Os trade-offs num novo mundo normal

Análise de Catarina Gomes Mota a três situações em que se confrontam ideias e opções que refletem um novo modus operandi que irá enquadrar as decisões que todos nós pessoal, social e empresarialmente tomamos todos os dias.

Catarina Gomes Mota é gestora.

O nível de incerteza sobre qual será o formato da evolução e recuperação das economias, seja em U,V, W ou L, é elevado. Há muitos fatores determinantes dessa mesma evolução, desde fatores de saúde pública, passando pela investigação de vacinas e terapias até aos apoios e estímulos económicos dados pelos Governos. Mas também há várias decisões individuais que tomamos que, quando agregadas, podem produzir efeitos estruturantes no novo normal, pessoal, social e económico em que iremos viver.

A situação pandémica com que nos deparamos veio implementar uma nova realidade que todos desconhecíamos, mas sobretudo impactando, a um ponto que ninguém anteciparia, nas nossas rotinas e comportamentos. Nalguns casos, esta pandemia acelerou um novo contexto que as novas tecnologias já potenciavam, noutros trouxe uma nova realidade que mudou a nossa tomada de decisões. Nas linhas que se seguem ilustro com três exemplos, novas opções que passámos a considerar e que representam posições diferentes face a trade-offs que, do ponto de vista pessoal ou empresarial sempre tivemos pela frente, mas que conduzindo agora a decisões diferentes afetarão também de modo distinto a evolução da economia.

Repensamos as nossas prioridades relativamente ao fator localização da nossa habitação, passando agora a valorizar uma área mais ampla, de preferência com espaços ao ar livre, podendo usufruir mais do nosso lar e da envolvente.

Um primeiro exemplo foca o trade-off subjacente à escolha de uma casa, seja para arrendar ou comprar. Poderá estar à nossa frente a opção por uma casa ampla e espaçosa em detrimento de uma área bem localizada, de fácil acesso. Antes da situação pandémica, havia uma preferência generalizada por viver nos centros urbanos, nas chamadas localizações prime, perto dos nossos trabalhos ou das escolas dos filhos, porque as inúmeras deslocações diárias que fazíamos, o trânsito nas horas de ponta ou a vontade de estar próximos dos amigos e convívios proporcionados, assim o recomendavam em termos do que considerávamos ser uma melhor qualidade de vida. No entanto e depois de um período de isolamento e restritivo do convívio social e também após uma maior flexibilidade proporcionada por muitas empresas para se realizar o trabalho de modo remoto, repensamos as nossas prioridades relativamente ao fator localização da nossa habitação, passando agora a valorizar uma área mais ampla, de preferência com espaços ao ar livre, podendo usufruir mais do nosso lar e da envolvente. A visão sobre a nossa habitação terá mudado para muitos de nós e tal terá decerto um forte impacto no setor imobiliário e, por acréscimo na economia.

Critérios como a escala e custo que antes eram determinantes nas opções da localização da produção industrial estão a ser questionados.

Um segundo exemplo centra-se na escolha entre bens ou serviços made in Portugal, sobretudo de pequeno valor, e mais ligados às áreas de alimentação, vestuário e lazer, em detrimento de produtos vindos do estrangeiro. Do ponto de vista pessoal esta escolha pode ser alavancada por razões emocionais, de apoio por exemplo às empresas e produtores portugueses, mas também pode ser alavancada por razões de racionalidade empresarial, assentes na valorização da segurança e fiabilidade das cadeias de abastecimento que pela primeira vez em muitas décadas, com o encerramento de fronteiras e meios de transporte internacionais, foram colocadas em causa. Critérios como a escala e custo que antes eram determinantes nas opções da localização da produção industrial estão a ser questionados. Por outro lado, o encerramento temporário de fronteiras e as dificuldades nas cadeias de abastecimento geraram ondas de criatividade e sobretudo o “desenrasque” que tanto nos caracteriza para desenvolvermos produtos que passaram a ser escassos, nomeadamente no setor da saúde, e reinventarmos também novos serviços (por exemplo a nível de entregas ao domicílio). Estes movimentos e tendências certamente impactarão na evolução da economia.

Saber operar nos escritórios ou a partir de casa, reunir presencialmente ou virtualmente, conseguir circular em segurança dados entre colaboradores deslocalizados e assegurar a manutenção de níveis de satisfação e motivação positivos, tornaram-se fatores muito importantes.

Um terceiro e último exemplo, agora mais focado na dinâmica de funcionamento das empresas, situa-se ao nível da maior relevância que esta pandemia concedeu à dimensão da agilidade em detrimento de uma porventura excessiva predominância da racionalidade empresarial. A capacidade de adaptação a novas rotinas, layouts e formas de trabalho sem disrupção de atividades a outputs marca e cada vez mais marcará a capacidade competitiva de cada empresa. Saber operar nos escritórios ou a partir de casa, reunir presencialmente ou virtualmente, conseguir circular em segurança dados entre colaboradores deslocalizados e assegurar a manutenção de níveis de satisfação e motivação positivos, tornaram-se fatores muito importantes. E esta otimização da agilidade, enfrentando e adaptando-se a situações de avanço e retrocesso da envolvente sanitária, obriga a permanentes trade-offs nos processos de decisão, perdendo-se aqui e ali alguma produtividade e eficiência, trocada por maior segurança e por mais bem-estar, olhando-se de modo diferente quanto à organização e gestão do capital humano das organizações.

Estas ilustrações simples retratam situações em que se confrontam ideias e opções que poderão parecer óbvias, mas que refletem um novo modus operandi  que irá enquadrar as inúmeras decisões que todos nós pessoal, social e empresarialmente tomamos todos os dias, das mais insignificantes às mais importantes e que irão influenciar a configuração deste novo mundo normal.

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