Texto de Paula Rios, jurista e profissional de seguros
Sempre acreditei que podemos conciliar as várias facetas da nossa vida – pessoal e professional, hobbies, cultura, desporto, etc, pelo que para mim o conceito de “conciliação” é algo muito natural.
Estranhamente, este não foi o caso das mulheres da minha família – enquanto que a minha avó era uma dona de casa tradicional, a minha mãe foi totalmente o contrário, muito focada e com paixão pela sua carreira de professora universitária. Quanto a mim, sempre quis juntar esses dois mundos, achando que poderia conciliar muito bem casamento e carreira. Quando decidi ter filhos, continuei determinada em encontrar um equilíbrio entre todas essas facetas da minha vida – porque todas faziam parte do meu projecto de vida.
Nunca senti que estivesse a sacrificar demasiado um aspecto em detrimento do outro – um dia abdicava de algo relacionado com a minha famiília em prol do trabalho, mas no seguinte colocava a família em primeiro lugar. Às vezes era difícil, como por exemplo no dia da minha primeira viagem de trabalho depois de ser mãe. Quando o meu filho mais velho tinha cerca de seis meses fui a Madrid por apenas um dia, mas ainda assim lembro-me de descer as escadas do prédio onde vivíamos e, ao olhar para trás – um milagre não ter caído! – e vê-lo ao colo da Nini (o “anjo da guarda” que está connosco desde sempre e que é como uma avó para eles), a acenar com a mãozinha rechonchuda, as lágrimas caíram-me pela cara abaixo. De outra vez foi a festa de Natal da escola e eu tinha uma reunião com o meu chefe dos Estados Unidos, que estava cá nesse dia. Embora eu o tivesse avisado com antecedência que tinha a festa e não poderia sair tarde e ele ter entendido a razão, havia imenso trânsito (Dezembro em Lisboa é o caos, como todos sabemos) e depois ainda tive de arrumar o carro ainda longe da escola, e subir a Alameda D. Afonso Henriques a correr como uma louca. Quando lá cheguei, esbaforida, o meu coração batia de tal forma que pensei que ia ter um ataque! A festa acabava de começar, e lá estava o meu filho no palco com os olhos a varrerem a audiência à minha procura. Acenei freneticamente e o sorriso de reconhecimento na cara dele compensou tudo. Nunca ele soube o quanto me tinha custado lá chegar.
Durante vários anos dei formação profissional em seguros, para além do meu trabalho em seguradoras. Foi algo que me deu muito prazer e invariavelmente ficava com uma excelente relação com os meus alunos, com quem depois me cruzava frequentemente. Como é natural, falávamos nos nossos filhos, e muitas vezes vinha à baila a difícil arte da conciliação entre uma carreira em ascensão e a vida familiar.
Recordo-me que no ano dos meus quarenta anos mudei de emprego e logo no primeiro dia encontrei lá uma antiga aluna. Saudámo-nos com alegria, e ela comentou-me que pensava muitas vezes em algo que eu lhe tinha dito há alguns anos, num encontro acidental na rua, umas semanas antes de ela se casar. Confessei que não me lembrava da conversa, e ela recordou-ma: “Na altura, partilhei consigo a minha apreensão sobre como iria conseguir conjugar o casamento e a maternidade com uma carreira ambiciosa, e a Paula disse-me algo que nunca esqueci. Disse-me ‘Tudo é conciliável – mas é preciso querer muito’”.
Eu ri-me. Respondi-lhe que ficava muito feliz por o meu lema de vida a ter inspirado – e que realmente acreditava nele. Foi algo que tentei pôr em prática – e acho que consegui – em cada dia da minha vida.
Sugeriu-me que escrevesse um livro sobre o tema, porque podia ajudar outras mulheres como a tinha ajudado a ela. Mas não escrevi, nem acho que valha a pena, porque sinceramente não acho que a minha experiência seja diferente da de milhões de outras mulheres – e, devo acrescentar, de um cada vez maior número de homens – que se levantam todas as manhãs, vestem e dão de comer aos filhos, os deixam na escola, vão para os seus trabalhos, muitas vezes exigentes, encaixam vários assuntos durante a hora do almoço, depois vão a correr buscar os filhos à escola (a menos que tenham a sorte de ter avós disponíveis para tal), vão para casa fazer o jantar, ajudam as crianças a fazer os trabalhos de casa, contam-lhes uma história antes de dormir e depois sucumbem, exaustas, em frente à televisão…como estas mulheres ainda conseguem encontrar tempo para algum momento romântico com os maridos ou companheiros e ir ao ginásio uma ou duas vezes por semana e aos incontornáveis cabeleireiro e manicure, não sei, mas de alguma forma conseguimos fazer tudo isto e sobreviver. Esta necessidade de conciliação gera frequentemente grande stress, mas o que as mulheres que conciliam tudo perderam em tempo e serenidade ganharam em independência, autonomia e relevância do seu papel na sociedade. Diria mais – em liberdade. Estas mulheres – nas quais obviamente estou incluída – têm trabalhos, carreiras, ganham o seu dinheiro e tomam decisões em casa…e quando o casamento não corresponde àquilo que elas acham que deve ser, pelo menos têm a opção de lhe pôr um fim, ao contrário das nossas avós e bisavós que muitas vezes tinham de suportar maridos violentos ou infiéis, ou casamentos sem amor simplesmente porque não tinham outra saída.
A vida não é fácil para as mulheres que conciliam tudo. Não temos tempo livre; vivemos cansadas, às vezes exaustas, quantas vezes sem energia; o que não daríamos muitas vezes por uma única noite completa de sono, ou por um dia em casa sem fazer absolutamente nada…mas depois, estamos viciadas nas nossas frenéticas agendas, nas nossas carteiras com documentos para ler no fim de semana, na nossa vida no escritório, nos nossos desafios diários no trabalho e sobretudo nas nossas conquistas profissionais! No entanto, não abdicamos de ser mães dedicadas para os nossos filhos, de ir às reuniões da escola e saber as datas exactas dos exames deles, ou de ter algum tempo para dedicar aos nossos pais já idosos; e ainda queremos fazer um programa a dois com os nossos maridos ou companheiros e encontrar-nos com as nossas amigas para ir às compras ou simplesmente para tomar um café e saber a última fofoca. Além de tudo isto, queremos ler, ir ao cinema, teatro, viajar – e temos de continuar a ir ao ginásio para nos mantermos em forma.
No fim do dia acaba por ser bastante simples – queremos ter tudo. Por isso conciliar não é realmente uma opção, mas algo de que precisamos para viver a vida que queremos viver. Como eu sempre fiz, como a minha colega faz, como as nossas vizinhas, colegas, amigas, a maior parte das mulheres faz. É algo que já faz parte da nossa natureza.
Curiosamente, e embora possamos apontar inúmeros exemplos, gostaria de referir aquela que provavelmente será a próxima Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que, depois de exercer medicina durante alguns anos, se dedicou à política, exercendo diversos cargos governamentais –e sendo mãe de sete filhos! Uma acérrima defensora dos direitos das mulheres e das crianças, é certamente um exemplo inspirador de capacidade de conciliação das várias vertentes da vida.
Uma palavra final para dizer que, felizmente, hoje em dia este já não é um tema só de mulheres. Muitos homens conciliam a família e carreira da melhor forma possível. E fazem-no por opção, não por imposição, porque já entenderam que conciliar as várias facetas das suas vidas lhes permite desfrutar de todas elas. Os “novos” homens, vários já da minha geração mas sobretudo os mais jovens, e os da geração dos meus filhos, são totalmente igualitários, pelo que para eles conciliar também surge como algo natural. Hoje, imaginar uma mulher a esfalfar-se na cozinha e com as crianças enquanto um homem lê o jornal na sala é algo que choca a maioria das pessoas. E assim tem de ser. Os homens de hoje viverão certamente mais cansados, mas também serão, certamente, melhores maridos, companheiros e pais – melhores pessoas. Seguramente mais envolvidos e completos, porque uma pessoa que concilia os vários aspectos da sua vida é, sem dúvida, uma pessoa mais rica. E não estou a falar de dinheiro, mas da satisfação que uma vida multifacetada nos traz, enquanto seres humanos.
Desde aqui deixo o meu muito obrigada à minha antiga aluna e colega – embora já o praticasse, foi ela que realmente me chamou a atenção para o facto de este ser o meu lema de vida. E continuará a ser. Depois de tantos anos, ainda quero ter tudo – só que o “tudo” já não é o mesmo. Posso querer outras coisas, ter outros objectivos, mas a frase é a mesma de sempre: “Tudo é conciliável”.