Como Licínia Ferreira pôs o Rei dos Leitões no mapa

Em plena crise, Lícinia Ferreira transformou o seu restaurante de leitões da Mealhada numa referência entre os 50 que existem da zona. As decisões que tomou foram ousadas à luz da tradição na zona, mas resultaram.

Licínia Ferreira começou a trabalhar no Rei dos Leitões aos 16 anos.

Na crise do início da década, a empresária Licínia Ferreira sabia que precisava de mudar algo na sua casa, um dos restaurantes tradicionais de leitão da Mealhada, pois corria o risco de fechar. Com a ajuda e a criatividade de Paulo Rodrigues, o seu companheiro de vida, fez, da casa da família, aquele que é considerado, hoje, o melhor restaurante da Bairrada. Basta lembrar que lhe foi atribuído, em 2018, um dos 12 garfos de ouro pelo Guia Boa Cama Boa Mesa, ao lado de restaurantes com estrelas Michelin, como o Vila Joya, a Fortaleza do Guincho ou a Casa de Chá da Boa Nova, entre outros. A primeira mudança, simples e eficaz, foi a alteração da cor da fachada para um tom diferente dos outros restaurantes da zona. Seguiram-se outras, numa evolução que se tem mantido sempre constante.

A taberna e o primeiro leitão

Era inicialmente uma taberna, um corredor com um balcão ao fundo, onde a tia vendia copos de vinho aos passantes. Mudou de vida no dia 15 de Maio de 1947, quinta-feira de ascensão e feriado da Mealhada, depois de os tios de Licínia Ferreira, proprietários do estabelecimento, decidirem assar um leitão e colocá-lo à venda para os seus clientes, para comemorar a data. É, desde aí, o Rei dos Leitões, lugar onde a atual proprietária do estabelecimento “vive” desde tenra idade e trabalha desde os 16 anos.

Frequentava, na altura, o 10º ano, mas o falecimento súbito do irmão, e a debilidade do pai, que estava doente, levaram-na a decidir ajudar no negócio para o apoiar. “Até 2010 era mais um restaurante do género na Mealhada, que vendia leitões e pouco mais”, conta Licínia Ferreira. Foi apenas há oito anos, numa altura em que se estava em tempo de crise e era necessário mudar algo para assegurar o futuro da casa, que as coisas se começaram a alterar, com a entrada de Paulo Rodrigues.

Licínia sabia que era preciso subir o nível do restaurante, mas estava saturada de tantos anos “atrás do balcão”, como gosta de chamar ao seu papel na gestão da sua casa, e um pouco desesperada com a situação. “Não conseguia visualizar onde e como deveria investir”, conta. Acrescenta que foi isso que levou Paulo Rodrigues a decidir ajudá-la a tomar conta do negócio.

Contabilista de formação, com experiência ganha a trabalhar na Caixa Geral de Depósitos e no Santander, trouxe uma lufada de ar fresco à casa, “porque tem métodos de trabalho muito rigorosos e é um homem inteligente, muito activo e dinâmico”, diz Licínia Ferreira. Acrescenta que, desde sempre, o tem apoiado em tudo o que decide, “tal como ele o faz”.

Foram várias as decisões que transformaram o Rei dos Leitões numa referência, algumas óbvias, outras arriscadas, mas o resultado está à vista.

Das pequenas à grande mudança

Uma das primeiras mudanças foi algo tão simples como a alteração da cor das fachadas do restaurante. Deixaram de ser brancas, como a maior parte das outras casas de leitão de beira de estrada da Mealhada, e passaram a amarelas. Hoje é difícil não reparar nele, quando se passa na estrada. Depois foi o alargamento do parque. Hoje tem canteiros ajardinados e espaço para mais de 70 viaturas.

Quem entra no interior do Rei dos Leitões sente logo um ambiente diferente do habitual. Na decoração elegante da sala, nas fardas dos empregados, no vestuário distinto dos dois gestores. Licínia Ferreira explica que gostam muito do seu trabalho, da sua “casa”, onde passam entre 16 e 18 horas por dia e defende que isso talvez se reflicta na sua forma de vestir. Mas “a decoração é essencialmente o reflexo da nossa preocupação com o bem-estar dos clientes”.

A mudança visível mais recente foi a disponibilidade de uma sala para clientes ao lado da cozinha, de vidros opacos para o exterior, para permitir que o chefe possa entrar e falar com quem está a saborear as suas sugestões. É a Sala do Rei, e foi uma ideia que surgiu durante as recentes obras de modernização da cozinha, que representaram um investimento de 500 mil euros no início de 2017. “É uma sala mais privada, para quem não quer estar na do restaurante, e é bastante frequentada por futebolistas, empresários como Jorge Mendes e outros, e quadros das empresas, que reservam a sala para estarem mais recatados”, explica Licínia Ferreira.

Uma cozinha com alma

Foi a mudança gradual da ementa que trouxe fama ao Rei dos Leitões, que hoje é muito mais do que uma casa de um único produto. Tudo começou quando Paulo Rodrigues, que trabalhou muitos anos na Praia de Mira e conhece bem os peixeiros e pescadores da zona, trouxe um cabaz de carapauzinhos para fritar. Nesse dia, foi um “ver se te avias” com a novidade. Depois juntou-lhes robalinhos, sargos e outros, que desapareciam, num ápice, grelhados.

Licínia Ferreira conta que, nessa altura, a cozinha não estava preparada para peixes ao sal ou mais elaborados, como acontece hoje. E foi a adesão entusiástica dos clientes que ajudou ao primeiro passo na decisão definitiva de mudança na oferta da casa, para ir ao encontro das suas expectativas. “Temos muitos empresários da zona, que nos procuram para almoçar com os seus clientes. Como não conseguem comer leitão todos os dias, tínhamos de lhes dar mais opções”, explica. E assim foram surgindo, na ementa, outros pratos de peixe e mariscos frescos, carnes com origens e cortes diferentes, e muito mais, numa evolução sempre permanente desde 2010 até hoje. “Temos, por exemplo, um aquário, que permite aos clientes escolherem o peixe, para ser feito na hora”, acrescenta.

Peixe fresco e espumante, uma relação inevitável num restaurante que aposta na qualidade dos produtos e numa vasta oferta de espumantes.

Há mais de cinco anos entrou um novo chefe de cozinha. “Já não fazia sentido ter apenas quem soubesse fritar batatas, assar leitão, preparar saladas e cortar laranjas”, explica Licínia Ferreira. Era necessário alguém com mais conhecimento, experiência, criatividade e técnica.

E foi um amigo, alguém muito viajado do mundo dos vinhos, que lhe indicou a pessoa ideal para o cargo, Carlos Fernandes. Uma breve conversa chegou para a tomada de decisão, e a cozinha do Rei dos Leitões ganhou com isso, apresentando, hoje, pratos tradicionais e outros mais criativos, sempre apelativos para os sentidos.

Mas foi só em 2017 que decorreram as obras de alargamento e modernização da cozinha. “A anterior era antiga. Não era funcional para o tipo de serviço que apresentamos agora no restaurante”, explica a sua proprietária.

“A qualidade é uma procura constante na nossa casa. Por isso, quem entrega pela primeira vez e falha, não entra cá mais”, afirma a proprietária.

O papel da formação e da comunicação

A formação e a comunicação desempenham, hoje, uma componente essencial no serviço que Licínia Ferreira e Paulo Rodrigues querem apresentar, todos os dias, aos seus clientes. “Quando viajamos, gostamos de ser bem recebidos e tratados. É dessa forma que queremos que os clientes o sejam pelas nossas pessoas, e é nesse sentido que as formamos”, explica a empresária.

Para melhorar o conhecimento das suas equipas em relação aos fornecedores e produtos consumidos no Rei dos Leitões, implementaram o programa “Às terças nas quintas”, que inclui a visita, entre outros, a produtores de vinhos da Bairrada durante a manhã, dado o restaurante abrir portas às 12h. “São acções interactivas, onde a nossa equipa se envolve bastante, fazendo muitas perguntas para tirar dúvidas”, diz Licínia Ferreira.

Em particular no que respeita à carta de vinhos, que inclui alguns milhares de referências, os gestores do Rei dos Leitões procuram que o produtor se desloque à casa, sempre que entra uma nova referência na carta, para explicar as suas características e ligação com a comida. O mesmo acontece quando chegam, por exemplo, novas carnes ao restaurante.

Todos os dias é feito um briefing, às 11h30, sobre a oferta do dia, os produtos que chegaram e aquilo que saiu da ementa, para informar toda a equipa.

A aposta na qualidade do produto

Hoje, nem Paulo Rodrigues nem Licínia Ferreira têm tempo para ir ao mercado. Por isso, abastecem-se junto de fornecedores de confiança, que lhes entregam os produtos no restaurante. “A qualidade é uma procura constante na nossa casa. Por isso, quem entrega pela primeira vez e falha, não entra cá mais”, afirma a proprietária.

A responsabilidade pelo fornecimento dos produtos de mar é, actualmente, de empresas de Olhão e Peniche. No dia em que lá estive, saboreei uma posta fresquíssima de um cherne de 20kg que chegara através do fornecedor de Peniche. Apanhado, nos Açores, no dia anterior, foi apreciado na companhia de um espumante rosé Sidónio de Sousa, escolhido para fazer também companhia às irresistíveis costelinhas de leitão assadas que se seguiram. O seu fornecedor fica a um quilómetro em linha recta do Rei dos Leitões, tal como os de verduras. A aposta na frescura e qualidade nota-se no que se come e bebe no Rei dos Leitões e no serviço. “Damos o nosso melhor todos os dias, pois só assim os clientes saem do restaurante com um sorriso e nos dizem até breve. Se eles nos escolhem entre os 50 restaurantes das proximidades, temos de os tratar como reis”, assegura Licínia Ferreira.

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