Figura incontornável da política francesa e europeia, sobrevivente e testemunha do Holocausto, defensora dos direitos femininos e da emancipação da mulher, Simone Veil morreu na manhã desta sexta-feira, dia 30, na sua casa de Paris. Completaria 90 anos no próximo dia 13 de julho. Destacou-se durante as décadas de 70, 80 e 90 pela sua presença política, enquanto ministra — é pela sua mão que o aborto é despenalizado em França, em 1975 — e, a nível internacional, por ter sido a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu.
A mais nova de quatro irmãos, nasceu em 1927 numa família de judeus não praticantes de Nice. O pai, André Jacob era um arquiteto premiado e a mãe abandonara os estudos superiores de Química para se dedicar à família.
Em 1944 toda a família é presa pelos nazis: o pai e o irmão são deportados para a Lituânia — nunca mais os voltaria a ver — e Simone é enviada com a irmã e a mãe para Auschwitz. Nove meses depois, são transferidas para Bergen-Belsen naquela que viria a ser conhecida pela “Marcha da Morte”, em que 40 mil presos seriam obrigados a marchar por 70 km na neve e à mercê de um frio polar.
A mãe viria a morrer de tifo, um mês antes das tropas inglesas entrarem no campo de concentração, em 1945. Simone e as irmãs, uma das quais membro da Resistência, serão as únicas sobreviventes. A experiência do Holocausto viria a marcar profundamente o resto da sua vida e memórias. “Era protegida por uma das chefes das guardas, que disse ‘és bonita demais para morrer aqui’ e enviou-me a mim, à minha mãe e irmã para um campo vizinho, com um regime menos duro”, cita o Liberatión, recordando as palavras da estadista.
Depois da libertação estuda Direito e Ciência Política em Paris e é na faculdade que conhece aquele que será o seu futuro marido, Antoine Veil. Casa aos 19 e no ano seguinte tem o primeiro filho; vêm a nascer mais 2 rapazes. A experiência conjugal confronta-a com uma visão mais tradicionalista do papel da mulher, inicialmente defendida pelo marido: ela em casa, ele na vida profissional. Simone termina os estudos, bate-se ferozmente pelo direito a ter uma profissão e contra os cânones do tempo em que uma mulher de boas famílias não trabalhava fora de casa. Acaba por conseguir entrar na magistratura.
Vida política
O ano de 1969 marca a sua entrada na política, no gabinete de René Pleven, Ministro da Justiça no governo de Jacques Chaban-Delmas. Chega a Ministra da Saúde em 1974, depois de Giscard d’Estaing ser eleito Presidente da República. Dá prioridade a medidas de promoção do planeamento familiar e começa a preparar o projeto de lei da despenalização do aborto, que entra em vigor no ano seguinte. Este último faz crescer a sua popularidade entre os setores mais progressistas da sociedade francesa, mas também lhe traz inimigos e dissabores: chega a receber cartas anónimas onde comparam a morte de fetos em gestação ao Holocausto.
A pedido de Giscard d’Estaing, abandona o governo em 1979 para liderar a lista do partido UDF às eleições europeias. Torna-se então a primeira mulher a presidir o Parlamento Europeu, mandato que cumpre até 1982. Sobre ela e esse período, viria a dizer Jacques Delors: “Vivemos na infância de uma Europa entusiasta. Durante a sua presidência, Simone Veil demonstrou uma qualidade rara: o discernimento.” O projeto político de uma Europa unida é um dos ideais que mais defende. “Ao longo do séc. XX, por duas vezes a Europa envolveu o mundo inteiro na guerra. Doravante, deve encarnar a paz”, uma frase que repetiria várias vezes, recordada pelo Libération.
Entre 1993 e 1995, durante o governo de Édouard Balladur, assume as pastas de Ministra dos Assuntos Sociais e da Cidade e Ministra de Estado. Três anos mais tarde é nomeada para o Conselho Constitucional de França, onde viria a manter-se até março de 2007. Esse é o ano em que abandona também a presidência da Fundação para a Memória da Shoah.
Em 2005 foi lhe atribuído o Prémio Príncipe das Astúrias para a Cooperação internacional.
Em 2007 publica também a sua autobiografia, com um título que pede “emprestado” a Guy de Maupassant, “Uma Vida”, traduzido em mais de 15 línguas e que vende mais de meio milhão de exemplares, segundo o jornal Le Parisién. Março de 2010 consagra a sua entrada na prestigiada Academia Francesa, tornando-se na sexta mulher a conseguir essa rara distinção desde que a instituição foi criada, em 1635.
