Fui a primeira mulher na minha família a…

Verónica Passos, consultora de Comunicação e Gestão de Marcas que desenvolveu o conceito de “Diretora de Marketing Virtual” dirigido a PME sem departamento de Marketing, faz uma reflexão sobre as suas conquistas. Uma inspiração para outras mulheres para que consigam ser a primeira mulher na sua família que...

Verónica Passos é consultora de Comunicação e Gestão de Marcas.

Senti que este era o momento de me expressar, de purgar a dúvida, a voz do impostor, de mostrar a minha história, por mais que me assuste. Tenho orgulho em mim, no meu percurso, e quero inspirar quem, como eu, cresceu com tão pouco, no meio de tanta dor, confusão e morte, mas ainda assim se superou e conseguiu ser a primeira mulher a…

Fui a Primeira Mulher na família a:

  • Formar-me (Licenciatura em Design Industrial);
  • Comprar casa, sozinha (aos 25 anos);
  • Tornar-me independente financeiramente;
  • Viajar pelo mundo (18 países “so far”, algumas vezes sozinha);
  • Ser convidada para trabalhar fora do país (Londres)
  • Formar-me em Yoga e Meditação;
  • Fazer voluntariado em África (São Tomé e Príncipe);
  • Permitir-me amar mais do que uma pessoa na vida;
  • Permitir-me ser Livre e ser eu mesma.

 

Poderia ser uma história comum, mas não é! Perdi o meu pai, aos 14 anos, com uma doença que era um estigma nos anos 90 e me obrigou, a mim e à minha família, a escondermos a verdade. Os anos que se seguiram foram de muita luta e foco, tinha de me tornar independente rapidamente (deixei para trás a adolescente que não teve tempo de viver).

Comecei o meu percurso pelo Design, porque era nas Artes que mostrava maior aptidão. Nunca soube o que queria ser e nem nunca os meus pais me souberam dizer o que poderia ser (eles não tinham esse conhecimento). Tive de me esforçar mais que os meus colegas de faculdade para conseguir ter notas que dessem acesso a uma bolsa de estudos (a minha mãe sozinha não tinha capacidade para pagar a faculdade).

 

Terminado o curso, tive a coragem de recusar a minha primeira oferta de emprego, numa das maiores agências de publicidade em Lisboa (da altura), porque era um estágio não remunerado. Eu sabia do meu valor e sabia que precisava de ganhar dinheiro rapidamente, não poderia nunca aceitar aquela oferta. Essa recusa (incrivelmente apreciada por quem me estava a entrevistar), levou a que me recomendasse para um pequeno atelier de design que procurava alguém em início de carreira: era eu.

A minha vida sempre foi feita destes “desencontros” e oportunidades que eu mesma criei. Fui designer gráfica durante 12 anos, depois segui para o marketing digital, porque sentia que precisava de um impulso na carreira (em 2013, foi um tiro certeiro), acumulei as duas áreas numa mesma função, fui chamada para trabalhar em Londres e voltei a Portugal. Entrei no departamento de marketing de um banco, por candidatura espontânea – sempre acreditei que somos nós a fazer o nosso trilho. Às vezes achamos que é sorte, mas muitas vezes somos apenas nós que acreditamos muito.

Pelo caminho fiz um curso de Yoga e Meditação que transformou a minha vida, deu-me um conhecimento de mim, do meu corpo, da minha saúde física e mental, uma clarividência que me mudaria para sempre.

Depois da minha experiência no banco, voltei a candidatar-me de forma espontânea para uma outra empresa, explicando-lhes porque precisavam de mim e como eu poderia fazer a diferença. Dois anos depois da primeira conversa com os CEO dessa empresa, chamaram-me para ser diretora de Marketing.

Porque sou uma eterna irrequieta com o status quo, após esta experiência profissional decidi fazer um período sabático, para viajar e fazer voluntariado em São Tomé e Príncipe. Este período abriu-me as portas para a minha atual situação profissional como consultora independente, trabalhar 100% remotamente, na área da comunicação e marketing digital. Adoro o que faço, mas acima de tudo gosto de ajudar as empresas a trilharem o caminho da comunicação e do marketing digital, quando lhes falta tudo nestas áreas.

Gostava que miúdas como eu fui, no início de vida, sem rumo, pouca autoestima e muito pouca orientação sobre o futuro, se inspirassem e vissem como nós podemos mudar o rumo de toda uma família e sermos as primeiras a abrir espaço para as gerações seguintes terem outras oportunidades.

 

Se calhar para muitas pessoas que leem o resumo desta minha história, não parece nada de especial, mas o que torna tudo isto especial, foi a forma como tudo começou e poderia ter tomado um rumo totalmente diferente. Ter nascido numa família de classe média baixa, comerciantes, onde nunca houve abundância e muitas vezes até faltou dinheiro, pais com apenas a 4.ª classe que nem sabiam bem o que estudar numa faculdade podia proporcionar, é muita coisa! Gostava que miúdas como eu fui, no início de vida, sem rumo, pouca autoestima e pouca orientação sobre o futuro, se inspirassem e vissem como nós podemos mudar o rumo de toda uma família e sermos as primeiras a abrir espaço para as gerações seguintes terem outras oportunidades.

A essas meninas gostava de partilhar que o que em mim fez diferença (toda), foi nunca ter desistido de mim e ter sempre acreditado em mim, mas também ter tido a sorte (da vida) de ter entrado para os Escuteiros e lá ter encontrado a minha tribo, que me influenciou positivamente e me mostrou um mundo que desconhecia (os estudos, a faculdade, a possibilidade de ter uma profissão e uma condição de vida mais confortável).

Aos 14 anos, com a morte do meu Pai, acreditei que só podia depender de mim ter sucesso e que teria de ser forte para “não dar trabalho a ninguém”. Esse nível de exigência levou a que me tornasse a pessoa mais exigente comigo mesma, a não poder falhar e, muitas vezes, duvidar de mim. Neste percurso, fui sempre “acompanhada” da voz do impostor, que tentou enganar-me e diminuir-me. Tantas vezes duvido de mim, de quem sou, das minhas capacidades. Às vezes, como agora, tenho de voltar à minha história e recordar cada um destes momentos para silenciar esta voz.

Aprendi a gostar de ler livros já em adulta (nunca tinha lido), porque ninguém me tinha ensinado a gostar. Hoje leio, leio muito, e sonho com o que ainda posso ser e me transformar. Vivo a vida e agradeço todas as oportunidades que tive e vou continuar a ter, porque somos nós que trilhamos o nosso caminho.

(Obrigada, Mãe! Mariana e Madalena (minhas sobrinhas) este texto é para vocês.)

 

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