Marta Carvalho Araújo, cofundadora da Neonia — um espaço de entretenimento no Porto que usa as novas tecnologias para contar a história do Porto — define-se como uma cientista que se transformou em executiva. Tem um doutoramento em Química, formações executivas realizadas na Harvard Business School (Estados Unidos) e na IESE Business School (Espanha), e um MBA pela Porto Business School. Quando terminou o doutoramento, Marta Carvalho Araújo sonhava com uma carreira académica, mas acabou por aceitar o convite para diretora de marketing, comunicação e vendas da Castelbel, onde desempenhou o cargo de CEO entre 2018 e 2020. Sob a sua liderança as marcas próprias Castelbel e Portus Cale passaram a ser vendidas em mais de 60 mercados e a valer cerca de 75% da faturação da exportadora nortenha. Entre 2020 e 2022 foi administradora não executiva da Castelbel, fundou uma startup (que detém a marca Neonia) e aceitou o desafio da Saint Gobain para CEO da Saint-Gobain Sekurit Service Portugal e diretora-geral da Glassdrive. Desde o início de 2024 que gere a Neonia, um espaço de entretenimento no Porto que usa as novas tecnologias para contar a história do Porto.
Como surgiu a ideia da Neonia e o que traz de novo ao Porto e ao país?
Este museu – a que, na brincadeira, costumamos chamar “antimuseu”, porque, para além de um espólio de pinturas murais e esculturas únicas no mundo, contém elementos invulgares neste tipo de espaços (como espelhos infinitos, experiências de eletromagnetismo e lasers, painéis digitais, e até um escorrega!) – é um centro de entretenimento multissensorial que combina arte, história, ciência e tecnologia.
Foi idealizado pela Vera Mata e ganhou vida depois de uma conversa casual entre ela e o nosso sócio Aquiles Barros, 16 anos depois de se terem conhecido num programa da RTP chamado 4 x Ciência, neste episódio dedicado a Perfumes e Sabonetes.
Aqui, mais do que ensinar, pretendemos entreter. Posto de outra forma, eu diria que estamos para alguns museus convencionais como ver um filme está para ler um livro.
O que a levou a deixar a Glassdrive para se dedicar a 100% a este projeto?
Eu adorei trabalhar na Glassdrive! Fui extremamente bem tratada tanto pelo Grupo Saint-Gobain como pelos clientes, franquiados e fornecedores da empresa que dirigi. E fui acarinhada por colegas a todos os níveis, tanto à entrada como à saída (o que não é surpreendente… por alguma razão lhe chamam “top employer”).
Por isso, custou-me imenso ter de pedir para sair!
Mas há momentos na vida em que sentimos que já não dá para tudo, e eu estava quase, quase a partir… Durante a semana, dedicava-me de corpo e alma à Saint-Gobain Sekurit Service. Ao fim de semana, era diretora administrativa e financeira da Illusionarium, empresa que cofundei para deter a marca Neonia. Algures entre uma coisa e outra, dava aulas em escolas de negócios. E comecei a ter de dizer que não a muitas atividades que antes me davam prazer, como escrever, dar palestras, participar em eventos de fóruns e redes de empresários a que ainda pertenço.
Ainda por cima, como me conheço bem (desde que tive um esgotamento nos tempos da faculdade, quando tive filhos ao mesmo tempo que estudava e escrevia um livro escolar), percebi facilmente que não ia aguentar o ritmo durante muito mais tempo. Por isso, optei por dedicar-me “só” (e há muitas aspas neste “só”) à minha empresa, às aulas e ao associativismo.
Qual a sua função na Neonia e os seus objetivos para este projeto?
Como a maioria dos empreendedores, não tenho uma função específica. Em vez disso, divido-me entre muitas. No fundo, faço o que for preciso! Mas tendo a focar-me na gestão financeira e na de pessoas, no marketing e nas vendas. As direções criativa, técnica e operacional estão a cargo dos meus sócios engenheiros, que são muito mais visionários, imaginativos e inovadores do que eu.
O objetivo dos três é muito claro: fazer deste espaço uma referência na cidade do Porto!
Quando fui para a Glassdrive tive a noção de que, por mais que estudasse e recebesse formação técnica, nunca iria saber tanto sobre vidro automóvel como os especialistas que lá trabalhavam. Então, o que é que eu fiz? Limitei-me a admitir a minha ignorância e a não ter vergonha de recorrer a quem tinha à minha volta… e correu muito bem!
Sendo um negócio totalmente diferente da Castelbel e da Glassdrive, que aprendizagens trouxe dessas experiências anteriores que têm sido mais importantes nesta fase?
Se eu já achava que havia muitas competências transferíveis quando mudei da perfumaria de corpo e casa para a reparação e substituição de vidro automóvel, então agora estou totalmente convencida de que, para gerir uma empresa, não é essencial termos experiência prévia no ramo de negócio específico. Facilita muito, mas não é imprescindível.
Quando fui para a Glassdrive tive a noção de que, por mais que estudasse e recebesse formação técnica, nunca iria saber tanto sobre vidro automóvel como os especialistas que lá trabalhavam. Então, o que é que eu fiz? Limitei-me a admitir a minha ignorância e a não ter vergonha de recorrer a quem tinha à minha volta… e correu muito bem!
O mesmo aconteceu na Castelbel: eu nunca fui especialista em cosmética, mas o que aprendi ao longo do tempo foi suficiente para ajudar a superar objetivos.
Por isso é que, quando me perguntaram que experiência tinha nas áreas de Turismo, Entretenimento ou Cultura, que justificasse abrir um museu, não tive qualquer problema em dizer “nenhuma!”.
Com as experiências anteriores, aprendi que o mais importante é saber e gostar de gerir equipas e processos, ouvir antes de falar, ver bem ao longe e ao perto, fazer boas perguntas, e ter uma vontade genuína de aprender com os outros. A formação complementar é essencial e a estrutura mental também.
Claro que, ao falar de aprendizagens, não posso deixar de apontar os erros que cometi e já sei que não devo repetir. Por exemplo, quando estive na Glassdrive, acho que passei demasiado tempo sentada e menos tempo do que devia no terreno. Isso foi mau porque os franquiados e técnicos com que lidei poderão ter ficado com a sensação de que eu valorizava pouco o trabalho deles, ou que não estava suficientemente preocupada com o dia-a-dia da operação. Não era o caso. Eu sabia que eles eram o motor do negócio, mas nunca cheguei a conseguir sair totalmente da minha “zona de conforto”.
E que aprendizagens já fez nesta nova etapa da sua carreira? Começar um negócio de raiz é toda uma nova experiência…
Pois é. E tem-me ensinado a ser muito mais tolerante para com as falhas dos outros. Enquanto cliente de outros espaços abertos ao público, agora presto mais atenção aos bastidores. Ao que corre bem, apesar de ter tudo para correr mal. Ao que não funciona, contra todos os planos e expetativas. E à maior dificuldade de todas: fazer com que pareça tudo fácil, fluido e divertido.
Tento imaginar o caminho que os fundadores terão percorrido para chegar ali. Nas dívidas, nas dúvidas e nas hesitações. Nas críticas que terão ouvido de quem não fazia a mínima ideia do que estava por detrás das opções que tomaram. E em todos os treinadores de bancada que, na vida real, preferem nem tentar, para não correr o risco de falhar.
Quais os principais desafios e oportunidades que esta mudança tem implicado?
Tem sido uma montanha-russa!
Saí da Glassdrive no final de fevereiro e comecei a trabalhar oficialmente na Neonia (no feminino, porque para nós é uma “cidade alternativa”) no início de março. Esse mês foi terrível, em primeiro lugar porque a mudança é sempre difícil e, depois, porque eu e quase todos na minha família passámos vários dias na cama com pneumonia.
Em abril, comecei a passar muito mais tempo na Rua de Ceuta, no Porto, do que em casa.
Há dias em que me dói (literalmente!) sair da cama e noites em que não quero ir para a cama, porque a bateria ainda está carregada da adrenalina de tudo o que aconteceu ao longo do dia e não me deixa dormir.
O principal desafio é tudo o que corre mal e, estando fora do nosso controlo, nos obriga a ser pragmáticos e simplesmente lidar com a frustração.
A principal oportunidade é a da aprendizagem contínua, porque estamos sempre a fazer experiências e a resolver problemas.
Estamos (nós os três, mais a nossa equipa de “Neónios”) continuamente em esforço, mas acreditamos que, um dia, tudo (do investimento financeiro ao temporal e ao emocional) terá valido a pena!
Nessa altura, toda a gente vai dizer que sempre soube que teríamos sucesso, inclusive os que nos têm vindo a dizer (ou dar a entender) o contrário.
“Acho que fiz o percurso na ordem certa, porque trabalhar numa empresa que passou de pequena a média enquanto eu lá estava deu-me a bagagem necessária para gerir uma empresa maior, enquanto trabalhar numa multinacional deu-me a capacidade de gestão de processos de negócio que agora me ajuda a cometer menos erros do que outros empreendedores que não têm esse tipo de experiência.”
Começou a carreira numa empresa familiar, depois trabalhou numa multinacional e agora é uma das fundadoras de um negócio inovador. O que há em comum e o que há de mais diferenciador nestes três papéis?
O facto de eu ter conseguido trabalhar nos três ambientes pode significar que sou suficientemente flexível e adaptável, mas também (ou sobretudo) que há semelhanças fundamentais entre empresas familiares, multinacionais e startups. Desde logo, o facto de todas serem feitas por pessoas e para pessoas: dos fornecedores e funcionários aos clientes e parceiros.
As maiores diferenças serão a escala, a maturidade e a sofisticação.
Eu acho que fiz o percurso na ordem certa, porque trabalhar numa empresa que passou de pequena a média enquanto eu lá estava deu-me a bagagem necessária para gerir uma empresa maior, enquanto trabalhar numa multinacional deu-me a capacidade de gestão de processos de negócio que agora me ajuda a cometer menos erros do que outros empreendedores que não têm esse tipo de experiência.
Quando olha para trás, qual o feito de que mais se orgulha na Castelbel e na Glassdrive?
Dos resultados. E de, em ambos os casos, ter sido capaz de suceder ao líder fundador e referência máxima de mercado em cada um dos setores.
O que é que a Neonia mudou na sua rotina?
Desloco-me menos. Na Castelbel, voava três meses por ano para o estrangeiro. Na Glassdrive, andava regularmente de carro pelo país. Na Neonia, ando de elevador.
Continuo a trabalhar muitas horas, todos os dias da semana, mas agora estou muito mais perto do meu marido, com quem voltei a trabalhar, e dos meus filhos, que vêm ter connosco regularmente.
Que outras atividades mantém além da Neonia?
A mais relevante é dar palestras em eventos e aulas em escolas de negócios nacionais. A partir de outubro, também vou dar aulas de gestão comercial numa escola estrangeira, aos alunos de MBA Executivo da Kozminski University, em Varsóvia, na Polónia.
Que conselho deixaria a quem surge a oportunidade para mudar para uma área completamente diferente daquela em que trabalha?
Se for curioso e gostar de aprender, recomendo que não tenha medo, confie em si próprio e arrisque, porque o pior que pode acontecer a um irrequieto é… nada!
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