O advento da era tecnológica e digital trouxe para a agenda das empresas a importância da proteção da informação, segredos comerciais e outros ativos intangíveis, que se tornaram, em alguns casos, verdadeiros fatores de diferenciação face à concorrência, e de real valor acrescentado para os acionistas. Muito recentemente, o novo Código da Propriedade Industrial (Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, que transpôs a Diretiva (EU) 2016/943 do PE e do CE, de 8 de Junho), veio autonomizar a proteção dos segredos comerciais, atribuindo-lhes um enquadramento legal específico e mostrando, assim, a crescente relevância do tema. Justifica-se, pois, neste contexto, revisitar a matéria dos pactos de não concorrência, seja na perspetiva laboral, como na dos administradores.
O direito ao trabalho, à liberdade de escolha de profissão e à iniciativa económica são direitos fundamentais, com consagração respetiva nos artigos 58.º, 47.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Tais direitos não podem ser livremente restringidos.
Os pactos de não concorrência têm o objetivo de servir o interesse do empregador. Visam impedir o prejuízo decorrente da concorrência diferencial do trabalhador que, ao sair da empresa, pela qualidade e especificidade das funções que exerce, pode arrastar consigo uma parte substancial da clientela ou divulgar segredos de negócio ou informações confidenciais, com grande potencial de perigosidade para os interesses da empresa.
Mesmo na ausência de pacto, a violação do segredo comercial é um ato ilícito, punido com coimas consideráveis
De notar que, mesmo na ausência de pacto, a violação do segredo comercial é um ato ilícito, punido com coimas consideráveis e tipificadas, atualmente distintas das aplicáveis à concorrência desleal, em face da tutela acrescida do novo Código da Propriedade Industrial. No entanto, já em 2011, e ainda antes, os tribunais superiores entendiam que se o trabalhador “ao invés de se aproveitar desses conhecimentos, pratica atos de concorrência desleal ou viola segredos que não poderia divulgar, então não estamos perante o exercício de um direito, mas de uma ilegalidade punida criminalmente”. (Tribunal da Relação do Porto)
Admissibilidade
O pacto de não concorrência impede o exercício livre de uma atividade profissional e depende sempre da anuência expressa e escrita do trabalhador. O artigo 136.º do Código do Trabalho refere expressamente que é lícito o pacto de não concorrência que “conste de acordo escrito, nomeadamente, de contrato de trabalho ou revogação deste”.
No que respeita o administrador, pode discutir-se da necessidade de forma escrita para o pacto de não concorrência celebrado com a empresa que representa. Pode, aliás, discutir-se até da admissibilidade do pacto em si, com produção de efeitos pós-mandato, já que o Código das Sociedades Comerciais não se pronuncia quanto a esta matéria.
No entanto, é indiscutível que os fundamentos de admissibilidade do pacto de não concorrência no contrato de trabalho são igualmente válidos no âmbito desta relação de representação, porque, também nesta situação, se poderá verificar o prejuízo decorrente da concorrência diferencial. Assim, nestes casos, apesar de não existir uma norma específica que torne lícito o pacto de não concorrência, sempre se dirá que o mesmo será admitido desde que exista consentimento do administrador em causa, e desde que não contrarie valores de moralidade, proporcionalidade, adequabilidade, justiça e segurança.
Justificação
O pacto de não concorrência deve sempre ser proporcional e justificado, sob pena de nulidade. É necessário demonstrar, de forma clara e inequívoca, que os conhecimentos específicos do trabalhador ou do administrador, obtidos em razão das suas funções, colocam efetivamente em perigo a atividade da empresa e que apenas a cláusula de não concorrência é apta a evitar a verificação do dano daí proveniente.
Neste sentido, o direito ao trabalho só poderá ser limitado na estrita medida da necessidade de proteção dos interesses específicos da empresa, e o respetivo pacto só será válido na parte que for imprescindível para garantir os mesmos.
Pode a entidade empregadora renunciar ao pacto de não concorrência? E relegar para o fim do contrato a possibilidade de tal escolha? Esta questão foi amplamente debatida, tendo os tribunais superiores entendido que “A nossa lei (…) não atribui ao empregador a possibilidade de renunciar a uma cláusula de não concorrência que tenha sido introduzida no contrato de trabalho, devendo mesmo considerar-se nulo o mecanismo contratual que consiste em inserir um pacto de não concorrência no contrato de trabalho, mas acompanhá-lo, da previsão da possibilidade de o empregador denunciar pacto até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em um período de tempo, mais ou menos curto, após esse momento ou de o empregador poder optar pela cláusula de não concorrência no momento da cessação do contrato …”
Duração
O Código do Trabalho considera lícita a limitação da atividade do trabalhador por um período máximo de 2 anos; ou 3, se implicar uma especial relação de confiança ou o acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência.
A questão mais controversa que se coloca neste aspeto será quanto ao período de limitação aceitável fora do âmbito de um contrato de trabalho ou numa outra relação jurídica cuja legislação especificamente aplicável nada diga. Neste caso, o que tem vindo a ser defendido é a aplicação das regras gerais resultantes do Código Civil, que preveem a liberdade contratual, atribuindo às partes a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, limitado por critérios de boa-fé, adequação, proporcionalidade e equidade.
Compensação
O direito ao trabalho e à iniciativa privada só podem ser limitados se for atribuída, em contrapartida, uma compensação justa e adequada para o seu titular, sob pena de nulidade do pacto restritivo.
No âmbito da relação laboral, o pacto de não concorrência tem caráter oneroso obrigatório. O montante justo e adequado será aquele que tiver em conta determinados critérios, tais como o valor da retribuição auferida aquando da vigência do vínculo profissional, a atividade até então exercida, o período de inibição e a perigosidade efetiva do exercício da atividade profissional.
Os nossos tribunais têm procurado densificar esses mesmos critérios, reduzindo a incerteza e fixando limites mínimos de retribuição. Por exemplo, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se no sentido de considerar a nulidade da cláusula de não concorrência (por desadequada e desproporcional), que previa uma compensação correspondente a cerca de 11% do rendimento anual auferido pelo trabalhador, quantia essa que seria paga no prazo de um ano.
Num mundo em mudança e em que a informação passou a ser o novo “ouro negro”, a proteção de segredos comerciais assume, cada vez mais, um papel reconhecidamente crítico, com implicações importantes nas relações laborais e na tutela dos interesses empresariais. O crescente empenho das instituições comunitárias e nacionais na proteção autónoma e eficaz dos segredos comerciais é reveladora disso mesmo. Por esta razão, é expectável que os pactos de não concorrência e as cláusulas de confidencialidade venham a assumir uma função (ainda mais) determinante nas relações profissionais, admitindo-se a sua flexibilização, em contrapartida de uma maior exigência na compensação atribuída ao colaborador.