“A verdade é que, longe de me sentir intimidada ou hesitante por ser uma mulher num mundo de homens – já me disseram que era a única mulher portuguesa nesta área – sempre me senti muito atraída e interessada por ele. Reconheço que junto dos alfaiates mais velhos sou recebida com cepticismo. Não me excluem mas mostram alguma reserva. Mas sempre foi assim, aconteceu o mesmo à primeira mulher taxista ou à primeira mulher comandante de aviões.
É mais difícil trabalhar com mulheres do que com homens. Elas são inseguras e vão pelo que os outros pensam. Eles são exigentes e sabem o que querem
Confesso que gosto muito do que faço. Descobri o meu nicho, o lugar onde me sinto à vontade, que me dá muita satisfação e mais retorno financeiro. O meu target é masculino, urbano, composto maioritariamente por homens jovens, com idades entre os 25 e os 40 anos. Já trabalhei com noivas e alta costura feminina, mas afastei-me. O mercado está muito explorado e há quem faça melhor do que eu. E a experiência — sete anos na área da moda, dois deles dedicada exclusivamente ao meu atelier masculino — levou-me à seguinte conclusão: é mais difícil trabalhar com mulheres do que com homens. As mulheres são inseguras, vão pela aparência e pelo que os outros pensam. O homens são exigentes, sabem o que querem, prezam o conforto, e confiam. Elas são a antítese disto.
Apesar de sentir reservas, também conto com a ajuda de alguns mestres alfaiates que sabem bem do que falam. São conselhos fundamentais para ultrapassar dificuldades, ouvir pareceres sobre fornecedores, formas de execução, contornar corpos mais complicados. Penso que é importante ter esta humildade – ouvir a opinião dos outros – porque sinto que estou a trilhar um caminho e não me quero autolimitar.
Os clientes gostam de uma opinião feminina
Claro que me interrogam sobre as dificuldades em trabalhar nesta área. Mas eu não dou importância a isso. Sinto mais dificuldades, por exemplo, em arranjar alguns tecidos — que em Portugal estão em vias de extinção, consequência dos fechos de muitas fábricas têxteis dos anos 1990 — do que em trabalhar num mundo só de homens. Os clientes recebem-me bem, gostam de ouvir a minha opinião feminina e, depois, a das outras mulheres também.
Uma vez por ano vou à Convenção de Alfaiates e percebo como somos poucos neste país. Estão lá 30, mas seremos 50 ou 60, porque nem todos aderem ao encontro. Todos homens, com idades entre os 60 e os 90 anos, activos, a exercer a profissão, com encomendas. Porque há clientes para esta profissão. São pessoas habituadas a fatos à medida, que lhes assentam melhor, políticos, quadros superiores, homens mais novos cansados de tanta massificação. Mas havia uma lacuna: fatos um pouco mais descontraídos, menos conservadores, mais cintados. Porque há uma nova vaidade nos homens citadinos e uma nova procura de exclusividade. O estilo dandy, tão na moda, requer roupa mais casual, mais compatível com o andar de transportes públicos, e nos fatos ele vai para além do típico fato preto com camisa branca. São homens mais atentos às tendências.
Se ninguém pergunta a uma médica como faz a apalpação do doente por que me perguntam a mim pelas medidas?
Há dois anos decidi investir exclusivamente na moda masculina: fatos completos – calça, colete, gravata ou laço —, smokings e fraques. Apostei nos forros fora do vulgar, é a imagem de marca do meu espaço, o L’Atelier28. E preocupei-me em criar um negócio sustentável para o país, usando mão-de-obra e matéria-prima preferencialmente portuguesas. Mas vi, com alguma pena, que a escassez de certos materiais me obriga a recorrer a fornecedores estrangeiros, onde os valores são completamente diferentes e os materiais não são melhores. E isso é o que me irrita! Porque havia tecidos muito bons em Portugal, ao nível do Scabal, que é o ferrari dos tecidos de alfaiataria, produzido no Reino Unido.
Os preconceitos que persistem
O produto-estrela do L’Atelier28 é, sem sombra de dúvida, o smoking azul escuro. Pelo corte, pelo material e pela cor, distingue-se logo de um fato vulgar. O fato que desenhei para o meu marido, quando me casei, está igualmente na minha galeria dos troféus. Para que fosse surpresa para mim também, pedi a um amigo alfaiate que fizesse as provas. E este fato de noivo (do meu noivo!), clássico, riscado, castanho escuro, resultou muito bem.
Com o passar do tempo percebi que há quem se intrigue com a forma de tirar determinadas medidas. Mas essa é a parte que me põe um sorriso rasgado na cara. Se ninguém pergunta a uma médica como faz a apalpação do doente por que razão me perguntam a mim pelas medidas? Tiro-as de uma forma discreta, profissional e algumas são tiradas com a ajuda dos clientes. Este é um preconceito que, por vezes, tenho de enfrentar.
Vivo a minha profissão com paixão, mas o mais importante para mim é a minha família
A minha marca tem uma dimensão pequena mas oferece tudo o que as marcas de prestígio têm. E eu consigo disfarçar um ombro descaído, uma barriga proeminente e fazer sentir uma pessoa especial. As outras lutam pela etiqueta e não oferecem o exclusivo e uma manufactura personalizada.
Apostei numa área muito diferente que vivo com muita paixão. Mas se me perguntarem o que para mim é realmente importante respondo que é a família, as minhas duas filhas. E nem por isso me sinto diminuída, inútil ou doméstica. Não o encaro de uma forma negativa, pelo contrário!
Só que, desde pequena, sempre senti que era a desenhar e a fazer bonecos para moda que me sentia bem. O meu pai guardou-os sempre e encorajou-me. Talvez por ser arquitecto. Porque na família ninguém se dedicou a esta área. A comparação não é assim tão inusitada. Cada vez mais penso que a alfaiataria é a arquitectura da moda, porque também obedece a paramêtros muito rígidos”.