José António de Sousa: Maldita pandemia!

José António de Sousa critica a forma como as autoridades combatem a pandemia, exceção feita para Angela Merkel, e como este vírus vira a nossa vida ao contrário. Mas não deixa de se manter otimista.

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.

 

A pandemia anda desatada, o vírus vai mutando, e as novas estirpes parecem ser bem mais agressivas em termos de transmissibilidade. Consequentemente as liberdades acrescidas tomadas durante as épocas festivas, sobretudo no Natal, não deixaram de ter consequências. O aumento do número de casos está a ser catastrófico, e os nossos hospitais públicos estão novamente em ponto de ruptura. Aquilo que mais nos deve indignar é a forma irresponsável como a crise tem sido gerida, subordinada a interesses políticos, e não tendo como única preocupação o controle da pandemia, a proteção dos nossos heróicos médicos e enfermeiros, novamente à beira de um esgotamento, e a minimização dos danos sanitários (e das mortes) para a população.

Angela Merkel, fez um discurso notável antes do Natal (disponível no Youtube) dizendo a verdade às pessoas. Que refrescante é ver uma pessoa honesta a falar com a verdade na boca, e não com o contorcionismo e o tacticismo politico que se estila cá pelo burgo.

Uma das mulheres mais admiráveis que a Europa viu nascer no pós-II Guerra Mundial, Angela Merkel, fez um discurso notável antes do Natal (disponível no Youtube) dizendo a verdade às pessoas. Que refrescante é ver uma pessoa honesta a falar com a verdade na boca, e não com o contorcionismo e o tacticismo politico que se estila cá pelo burgo. Disse Merkel que era com o coração partido que tomava duras medidas. Não iria facilitar o mais mínimo em termos da imposição de regras duras de confinamento durante a época pre-natalina (não permitiu por exemplo que os mercados e feiras de Natal, uma tradição centenária na Alemanha, com forte impacto económico para milhares de famílias, abrissem) e durante o Natal e o Ano Novo, porque não era humanamente aceitável que estivessem a morrer 590 pessoas por dia, e não se actuasse com contundência para impedir que a situação se agravasse. Como ela disse, haverá outros Natais, e queremos que cheguem muitas pessoas vivas aos próximos. As duras decisões foram tomadas sem qualquer contemplação de interesse político. Teria sido muito mais popular deixar os mercados natalícios funcionarem, e a Alemanha estaria hoje numa situação similar à que nós temos, com as urgências dos hospitais a entrar em colapso.

Escrevo estas linhas no dia em que arranca um novo confinamento nacional duro, e com consequências agravadas em termos económicos para muitos negócios (restaurantes, alojamento local e hotelaria, cafés e bares, discotecas e espetáculos culturais, etc.) de que dependem milhares de famílias, e que agora, depois de estarem já há alguns meses a recuperar lentamente do anterior lock-down, se vêem novamente obrigados a fechar portas, em muitos casos para já não abrir novamente.

Sou por via de regra um otimista incorrigível. Assisti a todas as manifestações eufóricas e esperançosas durante a passagem de ano, em que um pouco por todo o mundo as populações em êxtase declaravam que se estava a “enterrar” um ano catastrófico, que certamente não se repetiria. Mas a minha costela otimista não se deixou levar pela orgia coletiva, prevaleceu o realismo na avaliação que faço daquilo que nos espera em 2021. Vai ser um ano tão mau ou pior do que 2020. As vacinas irão permitir o desanuviamento muito gradual das regras de confinamento, mas um verdadeiro impacto positivo só será atingido muito provavelmente lá para o fim do ano. Até lá só nos espera ter paciência, e preservar a nossa integridade física, e a dos que nos rodeiam.

A minha recomendação para que ninguém tenha que passar por este viacrucis em que me encontro, é que façam tudo ao vosso alcance para se protegerem, e proteger quem vos rodeia.

No dia 11 fui fazer um teste (fiz em dose dupla, o rápido e o PCR) por minha conta, porque me sentia febril desde o dia 9. Testei positivo ao covid-19. A sensação é esmagadora, porque aquilo que ouvimos é ainda tão contraditório que fica difícil não ficar arrasado à espera daquilo que o virus nos reserva em termos de sintomas e de consequências para a saúde. Tal como em mais de 90 0/0 dos casos, também não faço a mínima ideia onde poderei ter sido infetado. Desde meados de Dezembro, em que a minha filha mais velha chegou do México para passar o Natal (foi a primeira vez na minha vida que não fui ao Porto passar o Natal e Ano Novo, este ano ficámos os 4 no recato do lar em Miraflores), que temos andando os 4 juntos sem grande exposição a aglomerações de qualquer tipo, e sem qualquer tipo de convívio com pessoas de fora do nosso circulo familiar. Felizmente as minhas três damas testaram negativo.

Estou agora no confinamento e isolamento profilático, uma sensação desgarradora que nos põe a pensar na vida, nas suas prioridades, e no efémera que ela é. A minha evolução está a ser lenta (não tenho qualquer dos sintomas habituais associados ao vírus, só febre), os dias passam fechado entre quatro paredes (deu para avançar bem na leitura da biografia política do Barack Obama, um calhamaço de 800 páginas que se agradece ter ao lado em momentos assim), e o que mais nos custa é o distanciamento dos nossos seres queridos. Que, querendo ou não, olham para nos de viés e com temor, e com toda a razão.

A parte emocional para quem está infetado é terrível. Acabo de ter uma crise de choro (que não partilhei com as minhas meninas), porque me ligaram do SNS24 a saber se eu já tinha saído do internamento hospitalar (que nunca tive, para já…). Mas como a possibilidade existe, porque não se sabe a progressão da doença em cada caso individual, eu fiquei aterrorizado, não fosse esta chamada ser de alguma forma premonitória, ou eles saberem alguma coisa que eu não sei… Enfim, a fragilidade emocional nestes momentos é brutal, e a minha recomendação para que ninguém tenha que passar por este viacrucis em que me encontro, é que façam tudo ao vosso alcance para se protegerem, e proteger quem vos rodeia.

Vamos vencer o vírus sim, sou otimista ao ponto de o afirmar, mas depois de muita terra queimada, e com sequelas anímicas, de saúde e económicas que irão perdurar por muitos anos. Vamos ter que cerrar fileiras como sociedade, repensar os nossos valores, e sobretudo criar mecanismos de proteção aos mais pobres e desfavorecidos.Aquilo que não podemos permitir é que a sociedade que sair desta autêntica provação tenha contribuído para alargar dramaticamente o fosso entre ricos e pobres. E também não devíamos permitir que haja especuladores a ganhar dinheiro com a pandemia.

Por último uma declaração pública de amor incondicional à mulher da minha vida (47 anos…). Dentro daquilo que a prudência recomenda, ela não me deixa sentir-me só ou desacompanhado. A minha mulherzinha é única. E eu só posso desejar, a quem se veja na minha situação, que tenha uma Conceição pessoal do seu lado.

 

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