Olga Martins: o “motor” da Lavradores de Feitoria

Olga Martins, CEO da Lavradores de Feitoria, conseguiu transformar um projeto que reúne vários empresários agrícolas com vinhas, numa empresa de sucesso.

Olga Martins, CEO da Lavradores da Feitoria.

O percurso de Olga Martins, 41 anos, CEO da Lavradores de Feitoria, é indissociável da empresa que dirige. O sucesso de um projeto difícil de resultar e ter êxito, que juntou empresários agrícolas com o mesmo fito –valorizar as suas uvas através de uma empresa produtora de vinhos do Douro que pertencesse a todos – pode parecer inesperado para quem está de fora. Mas no início do segundo milénio, a altura em que a empresa iniciou atividade, já era fácil fazer bons vinhos a partir de uvas de qualidade. O difícil foi começar a vendê-los, comunicá-los bem e manter todos unidos no objetivo comum. Foram esses alguns dos contributos de Olga Martins para o projeto, mas não só.

Vinhos com terroir

A Lavradores de Feitoria foi criada logo a seguir à passagem do milénio com o objetivo de valorizar as uvas da região duriense, produzindo e comercializando vinhos de qualidade, com expressão da região de origem. Gosta, em particular, de desenhar conceitos, histórias e vinhos, seja com o apoio do enólogo da empresa produtora de vinhos do Douro, Paulo Ruão, ou do marido, o enólogo Jorge Moreira, para os que produz na sua quinta. Sente-se bem a criar marcas e construir a melhor forma de as comunicar.

Quando se põe as mãos na massa, se prova e se sabe responder a uma pergunta mais técnica, é que se consegue fazer um bom trabalho.

Defende que só se consegue fazer bem, quando se está no negócio de forma transversal. “Quando se põe realmente as mãos na massa, se prova e se sabe o suficiente para responder quando alguém nos faz uma pergunta mais técnica, é que realmente se consegue fazer um bom trabalho”, explica.

Numa empresa onde cresceu profissionalmente e que cresceu consigo desde o início, esteve, desde logo, ligada à área comercial. Com 12 colaboradores permanentes e muitos eventuais, como a maior parte dos produtores, a Lavradores de Feitoria exporta hoje mais de 70% dos vinhos que coloca no mercado, desde bases de gama aos topos, 16 anos após ter sido fundada. Estados Unidos, Canadá, Brasil, Noruega, Polónia e Suíça são os principais destinos.

Pode considerar-se que o trabalho de Olga Martins e da equipa que gere deu frutos. Com uma faturação próxima dos dois milhões de euros, a empresa prepara-se agora para construir a sua adega, já que a maior parte dos vinhos têm sido produzidos em instalações alugadas em Sabrosa. Falta apenas alinhar o projeto com as regras comunitárias para investimento neste setor, que obrigam à aplicação de dinheiro também em equipamentos, algo que a empresa não necessita, pois tem toda a tecnologia que necessita para fazer o seu trabalho. Mas são pormenores que Olga Martins espera que se resolvam este ano, para que se dê mais um passo na senda deste empreendimento que começou como uma ideia de um conjunto de produtores do Douro.

Olga Martins com o portfolio da Lavradores da Feitoria.

Olga Martins com o portfolio da Lavradores de Feitoria.

A comenda

O trabalho efetuado não passou despercebido. Foi certamente a razão de ter sido condecorada, pelo anterior presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com o grau de Oficial da Ordem do Mérito Empresarial, Classe do Mérito Agrícola. Na cerimónia, que decorreu no Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, juntou-se a Dirk Niepoort que, para além da empresa familiar, a Niepoort Vinhos, é administrador da Lavradores de Feitoria, e foi o principal responsável por Olga Martins se ter juntado ao projeto. Foi sob a sua orientação que começou a desenvolver o departamento comercial da Lavradores de Feitoria. “Incentivou-me desde sempre e tem sido um grande apoio e, acima de tudo, amigo”, referiu Olga Martins nesse dia. A condecoração ocorreu um ano após ter sido eleita Executiva do Ano 2013, numa iniciativa promovida pela revista Máxima e pelo Jornal de Negócios. “Foi muito importante e vai marcar sempre a minha vida profissional”, salienta a entrevistada.

A paixão [pelo que se faz] é fundamental. Se não é uma grande seca e esse tédio e aborrecimento pode refletir-se em tudo o que fazemos.

Em tudo, seja vinhos, sapatos ou parafusos, uma pessoa tem de ter paixão pelo que faz para estar à frente de uma empresa. Tem de acordar com vontade de fazer, entusiasmar-se, tem de sentir aquela adrenalina de conseguir o negócio. Para Olga Martins, a paixão é fundamental. “Se não é uma grande seca e esse tédio e aborrecimento pode refletir-se em tudo o que fazemos”, explica. Para além disso, quem governa tem de saber sobretudo gerir pessoas, as suas sensibilidades, os seus afetos, as suas expectativas, “uma das coisas mais difíceis de fazer”, revela a CEO da Lavradores de Feitoria. Também a forma de “manter as pessoas motivadas e saber mostrar, a cada uma delas, desde o que corta as uvas ao que atende o telefone, que é importante para a empresa, e que cada vitória não é minha, ou do Paulo Ruão, mas de todos”.

Um telefonema não atendido pode ser um negócio perdido. É, por isso, que mesmo que esteja sobrecarregada de trabalho pára, por vezes, para tomar café e estar com a equipa. “Esse lado da gestão é muito importante”, afirma. Depois “é ter vontade e capacidade de aprender e estar atento ao que se passa à volta, e não achar que sabemos tudo porque chegamos ou ultrapassamos o objetivo”.

Motivação diária

Segundo Olga Martins, as empresas só conseguem evoluir e crescer se todas as suas pessoas se desafiarem diariamente e quiserem sempre mais. “Não é uma ambição desmedida que nos faça dar passos maus, mas uma quanto baste, que nos motive todos os dias”, explica.

Vindima de brancos.

Vindima de brancos.

O seu início no setor de vinhos foi um pouco diferente do habitual. Não era uma tradição de família, nem um sonho de criança. Olga Martins começou a sua licenciatura em Engenharia Química pela Universidade de Aveiro, mas depois decidiu especializar-se em enologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Conheço as vinhas, sei que plantas têm, quando é que vindimámos, quais os problemas que ocorreram em cada ano.

Após 16 anos do que considera como aprendizagem contínua, sobretudo na área da gestão, na empresa que gere, gosta de sentir que continua a fazê-lo num processo que nunca acaba. “A aprendizagem é um processo contínuo e os conhecimentos que adquirimos podem ser sempre utilizados, reutilizados ou readaptados a vida toda”, defende.

Por isso quer sempre saber o mais possível sobre o negócio. Quem são os concorrentes, que não são apenas os vinhos portugueses, mas os de todo o mundo, o que está na moda, o que as pessoas valorizam em termos de imagem, etc. “Isso é um aspeto do negócio”, explica. Outro é o conhecimento de toda a estrutura de preços de cada vinho que coloca no mercado, porque não adianta ter um bom produto e vendê-lo bem se não se ganhar dinheiro com isso.

É preciso manter um controlo apertado dos custos, mas também é necessário conhecer bem o produto que se está a vender. Sem se estar envolvido no que se faz não se consegue contar as boas histórias por detrás dos vinhos que lhes acrescentam mais valor. “Eu sinto-me muito confortável, porque conheço as vinhas, sei que plantas têm, quando é que vindimámos, quais os problemas que ocorreram em cada ano”, revela Olga Martins.

O seu conhecimento mais prático do campo começou enquanto tirava o curso e fez estágios de vindima na Quinta do Noval, empresa produtora de Vinhos do Porto que pertence ao Grupo Axa, em 1998 e 1999. Os responsáveis gostaram do trabalho e, em 2000, convidaram-na de novo, mas desta vez para estagiar em França durante quatro meses, em duas das empresas de vinho que este grupo possui no país, os Chateaux Pichon Baron e Cantenac Brown, na região de Bordéus.

Entretanto, tinha enviado um currículo para a Lavradores de Feitoria e fora também convidada para fazer um estágio de vindima no Douro. Como não podia estar em dois sítios em simultâneo, recusou.

Quando voltou de França começou a trabalhar na criação de conteúdos para um site de Vinho do Porto. E, “do nada, telefonaram-me da Lavradores da Feitoria a perguntar se estava disponível, pois queriam falar comigo”, conta. Os seus responsáveis estavam à procura de recém-licenciados. Como tinham boas referências suas pelo seu trabalho na Quinta do Noval, chamaram-na para uma entrevista.

Uma nega insólita

“Fui, lembro-me como se fosse hoje, ao Palácio de Mateus, onde falei com Fernando Albuquerque, o presidente da empresa, Paulo Osório, na altura o administrador delegado, e Dirk Niepoort”, conta Olga Martins. Quando lhe perguntaram qual era a sua experiência, respondeu-lhes com a verdade, que não era quase nenhuma. Mas a demonstração da sua paixão pelo vinho durante a entrevista motivou o convite para trabalhar na empresa.

[Os responsáveis da Lavradores de Feitoria] depositavam uma confiança em capacidades que eu nem sabia que tinha.

Ainda hoje não sabe porque respondeu negativamente. Talvez porque queria saber muito mais sobre o vinho e a forma de o fazer, talvez pela insegurança de quem está a começar e pensa que o passo proposto era maior do que as suas capacidades. Mas a história não acabou aqui.

Pouco depois de explicar, ao telefone, a uma mãe certamente atónita, a recusa do convite de trabalho, liga-lhe Dirk Niepoort a convidá-la para almoçar na sua Quinta de Nápoles, onde receberia a visita de alguns jornalistas, a pretexto que seria um bom momento de aprendizagem.

Quem o conhece há alguns anos, como eu, sabe do prazer que tem em provar e dar a provar vinhos, sempre com o intuito de aprender, conhecer e dar a conhecer. Foi o que aconteceu. “Provei muito e fiquei encantada”, diz espontaneamente Olga Martins.

Apercebendo-se disso, Dirk Niepoort convidou-a de novo para se juntar a ele para receber novas visitas. Depois de a ver provar outra série de vinhos com entusiasmo, insistiu de novo, já certamente ciente de que tinha ali a pessoa certa para o lugar certo: “Não queres trabalhar na Lavradores da Feitoria? Nós achamos que és a pessoa certa para o que queremos”. Ou seja, “eles depositavam uma confiança em capacidades que eu nem sabia que tinha”, revela a CEO da Lavradores de Feitoria. Mas parece que tinham razão, pois o percurso da empresa e da sua gestora até agora assim o demonstram.

Do acordo resultou que se dedicaria metade do tempo à comercialização de vinhos da empresa, a principal área a que se dedicou até hoje, e o restante à prova e feitura de vinhos. A verdade é que ninguém consegue vender bem sem conhecer a fundo o produto e forma de o fazer.

Encontrou uma garrafa de Lavradores de Feitoria num restaurante com três estrelas Michelin, em Nova Iorque, quando jantava com o marido.

Um dos primeiros desafios que teve foi mostrar o seu valor aos accionistas, e que iria dar tudo de si pela empresa. Sendo mais velhos, mais do Douro e tradicionais, viam-na mais como uma “menina” e não como uma profissional. “Ainda hoje alguns me tratam assim”, revela com serenidade. Com o passar do tempo, foi necessário enfrentar os desafios próprios de uma empresa com as características da Lavradores de Feitoria, com muitos accionistas, incluindo dezenas de pequenos investidores e lavradores, os fornecedores de uva para a empresa. Primeiro foi necessário mantê-los unidos ao projeto, antes de começar a dar resultados sólidos. “É difícil, para as pessoas que investem o seu dinheiro e as suas uvas, que produzem todos os anos e consideram quase como filhas, acreditar que um projecto deste tipo vai dar resultado”, explica Olga Martins. Mas depois veio a confirmação externa, com a consagração do Prémio de Produtor Ano pela Revista de Vinhos, em 2003.

Quinta da Estrada, um dos Associados da Lavradores de Feitoria.

Quinta da Estrada, um dos Associados da Lavradores de Feitoria.

Momento de viragem

“Foi o coroar de um trabalho duro iniciado dois anos antes, e que estava a ser muito questionado até aí”, explica Olga Martins, acrescentando que aquele foi o momento de viragem da empresa. A partir dessa data “as coisas começaram a correr muito bem e a acontecer com naturalidade”, conta.

Foi uma grande vitória, mas a responsável não descura também as pequenas. Sente-as em cada negócio que a sua empresa fecha após muito tempo de negociações. Vive-as quando encontra uma garrafa de Lavradores de Feitoria num lugar especial, como aconteceu num restaurante com três estrelas Michelin, em Nova Iorque, quando jantava a sós com o marido, Jorge Moreira. “Encheu-me de orgulho”, explica com emoção.

As uvas são pagas aos accionistas um pouco acima dos valores de mercado, mas nunca muito mais para manter a sustentabilidade do negócio.

A empresa que gere produz vinhos a partir de 19 quintas da região duriense, uma das quais da Lavradores da Feitoria e as outras dos seus associados. Tem uma equipa de viticultura que orienta o maneio das vinhas durante o ano, para produzir a fruta com as características e qualidade necessária aos objectivos da empresa.

Os preços pagos pelas uvas são definidos em assembleia de accionistas e têm em conta diversos fatores. Um deles é o mercado. É verdade que a empresa foi criada para valorizar as uvas do Douro. Isso significa que as que compra aos seus accionistas são pagas um pouco acima do valor de mercado em cada vindima. Mas nunca muito mais, para manter a sustentabilidade do negócio e a possibilidade de fazer investimentos.

A unidade principal da empresa de transformação de uva em vinho é alugada e fica em Sabrosa. Mas “está a atingir o limite de capacidade”, diz Olga Martins. Por isso, a empresa prepara-se para investir numa nova adega. Os vinhos brancos são fermentados no Palácio de Mateus, em Vila Real, um dos associados da Lavradores de Feitoria. A principal razão é ser esta a zona onde se situa a maior mancha de vinha de uvas brancas da região duriense. Fazemo-lo lá para as uvas viajarem o menos possível entre a vinha e a adega”, explica a CEO da Lavradores de Feitoria.

A nova adega

O projeto de construção de uma nova adega da empresa já existe, mas a sua execução terá de ser um processo calmo, sem sobressaltos financeiros. “Não vale a pena passar de um T2 para um T5 se não o podemos pagar”, defende Olga Martins, explicando que, nas novas instalações, serão albergados os escritórios, adega, zona de estágio, engarrafamento, armazém de produto acabado e zona de expedição da empresa.

A concretização deverá iniciar-se em 2017, mas tudo depende dos investimentos e das ajudas financeiras comunitárias associadas, que não podem ser todos aplicados na construção, o que dificulta o processo, pois a Lavradores de Feitoria já possui todos os equipamentos necessários. “Se fizéssemos um projeto só com a adega, não seria aprovado, por causa desse rácio”, explica a gestora.

A empresa tem um portefólio alargado de vinhos que vai das entradas de gama a topos, que “representam bem a região, aquilo que ela pode fazer”, defende Olga Martins. “E continuamos a ser muito como foi a nossa génese, que foi juntar uvas de bons produtores, para transformar em vinhos de grande qualidade, bem adequados ao seu preço e em todos os segmentos do mercado”, acrescenta. Por fim, afirma que a empresa que gere pretende essencialmente que os consumidores de Lavradores da Feitoria saibam que o preço de cada garrafa que a empresa coloca no mercado é justo, custe cinco euros ou cinquenta. “E que têm um bom vinho”, termina.

O VINHO DA OLGA

Apesar de gostar e estar, desde há muito, ligada à criação de vinhos, ninguém, a não ser os que estão mais próximos de Olga Martins, sabe quanto de si está na feitura de cada vinho, tanto da Lavradores de Feitoria como da Quinta da Poeira (a propriedade que tem com o marido). Por isso é natural que quando esta manifestou a vontade de fazer vinho de uma determinada parcela de vinha da Quinta da Poeira, que crê com potencial para produzir um produto distinto, Jorge Moreira, o marido, a apoiasse. Entusiasmado com o propósito e munido com aquilo que costumo designar de espírito de engenheiro, que nos diz que os projetos são para serem feitos e terminados, comprou-lhe, como surpresa, o equipamento que precisava para o empreendimento durante uma viagem a Bordéus no ano passado. “Ele incentivou-me a fazê-lo deste que lhe comuniquei a ideia e decidi avançar na colheita de 2016”, diz Olga Martins.

Olga Martins e o marido, o enólogo Jorge Moreira.

Olga Martins e o marido, o enólogo Jorge Moreira, são proprietários da Quinta da Poeira. (Fotografia: O Revelador)

Não sabe se será desta, pois é preciso esperar e avaliar a sua evolução, nem quando vai ser lançado este vinho com marca do terroir. A prova irá certamente decidir o destino de algo que ainda não tem nome. Por enquanto é apenas o Vinho da Olga.

 

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