Lara Berrones,
alfaiate

Uma profissão caída em desuso, muito bem aproveitada por esta portuguesa que desde pequena gostou de desenhar. Formada em Design de Moda na Alemanha, apresentou como trabalho final de curso a tese “Bon Vivant”, que acabou por dar o mote à empresa que mais tarde criou, já em Portugal. Não se sente intimidada pelo mundo masculino em que vive, mas antes espicaçada e muito curiosa.

Lara Berrones tornou-se alfaiate depois de se desencantar a trabalhar para noivas

“A verdade é que, longe de me sentir intimidada ou hesitante por ser uma mulher num mundo de homens – já me disseram que era a única mulher portuguesa nesta área – sempre me senti muito atraída e interessada por ele. Reconheço que junto dos alfaiates mais velhos sou recebida com cepticismo. Não me excluem mas mostram alguma reserva. Mas sempre foi assim, aconteceu o mesmo à primeira mulher taxista ou à primeira mulher comandante de aviões.

É mais difícil trabalhar com mulheres do que com homens. Elas são inseguras e vão pelo que os outros pensam. Eles são exigentes e sabem o que querem

Confesso que gosto muito do que faço. Descobri o meu nicho, o lugar onde me sinto à vontade, que me dá muita satisfação e mais retorno financeiro. O meu target é masculino, urbano, composto maioritariamente por homens jovens, com idades entre os 25 e os 40 anos. Já trabalhei com noivas e alta costura feminina, mas afastei-me. O mercado está muito explorado e há quem faça melhor do que eu. E a experiência — sete anos na área da moda, dois deles dedicada exclusivamente ao meu atelier masculino — levou-me à seguinte conclusão: é mais difícil trabalhar com mulheres do que com homens. As mulheres são inseguras, vão pela aparência e pelo que os outros pensam. O homens são exigentes, sabem o que querem, prezam o conforto, e confiam. Elas são a antítese disto.

Apesar de sentir reservas, também conto com a ajuda de alguns mestres alfaiates que sabem bem do que falam. São conselhos fundamentais para ultrapassar dificuldades, ouvir pareceres sobre fornecedores, formas de execução, contornar corpos mais complicados. Penso que é importante ter esta humildade – ouvir a opinião dos outros – porque sinto que estou a trilhar um caminho e não me quero autolimitar.

Os clientes gostam de uma opinião feminina

Claro que me interrogam sobre as dificuldades em trabalhar nesta área. Mas eu não dou importância a isso. Sinto mais dificuldades, por exemplo, em arranjar alguns tecidos — que em Portugal estão em vias de extinção, consequência dos fechos de muitas fábricas têxteis dos anos 1990 — do que em trabalhar num mundo só de homens. Os clientes recebem-me bem, gostam de ouvir a minha opinião feminina e, depois, a das outras mulheres também.

Uma vez por ano vou à Convenção de Alfaiates e percebo como somos poucos neste país. Estão lá 30, mas seremos 50 ou 60, porque nem todos aderem ao encontro. Todos homens, com idades entre os 60 e os 90 anos, activos, a exercer a profissão, com encomendas. Porque há clientes para esta profissão. São pessoas habituadas a fatos à medida, que lhes assentam melhor, políticos, quadros superiores, homens mais novos cansados de tanta massificação. Mas havia uma lacuna: fatos um pouco mais descontraídos, menos conservadores, mais cintados. Porque há uma nova vaidade nos homens citadinos e uma nova procura de exclusividade. O estilo dandy, tão na moda, requer roupa mais casual, mais compatível com o andar de transportes públicos, e nos fatos ele vai para além do típico fato preto com camisa branca. São homens mais atentos às tendências.

Se ninguém pergunta a uma médica como faz a apalpação do doente por que me perguntam a mim pelas medidas?

Há dois anos decidi investir exclusivamente na moda masculina: fatos completos – calça, colete, gravata ou laço —, smokings e fraques. Apostei nos forros fora do vulgar, é a imagem de marca do meu espaço, o L’Atelier28. E preocupei-me em criar um negócio sustentável para o país, usando mão-de-obra e matéria-prima preferencialmente portuguesas. Mas vi, com alguma pena, que a escassez de certos materiais me obriga a recorrer a fornecedores estrangeiros, onde os valores são completamente diferentes e os materiais não são melhores. E isso é o que me irrita! Porque havia tecidos muito bons em Portugal, ao nível do Scabal, que é o ferrari dos tecidos de alfaiataria, produzido no Reino Unido.

Os preconceitos que persistem

O produto-estrela do L’Atelier28 é, sem sombra de dúvida, o smoking azul escuro. Pelo corte, pelo material e pela cor, distingue-se logo de um fato vulgar. O fato que desenhei para o meu marido, quando me casei, está igualmente na minha galeria dos troféus. Para que fosse surpresa para mim também, pedi a um amigo alfaiate que fizesse as provas. E este fato de noivo (do meu noivo!), clássico, riscado, castanho escuro, resultou muito bem.
Com o passar do tempo percebi que há quem se intrigue com a forma de tirar determinadas medidas. Mas essa é a parte que me põe um sorriso rasgado na cara. Se ninguém pergunta a uma médica como faz a apalpação do doente por que razão me perguntam a mim pelas medidas? Tiro-as de uma forma discreta, profissional e algumas são tiradas com a ajuda dos clientes. Este é um preconceito que, por vezes, tenho de enfrentar.

Vivo a minha profissão com paixão, mas o mais importante para mim é a minha família

A minha marca tem uma dimensão pequena mas oferece tudo o que as marcas de prestígio têm. E eu consigo disfarçar um ombro descaído, uma barriga proeminente e fazer sentir uma pessoa especial. As outras lutam pela etiqueta e não oferecem o exclusivo e uma manufactura personalizada.
Apostei numa área muito diferente que vivo com muita paixão. Mas se me perguntarem o que para mim é realmente importante respondo que é a família, as minhas duas filhas. E nem por isso me sinto diminuída, inútil ou doméstica. Não o encaro de uma forma negativa, pelo contrário!
Só que, desde pequena, sempre senti que era a desenhar e a fazer bonecos para moda que me sentia bem. O meu pai guardou-os sempre e encorajou-me. Talvez por ser arquitecto. Porque na família ninguém se dedicou a esta área. A comparação não é assim tão inusitada. Cada vez mais penso que a alfaiataria é a arquitectura da moda, porque também obedece a paramêtros muito rígidos”.

Parceiros Premium
Parceiros