Não há hipótese. Seja no café, nas lojas, na rua, no escritório (das poucas vezes que lá vamos), em casa, no restaurante, a conversa é sempre a mesma: a vacina.
Se já foi vacinado, se não foi e porquê; qual a vacina – a que se segue um longo perorar sobre as vantagens e desvantagens da mesma, com todo o tipo de considerações cientificamente duvidosas, adquiridas noutras tantas conversas de ocasião e nas omniscientes redes sociais; em que posto foi vacinado e quanto tempo esperou; se teve reacções, se foram só na primeira ou na segunda dose, e em qual foram mais acentuadas; em caso afirmativo, logo se segue a respectiva enumeração, desde as mais frequentes dores no braço ou febre, cansaço e prostração, até às menos usuais tonturas e vertigens, em certos casos surgidas mais de uma semana após a inoculação!
Mas não acaba aqui: ouvem-se elogios ao vice-almirante Gouveia e Melo (que, cumpre dizê-lo, acho bem merecidos): “Se não fosse ele…”. Seguem-se descrições dos seus movimentos. “Imagine que uma amiga minha estava no posto de x… e ele apareceu por lá… apesar daquele ar duro de militar foi muito simpático, falou às pessoas…”; e a conversa prossegue, passando da experiência pessoal de vacinação para a dos familiares, maridos, filhos, quase chegando ao cão, gato e periquito… e o mais incrível é ver o ar de interesse com que os interlocutores escutam estas infindáveis descrições, aguardando ansiosamente o momento de, eles próprios, contarem a sua emocionante experiência.
O monstro com que vivemos
E assim se passa este Verão, e a conversa não varia muito, pois da vacina salta para a confusão dos sucessivos confinamentos: “Já não sei a quantas ando, se posso ir a um restaurante sem certificado de vacinação…”. Ao que logo outro responde, muito douto e informado: “Então, isso é só ao fim de semana!” Sim, porque todos nós sabemos tudo e não sabemos nada, andamos confusos com tanto abre e fecha, com tanto concelho com limitações de circulação e recolheres obrigatórios dos quais já ninguém quer saber, porque a confusão é total, e está instalada.
Mas a conversa não fica por aqui. Há os “infectados”. Quais os que tiveram sintomas – e estes também são exaustivamente enunciados — e quais os que passaram “uns chatíssimos 15 dias em casa, sem sentir nada de especial”. Destas, às histórias de “terror” sobre quem não tinha idade, nem doenças que justificassem ter estado ligado à máquina, é um instantinho, e este “fado” que nos corre nas veias, esta propensão tão portuguesa para a fatalidade de imediato vem à tona e a conversa atinge laivos arrepiantes, que me recordam vagamente o pavor que sentimos da primeira vez que vemos o clássico Alien, de Ridley Scott, em que sentimos a presença do monstro sem o ver. Mas sabemos que está lá, e que vai fazer mal, muito mal.
E é com este monstro, também invisível, mas omnipresente, que estamos a viver, já há um ano e meio, e não sabemos por mais quanto tempo, ou se para sempre, até. Certezas, não há nenhumas, ou melhor, apenas uma: disto não nos livramos tão cedo, apesar de, como diz o ditado, a esperança ser a última morrer, e todos acreditarmos, mais, desejarmos ardentemente, o regresso a alguma “normalidade” (o que quer que isso venha a significar), depois de estarmos todos vacinados.
Mudemos a conversa
E cá voltamos à vacina. Não é por acaso que é o tema mais “quente”, o mais importante, de todas as conversas deste verão. É que todos já percebermos que, se mesmo com a vacina, nada é garantido, então sem ela estaríamos no fundo, mesmo no fundo, dum buraco negro sem fim. A vacina, pelo menos, faz-nos vislumbrar uma luzinha ao fundo do túnel, dá-nos uma esperança, faz-nos sentir algo protegidos, e isso dá-nos ânimo para continuar a atravessar este período tão complicado da nossa história.
Assim, caros leitores, as histórias da vacina vão continuar. Quando os maiores de 15 anos estiverem vacinados, e os relatos das experiências estiverem esgotados, já se fala na necessidade da segunda dose para a Janssen, e da terceira para a Pfizer, Moderna e Astra-Zeneca. Por isso, não nos preocupemos – se faltar como tema de conversa um bom livro, uma boa música ou até uma boa viagem (que estas ultimamente têm rareado!), existe sempre a vacina, esse tema fascinante e com tantas facetas que permite manter todos acordados um serão inteiro.
Em prol da minha saúde mental, vou tentar começar a falar doutras coisas, a ver se pega. Afinal, a vida não pode ser só este “novo mundo doente” da Covid 19. Como dizia alguém, com quem muito me identifico: “Éramos tão felizes, e não sabíamos”. Mas podemos sempre voltar a tentar e, quem sabe, isso também passe por mudar de conversa.
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