José António de Sousa: Atonia e indigência na política em Portugal

José António de Sousa, colunista da Executiva, cita Antero de Quental para mostrar que Portugal segue um caminho de decadência que já leva mais de quatro séculos parece não ter fim à vista.

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais de seguros.

 

Ao arrumar e ordenar uma estante de livros que não era “visitada” há demasiado tempo, escorregou-me para as mãos, de entre os “calhamaços” de tamanho normal, um fininho mas notável opúsculo de 32 páginas, com o sugestivo título “Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos“.

Escrito em 1871 (há 152 anos) pelo imortal escritor açoreano Antero de Quental, 3 anos após ter formado o Cenáculo, em conjunto com outros imortais das nossas Letras, como Eça de Queirós, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão, o texto corresponde a um discurso que o escritor fez na noite de 27 de Maio de 1871 no Casino Lisbonense.

Tenho a certeza que Antero de Quental, apesar de ser, segundo a sua biografia, um dos fundadores do Partido Socialista Português, e de portanto possivelmente estar a militar no PS, ou ser simpatizante desse partido, não teria alterado nada se vivesse hoje. Nem uma vírgula no corpo do seu discurso, somente o título. A isso o obrigaria a sua ética pessoal. Portanto só a componente “…. nos últimos três séculos” passaria então a ser “nos últimos quatro séculos e meio”, para chegar aos nossos dias…

Deixe-me, paciente leitor, partilhar consigo um pequeno excerto do texto do imortal Antero de Quental:

“No princípio do século XVII, quando Portugal deixa de ser contado entre as nações, e se desmorona por todos os lados a monarquia anómala (hoje seria o Governo anómalo, nota minha), inconsistente e desnatural de Filipe II (hoje seria de António Costa, nota minha); quando a glória passada já não pode encobrir o ruinoso do edifício presente, e se afunda a Península sob o peso dos muitos erros acumulados, então aparece franca e patente por todos os lados a nossa improcrastinável decadência. Aparece em tudo; na política, na influência, nos trabalhos da inteligência, na economia social e na indústria, e como consequência de tudo isto, nos costumes. A preponderância, que até então exercêramos nos negócios da Europa, desaparece para dar lugar à  insignificância e à impotência. Nações novas ou obscuras (hoje estaríamos a falar da Irlanda e das Repúblicas Bálticas, por exemplo, nota minha) erguem-se e conquistam no mundo, à nossa custa, a influência de que nos mostrámos indignos.”

Há outras partes do texto tão ou mais notáveis do que esta, tão ou mais certeiras na descrição da absoluta atonia e indigência universais (intelectual, social, cultural, económica, política) a que Portugal tinha chegado em 1871 (e a que chegou em 2023), e que tanto indignava Antero de Quental (e hoje indigna qualquer ser minimamente pensante).

Mas não posso nem acho apropriado escrever uma opinião sobre um tema, fazendo-o a citar, passagem atrás de passagem, um texto que, raiva minha, não é meu. O opúsculo de Antero de Quental foi publicado em 2005 pela Nova Ática (ISBN nº 972-617-166-0), e merece ser adquirido e lido com atenção. Vão ficar arrasados quando verificarem que aquilo que se escrevia (por seres pensantes) em 1871 se aplica, ipsis verbis, à atonia e à indigência que vivemos 152 anos depois.

A nova forma de fazer política em Portugal chama-se “atirar o barro à parede “. Apetecia-me usar outro termo descritivo de uma massa castanha e pútrida, tal é a minha crescente indignação com o “state of the Union”, mas centrar-me-ei nos factos.

Após décadas de inatividade, inércia, inépcia e mediocridade, que nos levou à situação em que nos encontramos no mercado habitacional, lança-se para as redes sociais um supositório milagroso, aparentemente com ilegalidades e inconstitucionalidades, que segundo os charlatães de turno irá resolver em poucos anos um problema (falta de habitação a preços acessíveis para o nível de rendimentos que se pratica no país), que em qualquer país sério demora 1 a 2 gerações a resolver (como nos países nórdicos por exemplo), e que noutros, como na maioria dos países africanos e asiáticos, nunca se resolve (para lá caminhamos).

A proposta dos estalinistas de turno, há mais de 20 a gerir o país (com um efémero interregno em que foi preciso os bombeiros de outro partido apagarem o fogo, antes dos mesmos de sempre poderem regressar para incendiar o mato novamente), sem nada terem feito de racional e eficaz para ir paulatinamente mitigando o problema, requer uma intervenção musculada para retirar aos legítimos proprietários de casas devolutas a possibilidade de fazerem com a sua propriedade o que muito bem lhes apraz. Não dá porque é privada, meus senhores ! Não é vossa !

A forma de lidar com casas devolutas não é obrigar os proprietários a alugar o que não querem. É levá-los a tomar, eles próprios, a decisão de o querer fazer. Apesar do esforço maciço de renovação do património imobiliário no centro das nossas cidades, fruto do turismo e das regras de Alojamento Local que agora se querem arrasar, os centros das nossas cidades continuam pejados de ruínas e de casas devolutas. Crie-se legislação (ando há anos a sugerir isto) que desincentive fortemente, através de taxas dissuasórias, os proprietários de manter esses imóveis nesse estado vergonhoso, vendendo o que não querem nem remodelar, nem alugar. Muitos desses imóveis estão a ser objeto de disputas entre herdeiros. Há formas de forçar os herdeiros a que se decidam, ou a ficar com o bem (e a remodelá-lo), ou a pô-lo no mercado. França tem legislação exemplar nesse sentido, em nenhum outro país da Europa comunitária se vê  ruínas e apartamentos devolutos no centro das cidades !

Por outro lado, Sra. ministra da Habitação Marina Gonçalves, os imóveis do Estado e das Misericórdias, vazios, abandonados e degradados, também vão entrar no processo ? Deixe-me dar um par de exemplos.

  • Quartel do Regimento de Cavalaria, um quarteirão gigantesco em zona “prime” na Ramada Alta (Porto). Imóvel do Estado, vazio e abandonado. Iniciem já a construção de apartamentos de renda controlada.  Em três anos podem estar a alojar largas dezenas de famílias em apartamentos a custos controlados. Usem o PRR para isso, não para a TAP, a Dielmar, para o FACCE ou o Banco de Fomento estourar.
  • Antiga prisão militar na confluência das Ruas Antero de Quental (se ele cá estivesse…) e Damião de Gois, no Porto. Imóvel do Estado, em zona “prime”. Construam, PRR !
  • Casa a meio da Rua Visconde das Devezas, em Vila Nova de Gaia, completamente em ruínas há mais de 20 anos. Viviam várias famílias nessa casa, uma delas a da minha mulher. Só a fachada se mantém, segura por uma incrível estrutura metálica que ocupa o passeio e parte da rua ! A casa é da Misericórdia. Obrigue-se a instituição a resolver (ou para que servem as misericórdias ?): construir (dá para um edifício que albergue 5 ou mais famílias, eram as que lá viviam com áreas de tamanho que hoje já não se fazem…), ou vender ao Estado ou a particulares.
  • “Ilha” multifamiliar na Rua Oliveira Monteiro, frente ao 271. Há mais de 20 anos fechada e abandonada. Zona “prime” do Porto, dá para remodelar e colocar lá várias famílias a pagar rendas económicas. Proprietário: Misericórdia do Porto. Contactada por pessoas interessadas em desenvolver um projeto imobiliário (amigos meus), não se manifestaram disponíveis para vender, porque “têm um projeto”. Repito, abandonada há mais de 20 anos. Estado, comprar ou usar meios dissuasórios (pecuniários) para que se ponha o imóvel no mercado.

Precisaria da ajuda do ChatGPT (e o algoritmo demoraria provavelmente dias a fazê-lo) para listar os imóveis do Exército, do Estado, das Misericórdias etc. abandonados e a degradar-se por todo esse Portugal fora.

Resumindo e concluindo, os “spin doctors” do PS conseguiram o que queriam. A gritaria generalizada dos malvados (proprietários de imóveis e quejandos capitalistas e “ricos”), os telejornais em infindáveis debates, e com isso o Zé Pacóvio distraído, já não a pensar nas escandaleiras sucessivas que envolvem membros do Governo e do partido, que faziam a abertura dos telejornais dias a fio, mas nos amigos bonzinhos do PS. A sonhar que finalmente vão conseguir a tal casinha baratinha, graças às benesses que o PS generosamente lhes vai dar, à custa dos miseráveis e gananciosos proprietários de imóveis. Bora lá a votar neles, minha gente…

Para terminar, outra citação já não do Antero de Quental, mas de um homem notável, Vitor Bento, num artigo absolutamente fantástico escrito em 8 de Maio de 2022, com o título “A mediocridade”.

“A força política de António Costa reside em dar à maioria dos portugueses o que estes querem. Isso não significa que o primeiro-ministro seja um génio político. Saber o que a maioria dos portugueses pretende não é difícil, porque estes ou são pensionistas, ou trabalham para o Estado……O Estado cresceu de tal maneira, as pessoas que dele dependem são tantas, que a reforma do Estado se tornou extremamente impopular.”

Vitor Bento comete a meu ver dois erros de apreciação. Conclui que mobilizar uma coligação eleitoral capaz de ganhar as eleições e reformar o país é muito difícil. Eu acho que já o foi mais do que é hoje (professores, etc.), por muito milho que esta malta esteja a atirar aos pardais. O Estado está podre, e mesmo aqueles que lá trabalham se dão conta disso. Os polícias e GNR que trabalham em esquadras onde entra a água, e que não têm ferramentas de trabalho (coisas tão simples como resmas de papel), os profissionais de saúde que trabalham em condições miseráveis e com salários indignos, os professores, os funcionários de tribunais, lojas do cidadão, repartições públicas, etc. já se deram conta que isto tem de mudar, para que a vida deles progrida, e os filhos tenham futuro. Cá, e não em Londres, ou nos principais destinos de emigração para onde estão a ir o que de melhor formamos nas Universidades. E os pensionistas nem se fale, não é com 10 euros ou “one-offs” de 125 euros que se pagam as faturas aumentadas pela inflação. Vitor Bento conclui também que António Costa reduziu Marcelo a um corta-fitas… Aqui nem vale a pena comentar, o nosso Professor intelectualmente já aderiu ao STOP …. Só que ainda não mandou a ficha de adesão!

 

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