José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
Há uns largos anos atrás, numa ação de formação em que participei, o tema abordado foi a criação de equipas de alto desempenho. A formação começou com a visualização de um vídeo que marcou por muitas décadas todo o meu pensamento profissional, e ação de gestão e motivação de talento subsequentes.
O vídeo mostrava a migração dos gansos do Canadá, que todos os anos fogem dos rigores do terrível inverno nesse país, e procuram as terras quentes do sul. O que mais chamava à atenção era que os gansos, de maneira muito semelhante à de uma esquadrilha de aviões em exercícios de acrobacia aérea, voavam numa perfeita formação em “V”. A ciência estudou o fenómeno, e chegou a algumas conclusões interessantíssimas que se aplicam com vantagens óbvias ao mundo corporativo.
O que aprendemos com o comportamento animal
Ao voarem numa formação aerodinâmica em “V”, os gansos reduzem significativamente a resistência ao ar, poupando o coração, que bate mais lentamente pelo menor esforço a que os obriga. Isto permite-lhes percorrer uma distância até 70 % superior à que iriam conseguir voar, caso o fizessem em fila indiana!
O mais espantoso do vídeo estava no entanto ainda para vir. Com uma certa cadência e regularidade, o líder da formação, que é literalmente quem dá o peito à força do vento, e corta o ar para que os membros do grupo não se cansem tanto, trocava de lugar com um outro ganso da formação, que vinha mais descansado pelo menor esforço que, graças à ação do líder, ele era obrigado a fazer! E o grupo lá seguia o caminho, determinado e firme.
Os gansos que vão atrás do líder na formação grasnam sem parar, animando o líder a seguir, abrir caminho, e manter o ritmo. Sempre que um ganso se desalinha e sai do seu lugar, de imediato sente que cometeu um erro, pelo maior esforço que tem de fazer para conseguir acompanhar o grupo, e volta disciplinadamente a formar-se perfeitamente alinhado com a formação em “V”.
Os grupos de pessoas que seguem a visão do líder numa mesma direção, que desenvolvem e fortalecem conjuntamente o princípio de pertença a uma comunidade, que partilham ideais, princípios e valores, e que se juntam na base da confiança e do apoio mútuos, chegam incomparavelmente mais longe do que aqueles que andam dispersos, e não alinham com a equipa.
O que mais mexeu comigo, no entanto, foi quando um ganso, por doença, cansaço ou ferimento, tinha de descer a terra. Dois gansos imediatamente o seguiam e ficavam com ele até que pudesse voltar ao caminho, ou morresse. Quando isto acontecia, a formação reagrupava-se sem parar, e seguia caminho. Os dois que desceram com o ganso doente (ou mesmo os três, caso ele recuperasse), incorporavam-se mais tarde a um outro grupo que passasse, e reuniam-se mais adiante com o seu próprio grupo.
O que nos mostra então o vídeo dos gansos migratórios do Canadá? Que há princípios básicos na criação e dinamização de equipas de alto desempenho perfeitamente adaptáveis aos humanos nas empresas. Os grupos de pessoas que seguem a visão do líder numa mesma direção, que desenvolvem e fortalecem conjuntamente o princípio de pertença a uma comunidade, que partilham ideais, princípios e valores, e que se juntam na base da confiança e do apoio mútuos, chegam incomparavelmente mais longe do que aqueles que andam dispersos, e não alinham com a equipa.
Os gansos dão-nos uma lição prática de comportamento empresarial que, como tudo na vida, nos cabe a nós adaptar e aproveitar. Tal como os gansos (e tantos outras espécies animais, que funcionam em coletivo, pense-se nas alcateias de lobos, nos elefantes ou nas hienas, que funcionam em grupo para sobreviver), o ser humano também é um ser eminentemente social, que se aperfeiçoa (comportamentalmente falando) no convívio diário com outros.
O teletrabalho e a formação de equipas
Há empresas que já declararam a sua paixão incondicional pelo teletrabalho, e outras, como a Google, onde muita gente de topo deve ter visto o mesmo vídeo dos gansos que eu vi, que já declarou querer voltar ao trabalho presencial, mal a situação pandémica o permita fazer em segurança para os seus colaboradores.
Até poderia ser que uma empresa que se converta na íntegra ao teletrabalho consiga desenvolver mecanismos de formação de equipas que funcionem minimamente (não sei como, pago para ver). Mas, pelo que já constatei ao falar com muitos amigos que estão em teletrabalho, a falta de convívio pessoal, a falta de interação com os colegas nos momentos profissionais e de descompressão (o cafezinho a meio da manhã, o almoço em grupo para trocar pontos de vista, etc.), a terrível falta de comunicação (o teletrabalho potencia à décima potência o comportamento em silos nas empresas), a falta de visão do conjunto, dificilmente permitirá às empresas que adotem o teletrabalho formar equipas motivadas, e de alto desempenho.
Por isso certamente, num inquérito de opinião realizado recentemente em Portugal por uma revista de Recursos Humanos, a esmagadora maioria dos trabalhadores (77%), que olham para este tema sem os óculos puramente mercantilistas e de curtíssimo prazo com que os gestores de topo de algumas empresas o estão a fazer, declarou ser contra a manutenção do teletrabalho após o fim da pandemia. Os profissionais da área de Recrutamento, Seleção e Gestão de Talento têm anos fascinantes pela frente!
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