Isabel Viegas: “A igualdade é
um tema de negócio”

Apaixonada pela área de Recursos Humanos e acérrima defensora da igualdade de oportunidades, a diretora Coordenadora de Recursos Humanos do Santander Totta tornou o banco numa das empresas mais exemplares em matéria de diversidade de género.

Isabel Viegas também coordena o Women’s Executive Program da Universidade Católica

Desempenhou funções de diretora de Recursos Humanos na Marconi, Jazztel, e agora no Santander Totta, onde concebeu e implementou programas de conciliação entre vida profissional e familiar que levaram a que o banco fosse a primeira empresa certificada como familiarmente responsável em Portugal. Em 2013 o Santander Totta foi, também, impulsionador de um acordo promovido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, a que já aderiram mais de 30 empresas nacionais. Criou o programa “Santander és Tu” que foi adoptado como programa corporativo a nível mundial. Tem uma enorme paixão pela gestão de pessoas e os seus olhos brilham ainda mais quando fala das questões da diversidade de género nas empresas. Mas se fizesse tudo de novo teria “ido experimentar” duas ou três áreas diferentes. Depois, provavelmente, regressaria aos recursos humanos.

O que é que a experiência em empresas de áreas tão diferentes lhe trouxe?
A cada uma fui buscar experiências muito ricas. Depois da escola, foi na Marconi que fiz a aprendizagem de tudo o que sei sobre gestão de pessoas. Foi lá que aprendi a fazer uma entrevista, uma negociação com sindicatos, a estruturar um estudo de carreiras, etc.

A minha determinação pela excelência também tem raízes na Marconi. A empresa tinha uma cultura muito marcada pela excelência, por ser-se muito bom. A Marconi queria fazer melhor do que as outras empresas, ser uma empresa muito qualificada, especial. Ainda me lembro de fazermos o encontro anual e sermos recebidos pela música “We are the champions” [dos Queen].

Talvez o momento mais marcante em termos de estruturação da minha carreira tenha sido ter dado o salto de uma empresa muito boa, e que teria continuidade na PT (estávamos em processo de integração quando saí) e ter saído para uma empresa que não existia, a Jazztel.

Assumimos o compromisso de encontrar emprego para as pessoas com as quais fazíamos acordos de saída

Por que decidiu sair?
Um dia tive uma chamada de um espanhol, que não conhecia, e aceitei ir falar com ele. A Marconi era uma empresa muito hierarquizada, arrumada. E ele fala-me de algo completamente disruptivo: uma empresa onde não havia níveis hierárquicos, onde cada um usava a roupa e as cores que queria, não havia gravata, em que havia música. Mas eu estava muito comprometida com a Marconi e muito envolvida na missão de levar a empresa para a PT. No dia seguinte, tinha um bilhete de avião na caixa de correio e um cartão a convidar-me para ir a Madrid, para perceber de que empresa se tratava. Fiquei fascinada. As duas frases que mais ouvi naquele dia em Madrid foram “bienvenida” e, quando fazia perguntas, “como tu quieras”. No avião de regresso já tinha decidido: eu quero estar ali, vou fazer este start-up.

Não teve dificuldade em adaptar-se a essa nova cultura?
Não, porque havia a expectativa de criar uma coisa diferente. A primeira pessoa que queriam contratar era o diretor de Recursos Humanos, porque seria em torno dele que se queria montar a empresa. Havia uma valorização das pessoas que, para mim, foi muito importante na tomada de decisão.

E o que aprendeu na Jazztel?
O valor do cliente. Todos os dias, no final da tarde, a equipa diretiva ia toda para o call centre fazer outbound. Aprendi imenso da relação com o cliente e retive a noção de que é o cliente que me paga o salário e o das pessoas que eu ia contratando. Recordo-me que havia umas barrinhas num painel onde íamos acrescentando os clientes: 10 clientes, 50 clientes 100 clientes… É empolgante, veste-se a camisola a 100%.

A segunda aprendizagem talvez tenha sido a da importância da cultura de empresa: a autonomia, a proximidade e a informalidade, foi isso que “colou” as pessoas. “Faz o horário que quiseres, escolhe o carro que quiseres, vem com gravata ou sem gravata, como queiras, ajuda-nos é a atingir estes objectivos.” Depois, tudo se celebrava. Havia sempre champanhe no frigorifico.

Até na hora da saída a empresa atuou de forma diferente.
Tivemos de fazer o downsizing da Jazztel, reduzindo a empresa ao máximo para a vender. E cada um dos elementos do board tratou de um aspecto. O CEO da venda, eu das pessoas, etc. Assumimos o compromisso de tentar encontrar emprego para todas as pessoas com as quais fomos fazíamos acordos de saída. Passado pouco tempo toda a gente estava colocada.

No Santander a missão inicial era unificar a cultura, as marcas e o modo de liderança. O projeto era construir e olhar para a frente.

Da Jazztel, deu o salto para uma área completamente diferente. Foi um novo desafio.
Havia a hipótese de eu ir para a Jazztel em Espanha, mas eu não queria sair de Portugal, por razões familiares, por isso fui à procura de outro projeto. Naquela altura não era difícil arranjar emprego. Lembro-me de estar em quatro processos. Escolhi o Santander. O que me atraiu foi o desafio da dimensão: será que sou capaz de agarrar num banco com 8 mil pessoas, enquadrado num grupo com 180 mil pessoas? Além disso, a equipa que estava na direção do banco, era conhecida no mercado como sendo muito boa, pelo que eu ia aprender, crescer.

Entrei em 2003. O Santander tinha comprado o Totta e o Crédito em 2000, mantendo-se ainda culturas distintas. A missão era construir uma empresa única. Queríamos unificar a cultura, as marcas e o modo de liderança. O projeto era muito de construir e olhar para a frente.

E nos primeiro tempos no Santander foi a essa unificação da cultura a que se dedicou?
Os primeiros três anos foram muito difíceis, mas depois comecei a ver resultados. Precisei de conhecer o banco, o negócio. Eu sabia o que eram antenas e feixes hertzianos, não sabia o que era um derivado. Entrar, ter as histórias da casa, perceber a cultura… durou até 2006. Quando propunha as coisas, elas andavam e a administração sempre mostrou abertura para fazer coisas diferentes do que era corrente. Dediquei-me também a fazer o rejuvenescimento do banco. Fazíamos centenas de reformas e de novas admissões, e introduzimos uma cultura nova, de banco único, Santander. Fui beber muito a Espanha, à corporação, que foi uma excelente retaguarda naqueles anos iniciais.

Acreditávamos que era possível continuar a ter resultados extraordinários, fazendo de forma mais equilibrada a gestão das pessoas.

Quando começou a preocupação de ser um banco socialmente responsável e com preocupações com a diversidade?
O banco sempre teve preocupações sociais. Mas a partir de 2006 esta noção de que era importante “equilibrar o banco” começou a ser mais trabalhada. Acreditávamos que era possível continuar a ter resultados extraordinários, fazendo melhor, de forma mais equilibrada, a área da gestão das pessoas. Acreditávamos que podíamos continuar a ser um banco business oriented, mas ter também uma postura de people orientation. Lembro-me de termos comentado nessa altura que um dia o Banco ganharia um prémio por ser o melhor banco para se trabalhar. Quando o ganhámos, esse prémio teve muito significado.

Realizámos o primeiro Questionário de Clima em 2006, tivemos aqui o primeiro diagnóstico, repetimos em 2007 e, desde então, temos vindo a introduzir as medidas que, em cada momento, surgem como de maior impacto para os colaboradores.

Quais os resultados desses inquéritos?
Essa medição de clima disse-nos que o orgulho de trabalhar no banco, já na altura, era elevado, que o compromisso das pessoas com o banco e o foco no cliente já cá estavam, que o alinhamento e a confiança na administração, eram pontos fortes desta casa. Mas saíram outros resultados mais fracos: a conciliação da vida profissional com a vida privada – melhor do que os padrões da banca, mas não eram resultados que nos agradassem.

Eu tinha a convicção muito forte de que era possível, sem perder negócio, fazer melhor a gestão das pessoas. Mas era preciso termos números para credibilizar esta convicção. Estes inquéritos permitiram a tangibilização desse feeling: de que podíamos fazer alguma coisa nestas matérias.

Começámos também a fazer entrevistas de saída e descobrimos que este desequilíbrio estava um pouco presente na decisão de sair do banco. Com estes indicadores foi possível mudar. “Se há um problema vamos melhorar, vamos fazer um plano de ação.” As primeiras medidas de conciliação apareceram nesta altura.

Primeiro fomos agindo no tema da conciliação, para que as mulheres sentissem que estavam criadas as condições para irem assumindo cargos de maior responsabilidade.

Por onde começaram?
Num dia divulgamos três medidas: a dispensa da tarde de aniversário aos funcionários com filhos até 12 anos; a criação dos “libras” (trabalhadores temporários que substituem as mães em licença de maternidade); e a criação de um seguro de saúde complementar ao SAMS. Comunicámos essas três medidas e simultaneamente informámos os resultados do inquérito de clima e assumimos o compromisso de introduzir duas novas medidas de conciliação por ano. Foi o início do programa. Depois fomos ouvindo o que os colaboradores iam dizendo e tomando medidas.

E em relação à política de diversidade?
Alguns indicadores nos questionários mostravam que as mulheres tinham mais dificuldade em conciliar do que os homens. Primeiro fomos agindo no tema da conciliação, para que as mulheres sentissem que estavam criadas as condições para irem assumindo cargos de maior responsabilidade. O tema foi colocado sob gestão em 2007, através da realização das conferências sobre a mulher, uma ideia que nasceu em Portugal (Espanha fez uns anos mais tarde).

Dirigida só a mulheres, assumimos que era o momento no ano de fortalecimento das equipas diretivas em relação a temas atuais para se formarem, qualificarem, e fortalecer para poder desempenhar funções de maior responsabilidade. Tive imediatamente a consciência de que ou fazíamos uma conferência em que não falasse de mulheres, ou estaria condenada ao fracasso. Na primeira edição falámos de negócio bancário e havia um bocadinho no programa em que se fazia o retrato da mulher no Santander, en passant. No segundo ano estivemos na Casa da Música, no Porto, e falou-se sobre a crise, que estava a rebentar. E também tivemos um bocadinho mais ligado às mulheres.

Como tem oradores extraordinários, a conferência foi ganhando amplitude, e tem muito impacto dentro do banco. Decidimos, pois, em 2015, fazer já uma conferência na qual mulheres e homens diretivos estiveram presentes falando do tema da igualdade de género como um bom negócio. As mulheres estão suficientemente preparadas e têm vindo a provar isso porque entretanto os números forma surgindo.

Temos um tableau de bord, com imensos indicadores quantitativos de género, que estamos a monitorizar.

Além da conferência, que outras medidas foram implementadas no Santander para estimular a ascensão de mulheres a cargos de topo?
Temos um programa de formação só para mulheres, com um bloco sobre negócio bancário, um bloco de formação comportamental (liderança e negociação) e o terceiro sobre temas de gestão de carreira. E começámos a ter um tableau de bord, com imensos indicadores quantitativos de género, que estamos a monitorizar.

Que realidade é que esses números expressam?
As mulheres representam 46% do universo do Santander, um banco muito equilibrado do ponto de vista de género. Temos 33% de mulheres em cargos diretivos. Mas ainda temos uma realidade para melhorar quando subimos na hierarquia. O número de mulheres em funções de direção tem vindo a aumentar. Nas direções dos balcões, nas direções comerciais ou nos serviços centrais. E acabámos de nomear uma administradora não executiva, a Dr.ª Isabel Mota. Esta preocupação está na agenda, está sob gestão.

Em 2013 o Santander foi impulsionador do acordo promovido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE), a que aderiram várias empresas nacionais, para promover, nas suas organizações, medidas para a igualdade de género.
O IGEN nasceu por iniciativa da CITE, que convidou um grupo de empresas a criar um fórum de reflexão sobre estes temas da igualdade de género. Manifestei a disponibilidade do banco para entrar num grupo, que fosse para além da reflexão, que fosse gerador de medidas concretas nas empresas. E foi assim que se estruturou o IGEN. Começámos com 21 empresas, já são mais de 30 e este ano vamos fazer nova cerimónia de adesão porque há mais empresas em condições de poderem entrar.

As empresas que consideram estar em condições de pertencer ao IGEN fazem um diagnóstico com o apoio da CITE, assinam um protocolo de adesão e um mapa com as medidas que se comprometem a implementar no próximo ano.

A conciliação não é um tema das mulheres. É das mulheres e dos homens, as medidas aplicam-se aos dois géneros.

Que iniciativas o Santander se comprometeu a tomar?
Tomámos medidas que têm muito impacto, como o seguro de saúde complementar ao SAMS, a dispensa da tarde do aniversário dos filhos, a não transferência de mães durante o período de aleitamento, ou a sensibilização muito forte para que os pais utilizem a licença de parentalidade. Há o programa da bolsa do libra (substituição temporária de grávidas), temos um regime de trabalho a tempo parcial mais favorável do que a lei, os pais e as mães que pertencem a associações de pais também têm mais dias para o apoio a essa atividade do que aqueles que estão estipulados na lei. Temos medidas de apoio financeiro às famílias. E este mês introduzimos uma nova medida: o Acordo Coletivo de Trabalho prevê que os bancários tenham um prémio de antiguidade, mas não podem ter faltas, se não aquele ano é descontado. Nós decidimos retirar da “penalização” as ausências provocadas por gravidez de risco.

São sempre medidas pensadas para facilitar a conciliação da vida profissional com a vida privada?
A conciliação não é um tema das mulheres. É das mulheres e dos homens e as medidas aplicam-se aos dois géneros. Os temas principais são a conciliação e a formação. Mas também é necessário prestar atenção ao tema do género nas promoções. Há muitas mulheres e homens com boas avaliações, por exemplo, como gestores de clientes, mas no momento das promoções a diretor de balcão, se não estivermos atento ao tema, a realidade pode tender para o homem. Isto hoje é monitorizado no banco e equilibrado. Sempre com base no mérito.

As empresas não se podem dar ao luxo de perder talento.

É interessante que a Isabel sempre posicionou esta questão como sendo de negócio e não em sede de responsabilidade social.
Eu sempre disse que este tema da igualdade de oportunidades só evolui pela consciência de que é um tema de negócio. As empresas não se podem dar ao luxo de perder talento: pessoas extraordinárias que não chegam aos cargos só porque são mulheres. E têm de representar o mercado, que é feito de homens e de mulheres. Imagine que tenho uma empresa que vende para homens e mulheres, mas quem toma as decisões sobre os produtos que põe à venda são só homens. As empresas têm de ser o espelho do mercado. Eu diria que, no limite, é também um tema de justiça. Não de responsabilidade social.

Mas afinal, porque é que as mulheres não estão a ascender mais a cargos de chefia?
Porque o tema não está a ser gerido. Tem de estar sob gestão das administrações, dos recursos humanos porque se assim não for, a realidade não muda. Não muda por temas culturais, não de falta de mérito de um dos géneros. E é preciso estar atento aos temas salariais. Se não o fizermos, as mulheres, mesmo evoluindo nas carreiras, correm o risco de ganhar menos. Esta é uma realidade à qual estamos muito atentos no Banco.

Não é uma questão de qualificação, não é uma questão de vontade, é mesmo um tema cultural.

Há quem diga que não há mais mulheres em cargos de gestão porque elas não estão interessadas em ascenderem a essas funções, têm outras prioridades.
Não estou nada de acordo. A minha experiência não me diz isso. Quando perguntamos, o que nos dizem é que “se não conseguimos conciliar não podemos assumir mais responsabilidades”. Não é uma questão de qualificação, não é uma questão de vontade, é mesmo um tema cultural. E o que me entristece é ver que na raiz esta questão cultural não está a mudar com a velocidade que seria necessária. Desde a infância que nós perpetuamos realidades que vão ter forte impacto nos comportamentos dos adultos. Os brinquedos são um bom exemplo: os rapazes não têm experiência de cuidar porque não brincam com bonecas; as raparigas não jogam à bola e não criam a experiência da competição.

Claro que haverá sempre algumas mulheres que entenderão que o seu percurso não passa pela ascensão numa empresa. Que dirão “Eu não quero”. Mas também acho que vamos começar a ter cada vez mais homens nesse núcleo…

Sheryl Sandberg, número dois do Facebook e autora de Faça acontecer, defende que as mulheres não têm tanta ambição como os homens.
Acho que a ambição também é um pouco cultural. Fomos educadas a ser menos ambiciosas. Na minha geração e até na mais nova está “tudo escrito”, “tatuado” no nosso cérebro. É preciso um esforço para sair destas “teias”. À medida que as gerações vão sendo mais informadas, mais qualificadas, eu diria que grande parte disto se quebra. Demora é muito tempo.

Por isso é que muitas pessoas defendem as quotas, para mais rapidamente produzir mudanças. Qual é a sua opinião?
Aprendi no Santander a gerir por objetivos. Acredito que, em tudo na vida, se não se puser um objectivo, as coisas não avançam. Se aspirar muito uma coisa, tenho de por metas para lá chegar. Eu sou claramente a favor das quotas neste sentido: os governos, as empresas, os boards colocarem objetivos quantitativos relativamente a este tema da igualdade de oportunidades entre géneros. Se assim não for, não acelera. É como o antibiótico, não gosto, mas se estou doente tenho de o tomar para acelerar a cura.

Claramente é mais salutar que sejam as empresas a colocar os seus objetivos, no momento em que estão maduras para tal, do que haver imposições legais. As empresas têm hoje sistemas de avaliação de desempenho estabilizados e sabem onde estão os talentos, homens e mulheres. Quando as mulheres estiverem representadas em números equilibrados nas administrações, irão cometer erros, como os homens.

É normal as mulheres que vão ser promovidas me dizerem “Não sei se estou preparada”. Os homens celebram melhor as promoções…

As mulheres estão é mais escrutinadas e parece que não têm direito a falhar.
Uma das coisas que a idade me trouxe (e talvez o facto de estar muito desperta para este tema e de ler muito sobre isto) é saber que eu tenho direito a falhar. Cometo erros. Tomo tantas decisões por dia, algumas hão de ser decisões menos bem tomadas.

Mas é verdade: as mulheres têm muitas barreiras, muito medo de falhar, porque achamos que o impacto de um erro seu é sempre muito grande. Está mais uma vez na nossa cabeça… É normal as mulheres que vão ser promovidas me dizerem “Não sei se estou preparada”. Os homens celebram melhor as promoções…

Por que é que a formação em gestão de carreira é dirigida só às mulheres?
Há imensos equívocos na construção de uma carreira das mulheres. A nossas mães ensinaram às suas filhas imensos preconceitos, Para dar dois exemplos, uma menina não ocupa muito espaço à mesa, não fala mais alto do que os outros. Aos rapazes, a educação vai noutros sentidos. É o equívoco da educação. O segundo equívoco tem a ver com imitar os papéis “masculinos”. Algumas mulheres consideram que para evoluir têm de se comportar ”como um homem”. E nós, mulheres, estamos cheias de preconceitos, equívocos, deficiente definição de papéis, etc. É importante trazer ao de cima os estereótipos, os obstáculos ou, como eu chamo, os “desaceleradores” das suas carreiras.

As mulheres que têm talento e estão preparadas, chegaram, como eu digo, “à porta”. São extraordinárias como número dois. Os números 1 adoram estes números dois: fazem tudo perfeito, têm um delivery extraordinário. Falta-lhes também dar um murro na mesa se for preciso, ocupar espaço na mesa de reuniões, ou fazer ouvir a sua voz se os outros falam por cima da sua. Falta-lhes saber colocar-se “no radar” e saber como dizer “Eu estou aqui”, ganhar visibilidade na organização. Aprender a dizer não, ser mais assertiva. Isto exige mudanças comportamentais. Mas é muito difícil. É aprender a mudar muito do que nos foi ensinado. E treinar como fazer para ter impacto. Por isso eu sou uma fã das “receitas” em formação comportamental.

No programa Women in Business, da Universidade Católica, são trabalhados mais de 70 aceleradores de carreira

É esse também o enfoque o objectivo do Women’s Executive Program da Católica, com que colabora?
A Universidade Católica pediu ajuda para estruturar o programa Women in Business, que está prestes a iniciar a sua terceira edição. O programa tem 15 participantes em cada edição e dirige-se a mulheres com muita experiência, todas em cargos diretivos, mas não de primeiras linhas nem no board, com muito boas avaliações nas empresas e que podem vir a ascender na hierarquia. Neste programa são trabalhados mais de 70 aceleradores de carreira, que são mudanças comportamentais que têm de vir a fazer.

E saem com um plano de ação?
Sim, com um trabalho de casa muito concreto, que são as próprias executivas que definem. A primeira parte do programa é desconstruir estereótipos e tem a ver com o uso do poder. Estas mulheres têm imenso poder, mas não o usam. Nas primeiras sessões, começam a descobrir isso. “De facto, é verdade eu podia dizer e não digo, podia fazer e não faço, podia recusar e não recuso, podia ir e não vou…”

No final, saem com uma cartilha para exercitar as mudanças. E saem com objectivos concretos: por exemplo, têm de fazer quatro novos contactos por mês, para ir aumentando a sua rede. Tem de fazer novos contactos e partilhar os seus contactos com outros contactos. E começam por fazer isso entre elas. Tem sido extraordinário ver as mudanças que as mulheres que participam no programa vão introduzindo nos seus contextos profissionais. As mulheres entregam-se muito, quando entram numa coisa é para fazer bem feito, tirar o maior partido, aproveitar.

As mulheres não sabem fazer networking?
Não, porque temos pouco tempo para o fazer. Construir uma rede e mantê-la exige dedicação, logo, tempo. Quando saem das empresas, para a maioria das mulheres espera-as uma realidade familiar que não querem descurar.

As mulheres são mais prudentes na gestão do dinheiro

Acha que há um estilo de liderança diferente entre mulheres e homens?
Acho que o estilo de liderança das mulheres está enraizado naquilo que foram as aprendizagens da infância. Temos lá tudo: o cuidar, nalgumas a competição e outras competências que fazem parte da liderança. Há o foco que as mulheres têm muito por causa da gestão de tempo, que foram aprendendo a fazer de maneira mais optimizada. Somos muito negociadoras e mais manipulativas. Os homens são mais frontais. Temos características que os homens não experimentaram ou tiveram em menor dose. Os homens serão mais agressivos, menos focados na pessoa e no processo e mais no resultado.

 Jonas Ridderstråle, o autor de Funky Business e Capitalismo Karaoke disse que “se o Lehmann Brothers fosse Lehman Sisters provavelmente ainda estaria de pé”. Acredita que as mulheres são mais sensatas, prudentes e éticas na gestão de dinheiro?
Sim, as mulheres são mais prudentes. Por isso a questão da complementaridade das equipas é tão importante. Porque um banco, por exemplo, só de mulheres também poderia ir à falência. Sou muito pelo equilíbrio. Se tiver homem e mulheres, temos lá os “condimentos” todos para potenciar mais sucessos e menos desastres…

Tem duas filhas (de 28 e 31 anos). Qual o conselho que lhes daria se elas fossem jovens gestoras?
Preparem-se muito bem, estudem, nunca deixem de fazer formação, ouçam, vejam, viajem, criem redes. Sejam assertivas e afirmativas. Ocupem o vosso espaço como gestoras. E procurem o equilíbrio de género nas equipas que construírem.

Se voltasse atrás, o que faria de forma diferente?
Mudaria poucas coisas. Criaria uma rede de contactos muito mais cedo. Só tive a noção da importância do networking muito tarde. Teria ido ver mais mundo, saído mais do que saí (sou de uma geração em que se saia menos). E não faria uma carreira de especialização, sempre em Recursos Humanos. Teria ido experimentar duas ou três coisas e depois, provavelmente, regressaria aos recursos humanos, porque tenho uma paixão por esta área.

Alguma vez se sentiu discriminada?
Uma vez, há muitos anos. Tinha 22 anos. Quando terminei a faculdade, concorri a um processo de seleção e uma das empresas onde cheguei ao final do processo era uma farmacêutica. Fiquei à espera da resposta até que me ligou o presidente da empresa, um senhor estrangeiro que me disse: “Isabel gostámos muito de a conhecer, mas nesta fase da sua vida, de certeza, vai constituir família, começar a ter os seu filhos, por isso vamos optar pelo outro candidato que é um homem”. Chorei na altura. Mas depois pensei: se é uma empresa que pensa assim, eu também nunca lá estaria bem. Se calhar vem deste episódio a minha consciência deste tema da igualdade de género…

Desde esse episódio nunca mais me senti discriminada, mas há alguns momentos em que tenho tipo que gerir a situação. Por exemplo, numa reunião um homem disse-me: “Ó filha”. Não se pode deixar passar em branco! Pensei durante cinco segundos e decidi tratá-lo de igual modo. E quando me dirigi a ele disse “Ó filho”. Há momentos em que o género aparece: “Ah, a Isabel está aqui, não podemos dizer palavrões”. Eu respondo: “Conheço-os todos”. Temos de saber lidar com a situação no momento, de forma positiva, não com más disposições.

Nós temos o privilégio de ser de uma geração que está a poder contribuir para a evolução de um tema, que, como disse, é de negócio e de justiça. É uma fantástica oportunidade.

CV

Isabel Viegas é diretora Coordenadora de Recursos Humanos do Banco Santander Totta, desde Fevereiro de 2003. Licenciada em Psicologia (ISPA) e Mestre em Políticas e Gestão de Recursos Humanos, foi diretora de Recursos Humanos da Jazztel e Responsável de Recursos Humanos da Marconi. Na CATÓLICA-LISBON, é membro do Conselho Estratégico da Formação de Executivos e, desde 2006, docente na licenciatura em Administração e Gestão de Empresas, onde leciona a disciplina “Gestão de Recursos Humanos” e de vários programas de Formação de Executivos.

É membro do Comité Europeu de Empresas e do Observatório de Comunicação Interna, em ambas as instituições em representação do Banco Santander Totta e do Conselho Editorial da Revista RH Magazine.

 

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