O “bichinho” do empreendedorismo mordeu-lhe muito cedo: aos 15, 16 anos Karina Martins da Costa já tinha ideias de negócio. Formou-se em Gestão na Universidade Católica, fez um MBA em Marketing na Coreia, depois voltou à Católica para um mestrado em Estratégia e Empreendedorismo. Aos 22 fundou a sua primeira empresa. Não correu bem, mas daí tirou lições valiosas e uma vontade ainda maior de se rodear de outros empreendedores para ajudá-los a alcançar o sucesso.
Viveu no Brasil, em Portugal, na Coreia, no Reino Unido. Aos 30 anos, o seu currículo é impressionante: trabalhou na Kellogg’s, LG, SK Telecom, Reckitt Benckiser e EDP; co-fundou a BET Ventures com dois colegas de faculdade e, mais tarde, a Fábrica de Startups — onde geriu 6 programas aceleradores, nacionais e internacionais, com mais de 90 empresas que angariaram, no total, mais de 30 milhões de euros em investimento. Não demorou até que a norte-americana Techstars — que funciona como acelerador de startups tecnológicas e fundo de investimento — reparasse nela. Foi lá que lançou o programa global Techstars Anywhere, que co-dirige desde Boulder, no Colorado, de onde falou à Executiva.
De onde é que vem esta sua paixão pelo empreendedorismo?
Comecei muito cedo, mas na altura nem se ouvia falar na palavra. Com 15 ou 16 anos já tinha várias ideias de negócio, avancei com alguns protótipos e cheguei a patentear uma das ideias. Na altura nem tinha sequer escolhido um caminho profissional, mas olhando para trás, percebo que já na altura ambicionava trabalhar um produto, fazer coisas. A primeira ideia de negócio que avancei de forma mais sólida foi uma empresa chamada Glutone. Era uma solução de hardware de compactação de resíduos sólidos para cadeias de fast food, preparada para usar na frente de loja (balcão). Foi aí que comecei a perceber que, provavelmente, iria abraçar o empreendedorismo de forma mais séria. Tinha a necessidade de estar próxima da criação de alguma coisa. Depois, a Glutone não correu bem e acabou por fechar. Aprendi muita coisa…
E quais as principais lições que retirou dessa primeira experiência?
A principal foi aprender a ouvir os clientes, que no caso da Glutone eram o McDonalds e outras cadeias de fast food semelhantes. Tinha uma relação próxima, validei o produto e a solução juntamente com eles. Mas a solução não vingou porque compactar resíduos na frente de loja é algo que inibe a reciclagem, já que exige que todos eles sejam perfeitamente separados, sob pena de se pagarem multas elevadas às empresas de reciclagem. A máquina estava preparada para ser usada por uma criança de seis anos, no que toca a sofisticação do sistema de segurança. Mas fiz as perguntas erradas e parti dos pressupostos errados. Quis saber quais as dimensões da máquina, o tempo de compactação, as soluções de manutenção, todas elas questões acessórias à pergunta principal: como resolvem o problema da reciclagem? Só vim a descobrir mais tarde, através de uma empresa americana que ofereceu uma solução semelhante para o McDonalds nos EUA, mas para ser usada o back of the house, que a minha solução não iria vingar de forma generalizada — só iria conseguir colocá-la em alguns franchisings. Custou ouvir. O nível de investimento necessário envolvia a certeza de um mercado grande e percebi que tinha que fechar a empresa. Aprendi uma lição grande e foi isso que me fez, uns meses mais tarde, conhecer outros empreendedores jovens.
“Não queria que outros cometessem os mesmos erros que eu tinha feito e, sobretudo, queria ter à volta pessoas como eu: gente que não ambicionava um emprego estável e uma vida traçada numa carreira corporativa.”
Tem um percurso muito interessante na criação de programas de aceleração de startups em Portugal. Como chegou à norte-americana Techstars?
Participei no Startup Weekend, em Portugal, e fiquei em primeiro lugar. Com alguma exposição conheci mentores, outras startups e alguns jovens que, tal como eu, queriam criar em Portugal uma comunidade de empreendedores que não existia. Não queria que outros cometessem os mesmos erros que eu tinha feito e, sobretudo, queria ter à volta pessoas como eu: gente que não ambicionava um emprego estável e uma vida traçada numa carreira corporativa. Tinha terminado o meu segundo mestrado na Católica; juntei-me com dois colegas e fundámos o BET – Bring Entrepreneurs Together, uma organização que existe até hoje e que ajuda empreendedores através de um desafio de 24 horas, eventos, workshops, palestras, informações, e que depois leva a startup vencedora a Silicon Valley para conhecer grandes empresas. Lançámos o primeiro desafio em 2012 e a primeira empresa que levámos a Silicon Valley foi a Uniplaces — que hoje emprega 200 pessoas em Portugal e em outros países, mas que nessa altura era apenas um site — e a segunda, a Chic by Choice. Creio que conseguimos criar algum impacto, inspirar vários empreendedores e, sobretudo, colocar aqueles que queriam fazer algo em contacto com quem os podia ajudar. Logo de seguida fui convidada pelo António Lucena de Faria para cofundar a Fábrica de Startups, o primeiro acelerador de startups em Portugal. Lançámos vários programas de aceleração em Portugal, no Brasil e China. Mais tarde lançámos a Startup Campus, uma incubadora no centro de Lisboa onde, durante dois anos, fazíamos cerca de dois eventos por semana. Em 2015 conheci, em Lisboa, um dos managing directors da Techstars em Boston que me convidou para ir passar um tempo com a Techstars em Boston como mentora do programa. Depois desse verão convidaram-me a juntar-me a eles de forma permanente e vim para os Estados Unidos.
Quais têm sido as suas funções na Techstars? Que projetos tem em mãos?
Quando me juntei à empresa, fui convidada para ser diretora global do Startup Next, um programa de pré-aceleração de seis semanas que corria em 42 cidades em todo o mundo, para startups ainda numa fase muito inicial. Foi desenvolvido pela empresa que criou o Startup Weekend; a Techstars adquiriu e os seus programas. A minha função era gerir o programa em 42 cidades, mas principalmente perceber se fazia sentido ter um pré-acelerador dentro de um acelerador. Percebemos que qualquer bom investidor sabe que pode ser muito bom investir numa empresa ainda numa fase muito precoce. Por isso, propus que o programa terminasse. Lancei então um programa-piloto dentro da Techstars, com 9 startups, porque percebi que havia a oportunidade de as ajudar a encontrar os melhores mentores, investidores e parceiros, independentemente de onde estivessem, tendo em conta a forte rede que a Techstars tem em todo o mundo. Os resultados da experiência foram muito bons e há um ano propus que criássemos um verdadeiro acelerador de startups virtual, sem escritório e com a tecnologia a ajudar-nos a trabalhar em qualquer sítio. Nasceu então o Techstars Anywhere, que giro juntamente com o managing diretor, Ryan Kuder. Acabámos há três semanas a primeira edição, que lançámos em janeiro, e dentro de muito pouco tempo abrimos as candidaturas para a segunda edição, em 2018.
Quais os erros que os empreendedores cometem com mais frequência?
Variam muito. Por muito que trabalhemos com tecnologia e empresas, o trabalho de um investidor lida muito com a psicologia humana e ela é imprevisível; não há um algoritmo para prever racionalmente os erros que podem ser feitos. Tipicamente, vemos fundadores a focarem-se muito no produto e pouco no negócio; vemos dificuldades ao nível da liderança com frequência, muitos fundadores com um perfil bastante técnico e que têm dificuldade a captar investimento.
“Esta geração procura fazer algo com mais impacto e significado e por isso arrisca um pouco mais: emigra mais, viaja mais, descobre mais pessoas, tecnologias, problemáticas diferentes. Penso que se preparam para ter uma vida mais aventureira e para explorarem diferentes oportunidades.”
Como caraterizaria os valores e as linhas de pensamento dos empreendedores da geração millennial?
Acho que há uma grande distinção da geração anterior. Esta geração procura fazer algo com mais impacto e significado e por isso arrisca um pouco mais: emigra mais, viaja mais, descobre mais pessoas, tecnologias, problemáticas diferentes. É uma geração eventualmente mais consciente do impacto que o seu trabalho no dia a dia pode fazer. Olhar para os exemplos do Mark Zuckerberg ou os fundadores do Airbnb, jovens que através da tecnologia conseguiram revolucionar indústrias inteiras, é algo que inspira vários empreendedores desta geração. Percebem que há problemas globais em diferentes mercados, que eles podem resolver e nos quais podem ter impacto direto, conseguindo o nível de realização profissional muito elevado que procuram. Mas para isso têm que arriscar e estar em zonas pouco confortáveis. Já não procuram tanto os padrões mais típicos — chegar aos 30 anos, comprar casa e constituir família. Penso que se preparam para ter uma vida mais aventureira e para explorarem diferentes oportunidades.
Quais os empreendedores da sua geração que mais admira?
A Cristina Fonseca (Talkdesk) pelo talento, audácia e humildade, que é também um exemplo de empreendedorismo feminino. E o Isaac Saldana (da Sendgrid, uma das mais bem sucedidas empresas da Techstars) pelas mesmas razões. São estas características que mais procuro nos empreendedores.
Quais as principais diferenças entre empreender em Portugal e nos Estados Unidos?
A dimensão do mercado é muito menor em Portugal, por isso, para serem bem-sucedidas as empresas de tecnologia têm que abraçar o mercado internacional logo à partida. Além disso, o talento necessário para desenvolver empresas tecnológicas, principalmente de software, ainda não existe em Portugal — e acho que, na Europa, de forma geral, também não. Não é formação que se consiga adquirir de forma tradicional, mas sim de experiência — executivos que tenham trabalhado em indústrias parecidas e em empresas da área digital que tenham escalado da “Series A” e B até IPO [diferentes estágios de desenvolvimento da empresa, na captação de investimento até chegar a IPO, ou initial public offering, a primeira oferta pública de ações da empresa]. O facto de não existir nenhuma empresa portuguesa digital que tenha chegado a IPO — eventualmente, a Farfetch irá em breve — já significa que é difícil existir esse nível de talento. Mas não é uma questão portuguesa e sim de qualquer mercado em fase inicial. Espero que em 10 ou 15 anos Portugal possa ganhar essa vantagem competitiva e que esteja mais próximo de mercados como Londres ou Berlim.
Mas Portugal já começa a estar mais no radar dos investidores internacionais, no que toca a startups? O que nos falta para ganharmos maior protagonismo?
Sim, Lisboa já começa a estar no radar de investidores (como os diferentes programas Techstars) que procuram empresas na Europa. É comum ouvir “London, Berlin, Stockholm, Tallinn, Lisbon”. Será importante para Portugal divulgar mais as startups de sucesso que já existem — poucas pessoas sabem que Portugal tem a Farfetch, Feedzai, Talkdesk, Uniplaces, etc… Isso não existia há 5 anos e é fundamental para demonstrar que a comunidade de startups já existe. De resto, é fazer mais como estas!
“Uma das qualidades de um bom investidor é conseguir criar uma relação de confiança com os fundadores e para isso é fundamental ter empatia.”
Viveu no Brasil, Coreia, Estados Unidos, Portugal, Reino Unido. Que vantagens sente que essa diversidade trouxe ao seu percurso profissional?
Inúmeras. Trabalho com empreendedores com diferentes origens, percursos, histórias de vida. Uma das qualidades de um bom investidor é conseguir criar uma relação de confiança com os fundadores e para isso é fundamental ter empatia; ter vivido, crescido e trabalhado com tipos de pessoas muito diferentes ajuda-me a ter a elasticidade necessária para me aproximar da situação do CEO/fundador.
A Techstars acredita em diversidade — mais do que um dos nossos valores, temos trabalhado no sentido de aumentar a diversidade nas empresas em que investimos; procuramos fundadores com vários tipos de background porque acreditamos que a diversidade ajuda a criar empresas de sucesso. Também estamos a aumentar diversidade nos mentores e na própria equipa da Techstars.
Como é um típico dia de trabalho para si? Que tipo de atividades a absorvem mais?
Durante o tempo de duração do programa, passo a maioria do dia em calls com os fundadores das empresas do programa, a ajuda-los na angariação de fundos, tecnologia, mercado ECT (Electronic commerce & technology). Acordo as 5h30, faço uma hora de trekking numa montanha perto de casa enquanto ouço podcasts (sobre tecnologia ou simplesmente as notícias). Normalmente entre as 9h e 20h estou em calls e no meu email. Fora do período em que o programa corre, procuro e a conheço startups. É a fase em que estou agora: passo tempo no Angellist, Product Hunt e junto de outras fontes. Em breve estarei num roadshow no Oeste dos Estados Unidos, a participar em eventos e a organizar office hours para conhecer startups.
E quando não está a trabalhar, o que gosta de fazer para recarregar baterias?
Esquiava sempre que podia, quando vivia em Portugal, mas quando me mudei para o Colorado tornei-me “viciada” em neve! Neste inverno esquiei quase todos os fins de semana. Jogo ténis e faço trekking ou corrida diariamente. Gosto de ler, ultimamente tenho lido bastante sobre física e cosmologia. E viajo muito!
Qual é o seu próximo passo? Onde gostaria de estar em 5 anos?
Eu já adoro o que estou a fazer, mas irei provavelmente continuar na área de capital de risco e a trabalhar com empreendedores. Qualquer investidor lhe dirá que são precisos anos e anos até chegar a uma fase de saturação, até porque não há nenhum algoritmo ou formação para descobrir a melhor forma de ajudar a empresa naquela situação. É um jogo de números, no fundo: com quantas mais empresas um investidor conseguir trabalhar, mais qualidade terá para acrescentar valor significativo ao seu portfolio.