José António de Sousa: (Má) gestão pública

O tema do património público (imóveis sobretudo) ao abandono um pouco por todo o país atinge foros de escândalo público e de lesa-pátria.

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.

 

A pandemia que passou a fazer parte do quotidiano das nossas vidas apenas veio agudizar exponencialmente um problema que vemos aumentar de há algumas dezenas de anos para cá, paulatinamente, gradualmente, um pouquinho a cada dia que passa. Falo da total ineficácia, inépcia, incúria, irresponsabilidade e muitos outros epítetos mais que poderíamos aplicar, sem medo de errar, a um aparelho estatal de gestão (?) do património público (pago pelos nossos impostos), por um lado, e à sua prestação de serviços aos contribuintes, por outro.

Vou deixar de lado hoje a parte da prestação dos serviços de toda a ordem aos cidadãos (que vai desde a entrega de documentação, à prestação de serviços médicos não-covid-19), porque teria que escrever um relambório infinito sobre o estado de calamidade a que chegou esta responsabilidade suprema do Estado para com os contribuintes, problema exacerbado pelo teletrabalho derivado da pandemia.

No Estado, onde apesar da digitalização exponencial que a pandemia induziu, não há o mais mínimo controle sobre o trabalho realizado (nem pensar, os sindicatos pro-PC insurgem-se logo, há que nivelar a produtividade bem por baixo), o teletrabalho equivale a muito tempo livre (a receber salário pleno) para passear o Lulu, e tomar umas bejecas com a malta em horário de expediente.

Exceções, que as há e conheço várias (as delegações do IRN e da Segurança Social a operar presencialmente por marcação no Palácio de Ribamar em Algés deviam servir de case study sobre a forma como deveria trabalhar um Estado amigo, profissional e respeitador do contribuinte), apenas evidenciam, pela positiva, a miríade de exemplos contrários que infernizam a vida ao pagante de impostos .

A Tapada da Ajuda em Alcântara é apenas um grãozinho de areia na praia de má gestão e irresponsabilidade do nosso Estado. E aqui responsabilizo TODOS os partidos com assento parlamentar, em particular TODOS aqueles que tiveram responsabilidades governativas desde o 25 de Abril de 1974.

Hoje gostaria só de aflorar (e muito superficialmente, pois isto daria para um tratado) o tema do património público (imóveis sobretudo) ao abandono um pouco por todo o país, porque isto atinge foros de escândalo público e de lesa-pátria! Atenção que por imóveis do Estado se entende aqui todo o património votado ao abandono e pertencente desde a entidades oficiais da administração pública, central ou autárquica, a Institutos e Entidades de Ensino de toda a ordem, ao Exército, etc.

Aquilo que me leva a manifestar a minha indignação hoje prende-se com uma visita ocasional que fiz, por pura casualidade, à Tapada da Ajuda, um Parque Botânico com uns 100 hectares em pleno interior da cidade de Lisboa! Um pulmão verde colossal, onde existem pelo menos dois edifícios magníficos, exemplos fabulosos, gloriosos mesmo, da arquitetura prevalecente na segunda metade do século XIX, o Pavilhão de Exposições (1884) e o Observatório de Lisboa (1867).

A Tapada da Ajuda é aparentemente “gerida” pelo Instituto Superior de Agronomia, instalado noutro magnífico edifício que domina uma parte importante da frente para Alcântara, e para o rio Tejo. Devo confessar que vivo há quase 20 anos em Algés (hoje divido-me entre Algés e Gaia), faço longas caminhadas por todos os recantos possíveis e imaginários da cidade de Lisboa quando estou pelo sul, e entrei pela primeira vez na Tapada da Ajuda no final de julho de 2021! Imperdoável, quase tanto como a quantidade incrível de imóveis em ruínas pelas quais passamos ao calcorrear o gigantesco parque, e que bem podiam ser reabilitados para, por exemplo, ser usados por start-ups e empresas estabelecidas que recuperem, valorizem e potenciem formas de preservação e desenvolvimento da nossa Agro-Indústria e Silvicultura.

O parque biológico aparenta ter um mínimo de cuidados florestais (poda de árvores, etc.), mas a madeira cortada fica depois em simpáticos lotes acumulada entre o mato seco, certamente para potenciar qualquer incêndio que venha a deflagrar. 100 hectares de terreno com supimpas vistas para o Tejo devem despertar muita cobiça imobiliária, que certamente ainda só não despoletou um incêndio porque essa possibilidade (urbanização dos terrenos) deve estar vedada ad eternum (assim o espero).

No meio da Tapada há um gigantesco campo / seara, com dezenas de hectares, sem aproveitar. A terra, trabalhada, daria certamente um contributo importante para a produção de cereais nacionais, diminuindo as necessidades de importação. E serviria de estudo prático para trabalhar com os agricultores nacionais na optimização dos seus cultivos. Porque não coordenar com quem importa cereais para produzir massas (Cerealis por exemplo), e pôr essas terras a produzir os tipos de cereal que esse (ou outros produtores) necessitam e importam ? Enfim, ideias há muitas, necessita-se isso sim muitos Contra-Almirantes Gouveia e Melo para arregaçar as mangas e implementar.

Mas a Tapada da Ajuda em Alcântara é apenas um grãozinho de areia na praia de má gestão e irresponsabilidade do nosso Estado. E aqui responsabilizo TODOS os partidos com assento parlamentar, em particular TODOS aqueles que tiveram responsabilidades governativas desde o 25 de Abril de 1974.

Onde virem um palácio/ palacete/ edifício histórico e emblemático em decadência, ocupado ou não, encontrarão uma plaquinha “Património do Estado” na fachada. Alguns dos edifícios ainda ocupados, decrépitos, podres, muitos em riscos de ruína, albergam em muitos casos esquadras de polícia, tribunais, Institutos do Estado, Escolas (Conservatório Nacional, decrépito e a cair, e onde as obras estão interrompidas)

Caminhe-se pelas ruas de Lisboa (ou de Coimbra, ou de Braga, ou do Porto, ou, ou, ou). Onde virem um palácio/ palacete/ edifício histórico e emblemático em decadência, ocupado ou não, encontrarão uma plaquinha “Património do Estado” na fachada. Alguns dos edifícios ainda ocupados, decrépitos, podres, muitos em riscos de ruína, albergam em muitos casos esquadras de polícia, tribunais, Institutos do Estado, Escolas (Conservatório Nacional, decrépito e a cair, e onde as obras estão interrompidas) etc. Isso é preocupante, claro, porque há pessoas a correr riscos e a trabalhar em condições ignóbeis e inumanas.

Se o Estado gerisse e administrasse as propriedades vazias e abandonadas, colocando-as no mercado (ou fazendo parceiras público-privadas para a sua gestão em condições que não signifiquem a ruína para os contribuintes), e dedicasse os fundos assim obtidos (sem ser cativados….) exclusivamente à gestão e recuperação do património que ainda precisa de ser utilizado, teríamos certamente uma administração pública muito mais eficiente, e um mercado imobiliário no centro das cidades muito menos especulativo e incendiário em termos de preços para os habitantes locais, que foram escorraçados para os subúrbios.

No final de Dezembro de 2020, o despacho governamental 12452/2020 fez uma tentativa tímida para listar os imóveis do Estado que estão desocupados e sem viabilidade futura, e que no âmbito da famosa “descentralização de competências” podem vir a ser utilizados pelas autarquias. Esta lista contém 514 edifícios em todo o país, e toda a gente sabe que está muito longe de estar completa.

O Governo prometeu (e, para não variar, não cumpriu…) completar essa lista até ao final do primeiro semestre de 2021, alertando que ficariam de fora prédios militares (Vice-Almirante Gouveia e Melo, precisamos de si rápido !), estações da CP, os imóveis que vão para o projeto Revive, e as áreas portuárias.

Esses todos que ficam de fora pelos vistos podem continuar em processo de degradação, abandono e ocupação por malfeitores, como as gigantescas instalações militares no Alto de Algés … São edifícios magníficos inseridos em dezenas de hectares de terreno, que poderiam servir para regularizar o mercado habitacional especulativo que existe em Oeiras também, onde ao lado desses terrenos vazios se estão a construir torres de apartamentos inacessíveis à esmagadora maioria dos portugueses.

Há sinais positivos no entanto, que se prendem com a qualidade da gestão autárquica. Para dar dois exemplos, um profundamente negativo, e outro extraordinariamente positivo.

O Convento de São Francisco do Monte, fundado há mais de 650 anos (!) no Monte de Santa Luzia em Viana do Castelo, pertencente ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo, está há mais de 60 anos em ruínas à espera de uma intervenção que o reabilite. Um crime. Teve que ser um grupo chamado “International History Students and Historians Group” a “pôr a boca no trombone” e denunciar o caso nos jornais, para que agora finalmente se movimentem vontades e se agilize a burocracia.

Já a Câmara de Oeiras, magistralmente gerida por um independente fortemente comprometido com a melhoria da qualidade de vida da população (que sempre o elegerá enquanto ele puder concorrer, digam dele o que disserem), está com um programa ambicioso de investimentos para reabilitar a Quinta da Cartuxa, que finalmente passou para gestão camarária, para recuperar os jardins da Quinta Real de Caxias, e para recuperar a Quinta do Marquês de Pombal, pondo estes edifícios históricos ao serviço da comunidade.

Aprenda-se com os bons exemplos, denunciem-se publicamente os maus. E tragam rapidamente alguém que ponha ordem na gestão do património imobiliário publico, de uma vez por todas. Insisto, Vice-Almirante Gouveia e Melo, Portugal precisa de si (e/ou de muitos clones seus…).

 

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