Tem 35 anos, é Truly Human Digital Innovation Manager na Accenture e nos últimos anos são vários os projetos inovadores em que se tem envolvido para marcar a diferença no dia a dia dos outros colaboradores da sua organização. Há cinco anos que Maria Daniel Brás ocupa esta função internacional, mas ninguém da sua equipa está em Portugal e o seu posto de trabalho é em casa.
A sua maior ambição profissional é ter um impacto positivo e transformador na forma como os quase 400 mil colaboradores da Accenture vivem e trabalham e nos últimos anos é nisso que se tem empenhado. Adora o que faz, mas uma das suas prioridades é não esquecer tudo o resto que também a apaixona além do trabalho, como as viagens, os animais, o contacto com a natureza, o design, a arquitetura e a fotografia. Para isso precisa essencialmente de se organizar melhor para ter mais tempo para si, uma das preocupações típicas da geração Millennial, de que faz parte. Chama-lhe a geração always on, que vive a alta velocidade e por isso é mais impaciente mas também mais flexível, características que acredita fazerem dela a geração mais bem preparada para encontrar novas soluções para o mundo. E é isso que Maria Brás procura fazer no dia a dia.
Em oito anos anos na Accenture qual o momento de que mais se orgulha?
Creio que, felizmente, tive vários momentos de orgulho. Desde ter sido selecionada para a função internacional há mais de cinco anos e a partir daí ter tido a oportunidade de criar de raiz e implementar de forma totalmente autónoma vários projetos líderes de mercado a nível mundial (como uma plataforma de crowdsourcing que permitiu ouvir os colaboradores em tempo real, partilhar ideias e implementar as melhores na empresa; ou, mais recentemente, utilizar inteligência artificial para melhorar a experiência dos colaboradores na empresa através de recomendações de carreira hiperpersonalizadas), como também ter sido selecionada para programas de liderança de topo. No entanto, creio que um dos momentos mais significativos ocorreu através de um ato aleatório de bondade quando uma mãe da Accenture India partilhou comigo que tinha o filho doente com cancro e que só queria estar ao pé dele o tempo todo. Eu partilhei a história dela nas redes sociais internas da empresa e, num espaço de uma hora, tivemos centenas de pessoas de várias partes do mundo a doar horas para um programa de work/life balance que permite aos colaboradores acumular horas de descanso. Essa mãe conseguiu o suficiente para estar com o filho três meses a tempo inteiro, e eu fiquei rendida ao poder da compaixão e da nossa verdadeira one global network.
Acredito que é possível criar uma sociedade em que todos saiam a ganhar.
Quais os desafios que um cargo internacional lhe colocou?
Trabalhar com pessoas de todo o mundo é muito desafiante, mas muito estimulante também. Tive que conhecer e aprender a interagir com as diferentes culturas (neste momento conheço pessoas de mais de 60 países), a gerir bem o tempo e as equipas para que sejamos mais eficazes através das diferentes time zones e basicamente apenas a interagir com pessoas através de meios digitais. Ninguém da minha equipa está em Portugal por isso gerimos todo o trabalho a partir do computador. Em termos de trabalho a função internacional abriu-me a possibilidade de fazer trabalho estratégico, que adoro, tendo acesso a tudo o que de novidade há no mercado mundial.
O que a motiva diariamente?
A novidade, ter experiências novas, aprender coisas novas. Descobrir novas tecnologias e dar-lhes um uso diferente do habitual, com um propósito maior. Motivam-me coisas bonitas. Motiva-me tentar ser uma pessoa melhor todos os dias e fazer o que puder para ajudar as pessoas, os animais e o planeta.
Qual a sua maior ambição profissional?
A minha ambição é ter um impacto positivo e transformador na forma como as quase 400 mil pessoas que trabalham para a Accenture vivem e trabalham, para que depois espalhem a outras uma mensagem de maior consciência e nova forma de estar no mundo. Eu acredito genuinamente que é possível criar uma sociedade em que todos saiam a ganhar: colaboradores, empresa, shareholders, consumidores e todo o planeta. Precisamos de uma forma diferente de fazer negócio e empresas como a Accenture têm a oportunidade de serem essenciais para este tipo de transformação que cria resultados que todos querem.
O que tem em conta para construir uma carreira sólida?
Mais do que o foco na carreira, eu tenho-me focado no meu desenvolvimento e crescimento pessoal. Práticas como meditação, ter uma alimentação consciente e vegetariana, ter um estilo de vida saudável, ajudam-me a ter o balanço que preciso para tomar boas decisões. Sou também movida por uma necessidade contínua de aprendizagem e isso tem-me dado a possibilidade de me adaptar aos diferentes desafios que a vida me tem colocado. Tenho também muito claro quais são os meus valores e não me desvio deles. Acima de tudo, aproveito o que a vida me oferece e apenas posso estar grata pelo caminho.
Creio que a geração Millennial valoriza muito mais as experiências e trabalhar com paixão do que o estatuto e a estabilidade.
Como consegue o equilíbrio entre vida pessoal e profissional?
O facto de trabalhar a partir de casa ajuda bastante. Apesar de trabalhar agora mais horas do que quando tinha que ir para a sede (agora já estou no “escritório” e tenho que gerir também os diferentes fusos horários com que trabalho), canso-me muito menos. Uma vez que sou uma introvert, significa que produzo muito mais e com menos esforço em ambientes calmos e silenciosos como é a minha casa. A minha função foi uma correspondência perfeita com a minha personalidade. Estabelecer limites e combater a cultura always on é o meu maior desafio, mas apenas eu posso resolver esta questão. Comuniquei claramente à minha equipa a que horas podem esperar que esteja conectada e opto por desligar o computador e o telemóvel a partir de certa hora. Práticas como a meditação, não ver televisão ou não perder muito tempo nas redes sociais ajudam também a ter a sensação de que há tempo para tudo.
Este equilíbrio é uma característica da geração Millennial. Que outras particularidades vos distinguem da geração anterior?
Creio que a geração Millennial valoriza muito mais as experiências e trabalhar com paixão do que o estatuto e a estabilidade. É muito mais importante divertirmo-nos com a viagem, do que o destino final porque sabemos que não conseguimos controlar o futuro. Já não há empregos para a vida e um certificado de uma universidade já não é garantia de emprego. O mundo está em constante mudança e devido ao acesso à tecnologia, sabemos isso melhor do que ninguém.
Ao contrário da geração X, a aprendizagem nem sempre vem da formação académica, mas do digital, do coletivo, do empreendedorismo. Vemos as relações de igual para igual (e não hierárquicas) pois todos temos capacidade de partilhar conhecimento.
Somos a geração always on, o que nos torna impacientes devido à velocidade com que nos conectamos com o mundo. Mas essa impaciência e flexibilidade permite-nos ser talvez a geração mais bem preparada para encontrar novas soluções para o mundo.
Estamos constantemente a tentar ser uma versão melhor de nós próprios e à procura de melhores soluções para o mundo. E vamos conseguir.
Quais são os pontos fortes da geração Millennial?
O conhecimento tecnológico e o facto de estarmos conectados com o mundo. Nós crescemos num mundo globalizado e mobile. Estamos confortáveis com a tecnologia, a diversidade faz parte do dia-a-dia, e toda esta informação levou a uma maior tolerância, open mindset e colaboração.
A paixão pela inovação, criatividade e a necessidade constante de mudança levam a que se desafie o status quo, trazendo novas e melhores maneiras de se fazerem as coisas. A necessidade de ter impacto e fazer a diferença. Propósito é tudo. Estamos constantemente a tentar ser uma versão melhor de nós próprios e à procura de melhores soluções para o mundo. E vamos conseguir.
O que mais valorizam no local de trabalho?
Creio que a geração Millennial valoriza muito o respeito, ambientes de trabalho com espírito inovador e empreendedor, ambientes colaborativos em que todos podem contribuir para tornar algo melhor. Valoriza também o feedback frequente, para que saibamos o que estamos a fazer bem e em que podemos melhorar, e a flexibilidade. O “local de trabalho” já não significa necessariamente “escritório” e já não faz sentido ter que ficar no escritório a cumprir horário se as tarefas do dia já foram terminadas (até porque há muitos outros dias em que se pode ficar a trabalhar até mais tarde). É importante o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido e o contributo para o bem maior – sentir que o trabalho que desenvolvemos vale a pena.
Os millennials querem crescer a nível pessoal e profissional, mesmo que isso signifique crescer “para fora” da empresa.
Onde falham ainda as empresas na relação com os millennials?
Pessoalmente, observo que em muitas empresas ainda há um conflito grande de gerações. A geração X (nascida entre o início dos anos 1960 e finais de 1970 do século XX) não entende totalmente a geração Y (nascida nos anos 80 e 90 do século passado) e possivelmente vice-versa, e isso traz vários problemas de comunicação e estratégia. A geração Y (millennials) vai naturalmente exigir uma forma diferente de fazer as coisas e muitas empresas poderão ter problemas de adaptação à mudança. É preciso perceber que os millennials querem crescer pessoal e profissionalmente, mesmo que isso signifique crescer “para fora” da empresa. Se uma empresa não for atrativa para um millennial, poderá ter dificuldade em reter ou recrutar talento.
O outro grande ponto em que me parece haver falhas na relação com os millennial é a questão do alinhamento no propósito. É importante que as organizações comuniquem de forma clara e frequente qual o seu propósito e contributo para o mundo, mas também ajudar cada colaborador a perceber especificamente qual é o contributo e impacto da tarefa que têm em mãos ou da função que desempenham para essa visão e propósito. A geração Y quer sentir que as suas vidas e o que fazem significam algo e os líderes podem ter um papel muito importante para esta perceção.
De que forma tem ajudado a Accenture a lidar com a sua geração?
Tenho tido a oportunidade de desenvolver vários projetos que aproximam as diferentes gerações. Um dos programas, por exemplo, consistia em aproximar líderes de topo e as suas equipas ao juntá-los para discutir temas de employee experience numa plataforma de crowdsourcing (online). Todas as pessoas podiam participar na discussão de um tema, gerar ideias e votar nas melhores para que fossem implementadas na empresa. Como parte do processo oferecíamos mentoring à equipa de liderança para que adotassem sem reservas a utilização de social media. Este projeto respondia a muitas das necessidades da geração Y tais como a igualdade e democracia, a criatividade, a inovação, a colaboração e o uso da tecnologia e permitia às pessoas serem ouvidas.
Os millennials querem um estilo de gestão e cultura que responda às suas necessidades.
Já desenhei e implementei várias plataformas de reconhecimento, todas com uma componente de social media incorporada. O reconhecimento torna-se um ato social e público para quem assim prefere.
Tenho-me também dedicado a criar experiências hiperpersonalizadas para os colaboradores. Indo mais além do que responder às necessidades de uma geração, tentamos responder às necessidades de cada indivíduo (estamos a falar de uma empresa com quase 400 mil pessoas). Um dos programas é uma plataforma de recomendações alimentada por inteligência artificial para dar recomendações personalizadas de carreira a cada colaborador: oportunidades de projetos, formação, voluntariado, eventos, networking, coaching, etc., tudo à distância de um clique e com opção de interação apenas virtual (normalmente a preferência da geração Y) ou combinada com interação humana.
Os colaboradores (utilizadores finais das plataformas) participam sempre no processo de desenho e teste de todos os programas para que o que implementemos seja significativo para eles.
O que poderão os millennials mudar nas empresas?
Os millennials já estão a desafiar o status quo em relação às regras de gestão tradicionais. Querem um estilo de gestão e cultura organizacional que é bastante diferenciada do que existiu até aqui, algo que responda às suas necessidades. Por exemplo, novos modelos hierárquicos (creio que a maioria preferiria referir-se à sua organização como um “círculo” onde a autoridade, a informação, a tomada de decisões e até as recompensas são partilhadas), espaços de trabalho colaborativos dentro ou fora da empresa (por exemplo, espaços de cowork), feedback em tempo real e conversas autênticas, práticas de trabalho flexível, novas formas de trabalho que permitem rápida progressão de carreira baseada em experiências (por exemplo, trabalho por projetos, aumento de freelancers, automatização de tarefas por máquinas, etc.), entre outras.
O que importa é: qual é o meu próximo projeto em que posso aprender e ter impacto? Os millennial pretendem utilizar cada vez mais as empresas como uma forma de obter as skills que consideram importantes e utilizar no próximo projeto, dentro ou fora dessa empresa.
Construir culturas de propósito, centradas nos colaboradores e que juntem tecnologia, funcionalidade e empowerment, será uma prioridade para quem pretende atrair estes colaboradores. Envolver os millennial para desenhar estas experiências é a resposta.
Que conselho deixaria a um jovem trainee?
Não deixes de ser quem és, segue a tua paixão e lembra-te sempre: “Attitudes are contagious. Are yours worth catching?”