mafaldinha sempre foi um exemplo de como é possível criticar de forma positiva e construtiva, sem violência, com humanismo e preocupação e desconstruindo as regras estabelecidas de forma muito divertida. Poderia dizer tudo, porque o fazia de forma inofensiva, desconcertante e sempre a provocar o riso. A sua imagem foi utilizada a nível mundial para promover campanhas sobre os Direitos Humanos. Em 1976, foi criado um poster com a sua imagem para a UNICEF ilustrando a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Nunca uma criança tinha sido tão influente e inspiradora a nível mundial!!
Os amigos de Mafalda deveriam ser nossos amigos, porque são humanos e verdadeiros, com características positivas e outras menos boas, mas sempre com uma ingenuidade tocante e no fundo… com bom fundo! Quem não quereria ter uma amiga chamada Liberdade?”