Luisa Borges e a história de uma nova marca de Vinhos do Douro e do Porto

Depois de terminar o curso de Agronomia, Luisa Borges decidiu continuar o negócio da família, de produção e comercialização de Vinhos do Porto, mas com marca própria. Hoje vende tudo o que coloca no mercado, sobretudo para os mercados dinamarquês e belga.

Luisa Borges é fundadora da Vieira de Sousa Port & Douro. Wines

Luisa Borges é fundadora, gestora, enóloga e viticóloga da Vieira de Sousa Port & Douro Wines, empresa que foi considerada o melhor produtor de Vinho do Porto em 2021 pela Revista Vinhos. Criou-a com a mãe, Lurdes Fialho, contabilista e gestora da ABS Rolamentos, empresa da família com sede em Lisboa.

Tinha feito o curso de Viticultura e Enologia no Instituto Superior de Agronomia, e decidira fazer o mestrado no Douro, onde tinha as suas raízes. “Na altura era para fazer o trabalho fora de Portugal, mas decidi ficar para ajudar o meu pai e dar apoio técnico na parte da vinha. E fui ficando…”, conta.

Ela e a irmã, Maria Borges, responsável comercial e de marketing da empresa, cresceram a sentir a presença do Vinho do Porto nas suas vidas.

A família do pai, António Borges, é do Douro. E apesar de este ter criado a empresa de importação e comercialização de rolamentos “porque gostava muito de automóveis”, nunca deixou de cuidar das vinhas que herdara e de produzir Vinho do Porto, que vendia a granel para as empresas exportadoras do sector. Era uma tradição que passara gerações e tinha sido continuada pelo pai, que levava, todos os anos, a família até ao Douro para as vindimas. “E sempre que havia oportunidade para isso, já que vivíamos em Lisboa”, conta Luisa Borges, acrescentando que a família da mãe também tinha vinhas na região.

Entre as propriedades que a Vieira de Sousa gere, “aquela que é, talvez, a mais conhecida é a Quinta da Água Alta, porque a Churchill’s engarrafou alguns vinhos vintage produzidos com as suas uvas”, conta, acrescentando que as quintas ficam todas no Cima Corgo. Esta sub-região começa na linha de confluência do rio Corgo com o Douro e sobe até ao local onde se situava o Cachão da Valeira, zona do rio mais tumultuosa até à construção das barragens que uniformizaram o leito do rio no século passado.

 

A mudança

A Vieira de Sousa produz a partir de 60 hectares de vinha da família. “A empresa foi criada para começarmos a produzir e comercializar vinho com marca própria”, diz Luisa Borges. Conta, também, que o pai estava, de início, um pouco renitente em relação ao sucesso deste negócio, “não porque tivesse receio em relação a isso, mas porque se habituara, desde sempre, a que fossem as empresas exportadoras a controlar o mercado”.

O primeiro vinho comercializado foi o vintage 2009, lançado em 2011, o ano em que a Vieira de Sousa começou a engarrafar vinhos. “Não tivemos uma explosão de crescimento, mas foi interessante verificar a aceitação do mercado em relação a uma nova marca de Vinho do Porto”, conta Luisa Borges. Na primeira saída para a Prowein, na Alemanha, a maior feira do sector, conseguiram arranjar os primeiros clientes na Dinamarca e na Bélgica.

Claro que a marca Vinho do Porto ser forte, e reconhecida internacionalmente, ajudou. “Mas muitos visitantes mostraram-se sobretudo curiosos e interessados em relação a uma nova casa, com novas referências”, conta, realçando o seu interesse por algo diferente e acrescentando que o lançamento acabou por correr muito bem, apesar dos seus receios em relação ao resultado desse primeiro passo.

A formação que teve no curso que tirou no ISA permitiu-lhe ter uma visão mais geral sobre a agricultura e tudo o que está ligado a este sector de negócios. Também ficou com as bases que a “ajudaram a ultrapassar todos os trâmites necessários para criar uma empresa e produzir vinhos, desde o HCCP, até à parte das vendas e do marketing”, explica, contando que a ajuda da mãe, com a sua experiência como gestora, foi essencial no processo. Com o tempo, “a prática e a experiência têm contribuído para fazer as coisas de forma cada vez mais fácil e melhor”.

 

Luisa Borges, responsável pela viticultura e enologia da Vieira de Sousa, e Maria Borges, a irmã, que é responsável pelas áreas de marketing e comercialização da empresa.

Luisa Borges, responsável pela viticultura e enologia da Vieira de Sousa, e Maria Borges, a irmã, que é responsável pelas áreas de marketing e comercialização da empresa.

Os desafios do setor

A opção pela especialidade em viticultura e enologia ocorreu talvez por sentir o apelo do negócio de família. Mas o que gosta mesmo é do campo, da vinha. De tal forma, que defende que é mais a viticultura do que a enologia que define as características e qualidade dos vinhos do Douro e do Porto que a sua empresa produz. É um trabalho que implica produzir menos uvas por pé, de uma vinha cuja produção varia com as condições climáticas anuais, por não ser regada, e fazer uma escolha criteriosa à entrada da adega. Ou seja, a produção é limitada em termos de volume. Mas esse não é o principal problema que Luisa Borges enfrenta, porque consegue “vender toda a produção disponível de vinhos do Douro, LBV e Vintages da empresa”. É, sim, produzir mais, com a mesma qualidade, para responder às solicitações crescentes dos seus clientes.

Procura responder tentando manter o crescimento da empresa enquanto vai resolvendo desafios, por vezes inesperados e dificilmente controláveis que vão surgindo, como a recente pandemia de Covid-19, que reduziu as suas vendas para zero em Portugal, na altura, ou a falta de mão de obra na região. O primeiro problema foi solucionado com o crescimento das vendas para a Dinamarca, o principal mercado da Vieira de Sousa, “sobretudo porque o nosso importador trabalha muito bem o cliente final”, e “para o Reino Unido, que está a crescer e consome mais vinhos do Douro”, conta Luisa Borges.

O segundo problema tem sido mais difícil de resolver, porque o crescimento do turismo na Região do Douro, levou a que muitas pessoas optassem por trabalhar neste sector, diminuindo ainda mais a disponibilidade de mão de obra, que já era escassa. É sobretudo essencial nos picos de vindima na região duriense, quando o ciclo termina, já que as características do terreno obrigam a que esta operação tenha de ser feita por pessoas. Apesar de ser razoavelmente bem pago, é intenso, duro e difícil. Tem de ser feito parcialmente durante a noite e apenas dura uma parte do ano.

 

Dormir na adega durante a vindima

Como muitos outros enólogos, Luisa Borges por vezes dorme na adega durante a vindima. São muitas coisas a fazer numa pequena empresa, quando há uvas a chegar para analisar, provar e decidir qual o caminho que vão seguir, cubas e lagares em fermentação que é preciso acompanhar, sobretudo na produção de Vinho do Porto, porque a adição de aguardente vínica tem de decorrer no momento certo. É, talvez por isso, por ser um desafio ainda maior, que Luisa Borges gosta mais de fazer este tipo de vinhos. Mas é também por ser uma gestora e enóloga com “mãos na massa”, que também faz algum trabalho de tanoaria, algo que diz ser essencial para quem trabalha no Vinho do Porto, “porque dependemos muito dos toneis que, às vezes, pregam-nos partidas quando há alterações bruscas de temperatura, que fazem as madeiras expandir ou encolher e começar a pingar”, por exemplo. Diz que, quando isso acontece, é preciso pôr um bocado de linho, apertar os arcos, ou seja, “dar um jeitinho às coisas para evitar surpresas desagradáveis”. Conta, também, que o pai costuma dizer que o vinho perdido vai para os anjos. Só que eles não pagam o que consomem.

O mundo precisa e está a mudar para o uso mais sustentável dos recursos. Este é, também, um dos desafios diários de Luísa Borges. Por isso é que na Vieira de Sousa já se deram pequenos passos nesse caminho, como a mudança para o uso de lâmpadas mais económicas, e outros maiores, como o armazenamento e reutilização das águas da chuva. “Era um tema sobre o qual o meu pai estava constantemente a chamar a atenção, porque uma parte significativa se perde e pode ser necessária em períodos de escassez, mesmo tendo o rio Douro tão perto”, diz a enóloga salientando que é essencial na indústria do vinho, para coisas tão simples como limpeza e lavagens de equipamentos e instalações, por exemplo.

 

A Vieira de Sousa exporta 70% da sua produção, principalmente para a Dinamarca, Bélgica e Estados Unidos.

A Vieira de Sousa exporta 70% da sua produção, principalmente para a Dinamarca, Bélgica e Estados Unidos.

Ciclos que não param

O último dia de vindima é, para Luisa Borges, “um momento de grande festa e um tempo de grande intranquilidade”. Terminou um ciclo de produção, começa outro e está tudo por fazer.  É tempo de pausa nos trabalhos da vinha e de apanhar a azeitona para produzir o azeite da casa. Mas também de começar a desenhar tudo o que tem de ser feito no próximo ciclo de produção.

Primeiro, a poda, que começa em novembro e geralmente termina em Dezembro. No ano passado isso aconteceu em março devido à escassez de mão de obra. A partir deste mês não há paragens. Há que controlar a vegetação da vinha, em prol da qualidade da uva e para evitar o aparecimento de determinadas doenças que se desenvolvem em ambientes ensombrados e húmidos. Mas há tratamentos fitossanitários a fazer, e todo o restante maneio da vinha para assegurar que as suas plantas produzem uvas com as características desejadas para produzir vinhos de qualidade. No caso dos vinhos do Douro, também ao estilo da casa: frescos e elegantes.

“Em junho já começamos a pensar na vindima, que é como se fosse uma luz ao fundo do túnel e, depois, é esperar que o clima nos ajude para podermos ir de férias”, conta ainda Luísa Borges, explicando que, as suas, foram mais curtas no ano passado, porque teve de começar as vindimas no final de agosto.

 

AS VIRTUDES DE UM ENÓLOGO

Luisa Borges diz que na sua profissão é essencial saber apreciar as qualidades do vinho, e não apenas os seus defeitos, e estar disponível para mudar de ideias, adaptar-se e inovar, o que implica experimentar, errar e repetir até se conseguir, de facto, inovar. E, no fim, quando se pensa que se encontrou algo novo, pode apenas estar-se a repetir o que foi feito no passado. “É o caso da produção de vinhos de curtimenta pois esse terá sido o método original”, explica.

 

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