José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
Na edição de 13 de Maio de um programa matinal que costumo ouvir esporadicamente, “A Cor do Dinheiro” do jornalista Camilo Lourenço (quem não consegue ouvir em direto pode fazê-lo no Youtube), ouço dizer que o Presidente da Jerónimo Martins, um dos maiores grupos empresariais nacionais, e também um dos maiores empregadores de Portugal, afirmou ter precisado de mais de 4 anos para poder obter todas as licenças necessárias à construção de uma fábrica de laticínios no nosso país. Foram mais de 5 anos para poder começar a trabalhar… Quem aguenta este compasso de espera, a não ser um empresário local conhecedor do sistema, comprometido com o país, e com capital suficiente para aguentar tantos anos sem ter entrada de receitas ?
Um empresário estrangeiro nunca se sujeitaria a este processo kafkiano, teria levado o investimento para a vizinha Espanha, e criado lá os empregos e a riqueza que os nossos políticos e burocratas teimam em afastar, apesar de todos os “soundbytes” que vão atirando aos jornalistas (que diligentemente os “compram”, e publicitam de forma acrítica) sobre os programas “simplex” da vida, como o tal programa “Companhia na Hora”, anunciado como facilitador da vida dos cidadãos (somos os maiores do mundo a inventar nomes que não correspondem ao que parecem indicar).
Efetivamente quem vai ao site ePortugal.gov.pt, é logo confrontado com a frase “Constitua a sua empresa de forma rápida e simples no balcão da Empresa na Hora”. Aquilo a que este processo dá direito, logo, logo, é a um registo na Autoridade Tributária, e ao pagamento de taxas e taxinhas de toda a ordem… Dependendo da atividade a exercer (então se for na área alimentar nem se diga), preparem-se para um viacrucis monumental de obtenção de licenças, desencorajador de qualquer atividade empresarial, e consumidor de recursos.
São poucos os potenciais empresários que têm “pedalada” financeira para aguentar os anos que demora obter as licenças necessárias para arrancar com a produção (e portanto para ter algo que vender no mercado…). Se for um pequeno empresário que recorreu a crédito e tem uma família para alimentar, então a experiência está inevitavelmente condenada ao fracasso. Quem consegue pagar as letras ao banco e alimentar uma família ao longo de 4 ou 5 anos sem ter entradas de dinheiro ?
A vivência da Jerónimo Martins trouxe-me à memória uma experiência pessoal em Lisboa há uns anos atrás. Vi passar pelas ruas do centro da cidade de Lisboa um “autocarro” de passageiros anfíbio (chamados “Duck”, pato no inglês, conhecidos internacionalmente pelos passeios combinados em terra e em água da Boston Duck Tour Company, de Boston) de uma companhia chamada Hippotrip, e decidi ir experimentar. Tive dificuldade em encontrar o ponto de partida dos tours, na Doca de Santo Amaro, e só mais tarde vim a saber a razão. A Hippotrip estava ainda no início das suas atividades, pelo que tive tempo de conversar amenamente com o guia ao longo dos 90 minutos da viagem, e tratar de saber mais da companhia, das suas origens, e do percurso autorizado. Interessou-me sobretudo saber a razão pela qual não levavam os excursionistas pelo rio até ao Terreiro do Paço, onde a vista da cidade a partir da água é esmagadoramente soberba e bela. Disse-me o guia, textualmente : “Ui, meu amigo, foi-nos estritamente proibido ir até à frente do Terreiro do Paço! Você nem sonha o que foi o processo de licenciamento desta companhia, até conseguirmos começar a trabalhar. Durou para cima de 53 meses obter as mais de 100 licenças requeridas. E ainda assim há coisas tão simples, como sinalizar a nossa presença, colocar uma setinha a indicar onde estamos, colocar um reclame, etc., que nos foram para já proibidas, ainda estamos a lutar para o conseguir….”.
A caterva de licenças requeridas para trabalhar, tanto maior quanto mais forem os organismos do Estado (os requerimentos locais, camarários, ainda complicam mais a equação) envolvidos no processo de licenciamento da atividade, é desesperantemente desincentivadora do espírito empresarial. Enquanto no setor dos serviços o processo é relativamente simples (pude constituir com um sócio de forma relativamente rápida e simples uma empresa para compra e venda de imóveis), construir uma fábrica para produzir produtos tangíveis (se forem bens alimentares fujam….) é um castigo.
Se queremos realmente atrair empresários disponíveis para investir no setor produtivo, é absolutamente crítico que se forme um grupo de trabalho de pessoas idóneas e conhecedoras da área (não de boys partidários), que fale com empresários que já passaram pela tortura de montar e licenciar uma fábrica, se faça um levantamento das dificuldades sentidas, se analise esses processos, e se vejam as medidas de simplificação burocrática que ajudem a encurtar para metade (ou menos…) o processo de licenciamento e constituição de unidades produtivas de A-Z.
Portugal ganharia muito se o fizesse, porque o país é atrativo numa série de outras características que são fundamentais para que um empresário decida investir (localização, qualidade das vias de comunicação, segurança, clima, existência de infra-estrutura portuária capaz, e em vias de ser complementada com um forte investimento em Sines, mão de obra preparada e disponível, etc.).
É uma pena que aparentemente não se vá usar parte dos fundos que virão de Bruxelas (a famosa Bazuca) para simplificar de forma radical o processo de constituição e licenciamento de empresas produtivas, de maneira a atrair empresários estrangeiros, e mesmo da diáspora, porque há por esse mundo fora muitos empresários portugueses de êxito que certamente estariam dispostos a criar empresas no nosso país, caso as condições de entorno fossem similares às dos mercados em que operam.
Leia mais artigos de José António de Sousa aqui.