Texto de Paula Rios, jurista e profissional de seguros
Não fora a máscara que todos e cada um de nós tínhamos a tapar a cara, até parecia que tudo tinha voltado ao normal; mas não, a multidão vinha mascarada, para além da exigência, à entrada, do certificado de vacinação ou teste Covid negativo. De resto, tudo igual – pessoas acotovelando-se, ombro a ombro, cadeira a cadeira, a correria de uma sessão para outra, as filas intermináveis à hora do almoço, a descoberta de startups inovadoras, os quadrados de luz no Altice Arena e a organização, sempre impecável: o Web Summit regressara a Lisboa, um ano depois de se ter realizado de forma digital, um pobre sucedâneo da real thing – não há nada como estar em pessoa para o sentir.
Como editora da FULLCOVER, estou lá para descobrir “furos” jornalísticos – descobertas novas, que podem parecer algo estranhas, mas que estão aí ao virar da esquina. Há dois anos, por exemplo, ao ouvir uma apresentação sobre a captura de dióxido de carbono da atmosfera, como uma das formas de combate às alterações climáticas, soube que tinha de ter um artigo sobre esse tema na revista. Não sendo possível, no Web Summit, “agarrar” os palestrantes à saída, porque saem pelo palco, logo em seguida contactámos a empresa em causa (Carbon Engineering) através do seu site e, após algum esforço, conseguimos uma entrevista telefónica com o CEO. Esse artigo (Remoção de Dióxido de Carbono – Atingir Zero Emissões) pode ser lido na Fullcover 13, disponível no site do Grupo MDS e, só por isso, já teria justificado a nossa presença, porque nos permitiu partilhar com os nossos leitores uma realidade ainda praticamente desconhecida – à data e ainda hoje, volvidos dois anos.
Os temas
Este ano o Web Summit não desiludiu, novamente. Além do ambiente, fervilhante de energia e novas ideias, assisti a apresentações muito interessantes, sobre temas tão variados como o futuro das viagens, numa nova realidade em que as exigências de segurança (relacionadas com a saúde) vão ser incontornáveis, exigindo uma maior colaboração entre Estados, e com grande recurso à tecnologia; a regulamentação sobre segurança digital e Inteligência Artificial, em que ficou claro que a Europa lidera, muito à frente dos Estados Unidos; as cadeias de fornecimento, em que a pandemia não criou problemas, apenas acelerou tendências, mostrando a necessidade de mudanças radicais nos sistemas de transportes, que terão de ser mais digitais, integrados e descarbonizados. Falou-se, inevitavelmente, no impacto social do trabalho remoto, e na abertura que este permitiu, no sentido de as empresas terem acesso a talento em qualquer parte do mundo, mas também no facto de não ser seguro que esta dinâmica, de trabalho desde casa, tenha vindo para ficar, pelo menos de forma absoluta; ouvi uma intervenção muito interessante do CEO da Galp, sobre a neutralidade de carbono do sector da energia; referiu que estamos num momento de “transição energética”, que, se não se faz dum momento para o outro, está a decorrer, e é incontornável, mas tem de ser levada a cabo com o apoio dos governos. Afirmou claramente que a GALP vai perfurar o último poço de exploração de petróleo em Janeiro de 2022, o que provocou uma onda de aplausos, falando, também, naturalmente, nas energias renováveis, e no lítio, um recurso incrível de que Portugal dispõe. Mais uma vez, foi referido que a Europa está a tomar a dianteira, também nesta área da mudança energética.
Tanto haveria que contar – ouvi falar sobre Internet das Coisas, e a cada vez maior necessidade de segurança dos dispositivos num mundo super conectado; que a segurança tem de ser resiliente, e duradoura, especialmente em máquinas feitas para durar, ou então com actualizações de segurança; falou-se muito em saúde mental, e ouvi chamar-lhe algo que eu própria já previ – a nova pandemia. Desde novos tratamentos com drogas leves, ao desenvolvimento de tratamentos clínicos de precisão predictivos e preventivos, APPs de acompanhamento com tecnologia relacional (mostrando uma conversa com uma paciente com depressão pós-parto) até uma empresa que desenvolveu um capacete que envia estímulos eléctricos às várias zonas do cérebro, podendo assim tratar problemas de saúde mental, foi um dos temas “quentes” desta edição. Não é difícil perceber porquê…
Falou-se de veículos autónomos, e do que vão implicar em termos de mudança de responsabilidades, nomeadamente para os seguradores; na possibilidade de reduzir as emissões de gases de estufa através da mudança de hábitos alimentares (menos carne…), de plataformas que analisam o grau de sustentabilidade dos edifícios e os tornam mais “verdes”, conectando os vários stakeholders – moradores, financiadores, empresas de construção, as comunidades… de projetos de ligação de escolas em locais recônditos à internet e, de novo, da captura de dióxido de carbono da atmosfera, mas desta vez já não apenas como um custo, de extraí-lo da atmosfera e enterrá-lo, mas de o aproveitar como mais uma fonte de energia. E esta apresentação foi feita por três jovens-prodígio de 17 e 18 anos, que estudam matérias como engenharia espacial ou biologia do envelhecimento no Canadá, e que apresentaram o tema com uma vivacidade e um profissionalismo que me teriam deixado boquiaberta… não fosse o facto de isto ser natural no Web Summit, onde, também em 2019, um “miúdo” de 15 anos apresentou a sua própria empresa de realidade virtual.
No espaço
Finalmente, ouvi um astronauta espanhol da NASA referir os próximos projetos – como já em 2022, depois de quatro décadas, o programa Artemis vai levar o ser humano de novo à Lua, servindo esta como uma espécie de rampa de lançamento para as futuras missões a Marte, uma grande estação para a descoberta e exploração de outros planetas. Ainda mais “à frente” foi uma discussão sobre o metaverse, um mundo virtual que vai criar as experiências que as pessoas procuram. Pelo que ouvi, será praticamante uma alternativa ao mundo real, aquilo que nós quisermos fazer dele, e quiçá tão apelativo que nos faça querer por lá ficar, e não regressar a este… chamaram-lhe a “oportunidade de redesenhar as nossas vidas” — fascinante, mas algo assustador também!
Last but not least, tive a oportunidade de participar numa sessão de perguntas e respostas com o vice-almirante Gouveia e Melo, recebido como uma verdadeira super-estrela, entre palmas e ovações (que fique registado que as acho bem merecidas!). Depois de perguntas diversas, e como ninguém fazia a que mais me interessava, lá me abalancei a questioná-lo sobre se, caso seja necessária uma vacinação massiva da população com uma terceira dose, estará disponível para voltar ao trabalho, e ajudar os portugueses. Sorriu, e respondeu que, como militar, terá de dizer que sim. Fiquei descansada, eu, e creio, quase 10 milhões de almas.
Encerrou o Web Summit o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. No Altice Arena, quase cheio, também foi recebido como uma estrela, e como tal falou, sendo interrompido por palmas várias vezes. Falou na alegria de estar novamente ali, na importância do evento, nos desafios que a humanidade enfrenta, e referiu a esperança, que em todos os momentos – e os últimos tempos têm sido difíceis – não nos pode abandonar. Um discurso curto, mas muito inspirador.
Com a multidão que se dirigia para a saída, pensei no privilégio que é poder fazer parte deste grande evento, muito mais do que tecnológico – é um evento de tendências, do futuro, de como as coisas vão ser, daquilo que (ainda) podemos fazer, e na conclusão inevitável que tirei de tudo o que ouvi – há tanto trabalho a fazer, em tantas áreas… mas o génio humano, a criatividade e capacidade de inovar estão tão presentes, e resultam tão evidentes neste evento, que, como dizia o nosso Presidente, há que ter esperança no futuro, esse futuro que todos desejamos para nós, mas sobretudo para os nossos filhos e netos — esse futuro que, mais do que nunca, está nas nossas mãos.
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