O que a parentalidade me tem ensinado sobre liderança

Diogo Romão, CEO da Monday, partilha de que forma se tem tornado melhor líder desde que é pai.

Diogo Romão é CEO da Monday..

Texto de Diogo Romão, CEO da Monday

 

Há cinco anos que sou pai e há doze anos que trabalho em posições de liderança. Ao olhar para os anos que passaram, questiono-me como seria o meu caminho se a ordem se invertesse — e quanto mais penso sobre isso, mais acredito que, provavelmente, estaria muito melhor preparado para liderar.

Aquilo que tenho vindo a aprender nos últimos cinco anos, enquanto pai, tem-me ajudado a ser um líder melhor, e a compreender as coisas de uma forma muito mais profunda; e é claro que esta aprendizagem é um processo que me vai acompanhar nos anos vindouros, porque ainda tenho muito a aprender.

O papel de pai representa um desafio constante de incertezas, assim como o balanço entre ser-se ativa ou passivamente presente, por isso é natural que perguntas como “será que estarei a fazer tudo bem?” ou “devo dizer alguma coisa ou deixar que isto passe?” sejam uma constante.

Certa vez, li uma frase que dizia que as crianças não se comportam mal, mas que somos nós, os adultos, que temos pouca paciência — atributo que, sem dúvida, se constitui enquanto virtude na parentalidade. Respirar fundo é um hábito que vai crescendo, já que sabemos que, para que as nossas crianças cresçam e compreendam as coisas, precisamos de explicar-lhes o mundo, assim como aceitar os seus erros e inexperiência.

E é exatamente por isto que acredito que a liderança tem muitas semelhanças com a parentalidade: não só porque ser-se pai é a melhor coisa que existe, como também nos ensina muito sobre como ser um líder. Um efeito colateral que não esperava encontrar há cinco anos.  

Prioridades

As necessidades das crianças são sempre a prioridade e são mais importantes do que as nossas próprias necessidades — e o mesmo deveria acontecer numa empresa: as pessoas que lideramos devem ser a nossa primeira prioridade, o resto virá depois.

No entanto, é claro que também precisamos das nossas coisas, e há algumas que não podemos mesmo ignorar para que estejamos sãos e saudáveis, quer física quer mentalmente. É como quando caem as máscaras nos aviões: primeiro os adultos colocam as suas, para que depois possam colocá-las nos mais pequenos.

Se nós, enquanto líderes, não estivermos saudáveis, fortes e em paz connosco, então a nossa liderança (ou parentalidade) irá tornar-se cada vez mais difícil, chegando mesmo a, eventualmente, ter efeitos negativos. É isto mesmo que tento gerir no meu dia-a-dia enquanto pai e enquanto líder: tomar bem conta de mim, para poder tomar bem conta dos outros.

Ouvir

Outra coisa muito importante enquanto pai é ouvir — e quando digo ouvir, é realmente ouvir. Quando a nossa criança vem a chorar para nós, queremos saber imediatamente o que aconteceu. Por entre choros e gritos, é importante percebermos qual a razão: terá sido alguma coisa séria, ou será que só não conseguiram chegar ao brinquedo que queriam? Nenhum pai descansa enquanto não tiver a certeza, e é aqui que usamos todas as nossas capacidades de ouvir ativamente para tentar perceber o que aconteceu.

Ouvir de verdade mostra que estamos mesmo comprometidos a escutar o outro lado, e mostra que nos preocupamos, que queremos saber. E não é algo que aconteça apenas em situações mais tensas: por exemplo, quando os nossos filhos nos contam o que aconteceu na escola, e estando interessados em saber, ouvimos com atenção (quer seja para ter orgulho em algo que fizeram, quer seja para ficarmos alertas para qualquer outra situação estranha).

O mesmo acontece quando lideramos numa empresa — se alguém nos está a dizer alguma coisa, devemos sempre ouvir essa pessoa com atenção. E, acima de tudo, devemos sentir a necessidade de a ouvir com atenção: as pessoas são a nossa prioridade e a nossa maior preocupação. Por detrás de uma simples conversa pode estar um assunto mais importante, algo que precise de ser mais aprofundado; e só se chega a essa compreensão se realmente se estiver presente, a ouvir ativamente.

Se alguém nos vem falar de algo, muito provavelmente já teve algum tempo para pensar sobre o assunto, por isso o simples facto de querer partilhá-lo connosco já é razão suficiente para que mereça o nosso cuidado. Pode até nem ser nada de especial aos nossos olhos (como o brinquedo ao qual a nossa criança não conseguiu chegar), mas para o outro pode efetivamente ser um grande desafio, algo de que esteja a precisar de momento.

É importante estarmos lá para toda e qualquer necessidade, e para o conseguirmos fazer é essencial ouvir — de verdade.

Paciência

Os nossos filhos conseguem levar-nos à loucura de vez em quando, e a paciência é, provavelmente, uma das coisas que mais nos testa enquanto pais. Todos os dias há situações em que o nosso primeiro instinto é o de reagir impulsivamente, ou de simplesmente ignorar o que está a acontecer. Mas, na verdade, não podemos… ou, pelo menos, não deveríamos.

O mesmo acontece quando lideramos pessoas. É suposto sermos um apoio estável, um ponto de referência e de segurança. Para isto, são precisas duas coisas muito importantes: a primeira, é ser-se capaz de absorver qualquer que seja o problema que a outra pessoa esteja a sentir, como uma esponja que absorve a água de uma mesa. Para o conseguirmos fazer de forma eficaz, é importante estarmos calmos — ouvir e responder calmamente, de forma a aliviar a tensão.

A segunda tem que ver com a forma como controlamos o nosso próprio stress. É claro que também temos problemas e preocupações, mas enquanto pais, e enquanto líderes, a nossa responsabilidade é a de não os transparecer. As nossas crianças não têm de saber de todas as nossas responsabilidades e de todas as nossas preocupações enquanto adultos — afinal, é por isso mesmo que são crianças. Nós próprios já fomos crianças e não soube maravilhosamente não ter uma única preocupação no mundo?

É assim que deve ser também para as pessoas que lideramos. Claro que comparando com os nossos filhos, já têm uma visão muito mais clara das nossas responsabilidades, mas não quer dizer que tenham que carregar com o nosso fardo — só iria colocá-los sobre mais stress. Claro que este segundo ponto está intimamente relacionado com o primeiro: se estamos ‘stressados’ e o exteriorizamos, não vamos conseguir ser calmos e pacientes.

Empatia

Sabem quando veem os filhos a tentar picar a comida com o garfo e a comida constantemente a escapar-lhes? Espera-se um bocado para ver o que acontece, e em certas alturas temos mesmo de ajudá-los. Mas na verdade não os estamos a julgar, compreendemos perfeitamente o que está a acontecer do outro lado. Porque fazemos isto? Bem, porque já todos estivemos ali. Podemos não nos lembrar, mas já tivemos esta mesma dificuldade. Isto é a empatia no seu melhor.

Quando lideramos pessoas, o mesmo deve acontecer. É nosso dever ser capaz de compreender (completamente!) o que está a acontecer com as nossas pessoas, e de empatizar com elas. Claro que nem sempre é fácil e, a meu ver, há dois casos distintos: ou as pessoas que lideramos estão em tarefas que nós próprios já fizemos, ou estão com tarefas nas quais nunca trabalhámos antes.

É muito mais fácil empatizar com o primeiro grupo — sabemos pelo que estão a passar, já estivemos lá também.

Mas o segundo grupo é tão importante quanto o primeiro e é provavelmente muito maior; então o esforço para os perceber será, também, muito maior. Dessa forma é preciso fazer um esforço extra, não julgar e tentar colocar-nos na sua pele. É preciso fazer um esforço consciente para melhor entender o seu trabalho e as suas necessidades.

Quem sabe, passar algum tempo com eles para conhecer com mais detalhe o seu dia-a-dia? A empatia irá, com certeza, crescer.

Autonomia

Se há coisa que desejamos quando temos filhos, é que eles comecem a fazer algumas coisas do dia-a-dia sozinhos — desde o lavar os dentes, ao vestir ou ao lavar as mãos. Quando chegam a este patamar, não só começamos a ter mais tempo para nós, como também eles se sentem mais confiantes e independentes — uma clara vitória para ambos os lados.

Mas, para lá chegar, temos que os deixar fazer por eles próprios. Não podemos fazer as tarefas todos os dias por eles, temos que confiar que irão lá chegar. Com certeza irão falhar ao longo do caminho, mas é parte do processo. Melhor ainda, é o único caminho. Precisam de aprender errando para ganhar a autonomia de que precisam.

E, mais uma vez, é exatamente isto que acontece quando lideramos pessoas. Devemos dar-lhes autonomia, para que possam falhar e aprender com os seus erros. É preciso confiar neles e dar-lhes o espaço de que precisam para que possam fazê-lo sozinhos. Não é que não queiramos saber, tal como com os nossos filhos, claro que queremos. Sabemos que para os nossos filhos crescerem têm que ser autónomos e é o mesmo para as pessoas que lideramos.

Precisam de estar preparados para o futuro, de compreender como é que as coisas funcionam, como ir do ponto A ao B, como reagir quando algo não corre como esperado, etc. E só o irão conseguir se lhes dermos autonomia e espaço para crescer.

Ensinar

Quando os nossos filhos estão a aprender a segurar na colher ou a lavar os dentes, temos que ser capazes de não os ajudar o tempo todo, e de os ensinar a, pacientemente, aprender a fazê-lo sozinhos. Mesmo que tenhamos a certeza de que ao ajudá-los o tempo de refeição seria de 15 minutos ao invés de 50, o mais importante é apoiá-los e ensiná-los ao longo do caminho.

Claro que há vezes em que precisamos de intervir e de tomar o controlo (aquela altura do jantar em que não dormiram a sesta e qualquer pequena tarefa rotineira rapidamente se torna numa birra), mas na maioria das vezes não deveríamos interferir. O que devemos fazer é guiá-los para que aprendam os básicos, seguindo os nossos exemplos, e deixar que sejam eles a tentar e a melhorar o seu processo — sempre a tentar, falhar e conseguir, como é natural num processo de aprendizagem.

Novamente, o princípio aplica-se às pessoas que lideramos. Se alguém vier ter connosco com um desafio que sabemos resolver em cinco minutos (um desafio “como segurar na colher para comer”), e se formos nós a resolver, então:

  1. essa pessoa vai continuar a voltar quando o mesmo acontecer;
  2. essa pessoa não vai conseguir desenvolver as skills e evoluir;
  3. estamos a desperdiçar o nosso tempo com coisas que não deveríamos;
  4. teremos menos tempo para nos desenvolvermos a nós mesmos.

A melhor abordagem será, então, explicar muito calmamente a solução, como se de uma criança de cinco anos se tratasse (tal como a famosa expressão). Sem julgar, apenas sendo-se compreensivo, já que isto pode ser um grande desafio para a outra pessoa, mesmo que para nós não o seja. O objetivo é que a mensagem passe com sucesso à outra pessoa, para que consiga evoluir, aprender e, com a prática, dominar a tarefa.

Ah, e não se esqueçam de que todos nós, muito provavelmente, já sentimos essa mesma dificuldade, e que houve alguém que o fez connosco e nos ajudou a crescer. Sejam gratos por isso e passem-no ao próximo.

Estar presente

As crianças olham para os seus pais como um porto seguro; mas a verdade é que, para que se sintam seguros, não precisam de estar a olhar para eles constantemente. Apenas precisam de saber que, independentemente de tudo, estão e estarão sempre lá para eles.

Enquanto pais, por vezes temos tendência em entrar em “modo helicóptero” e a ver, constantemente, o que eles andam a fazer. Não é o ideal, já que, e com certeza, lhes vai impactar a autonomia; mas porque também estamos (ainda que subtilmente) a dar-lhes a entender que não nos sentimos à vontade se não controlarmos todos os detalhes.

Enquanto líderes de equipa esta situação corresponde a microgestão. Se estivermos sempre lá e a controlar todos os detalhes, passamos uma mensagem de falta de confiança que, em última instância, vai bloquear a autonomia. Precisamos de estar presentes, mas a uma distância segura. Uma conversa aqui e ali, mas deixar que as coisas aconteçam naturalmente pelo caminho.

As pessoas que lideramos precisam de saber que estamos ali para elas quando for preciso. Que estamos sempre presentes mesmo que não nos vejam regularmente. Precisam confiar que estaremos sempre ali, mas para que isso possa acontecer é necessário que parta de nós a confiança de que não temos que ter controlo sobre tudo, a toda a hora. A confiança é algo que tem que partir dos dois lados.

Perspetiva

As crianças têm uma visão pura e imparcial daquilo que é o mundo. Olham para as coisas que veem todos os dias e de alguma forma identificam uma nova forma, um outro significado ou então apenas nos perguntam “porquê?”, e muitas das vezes nem sabemos a resposta que lhes vamos dar (há também que reconhecer a importância e o poder disto). São como motores puros de inovação, pois veem o mundo por diferentes perspetivas — e nem sempre da forma “regular” a que estamos habituados a vê-lo.

Adoro ouvir as teorias das minhas filhas, as suas observações e os seus muitos “porquês”, e são quem me força a pensar em coisas que nunca sequer tinha pensado e com isso abrem-se novas perspetivas. Acredito verdadeiramente que os brainstorms seriam muito melhores se, de alguma forma, conseguíssemos misturar o nosso conhecimento de adultos com a mente de uma criança de cinco anos: de mente aberta, cheia de criatividade e imparcial!

Quando lideramos pessoas, também temos esta sorte em ter várias opiniões e perspetivas ao nosso alcance. A nossa perspetiva pode ser aquela que acreditamos ser a melhor e mais correta, mas ao partilharmos e ao pedirmos feedback às pessoas que nos rodeiam iremos, com certeza, abrir os nossos próprios horizontes. A nossa perspetiva pode ser validada (o que é bom), pode ser vista como não a melhor comparativamente com outras (o que também é bom), ou pode mesmo gerar-se uma mistura entre as diferentes perspetivas, sendo o resultado final maior do que a soma das partes e isso é poderoso.

Com esta partilha vem também um sentimento muito verdadeiro de camaradagem, de abertura à discussão e a opiniões diferentes. Isto tem um impacto positivo extraordinário nas pessoas, já que sentem que são ouvidas e que fazem parte do processo. O que interessa é a perspetiva certa, e não a pessoa que a partilhou. E isto aproxima-nos a todos, o que é uma das coisas que enquanto líder devemos desejar para as nossas equipas.

Orgulho

Sabem aquele sentimento de quando vemos os nossos filhos a conseguir alguma coisa importante na sua vida? Um marco no seu crescimento? Quer seja aprender a escrever o nome pela primeira vez, andar de bicicleta sozinhos ou apertar os atacadores. O que nos invade é um sentimento de orgulho que nem sabemos como explicar. Coisas tão simples que já fazemos intuitivamente, mas que para eles são verdadeiros acontecimentos, e que nos transportam para a primeira vez que nós próprios o conseguimos.

O mesmo sentimento deve existir quando lideramos equipas. Para nós, uma tarefa pode ser totalmente normal, mas quando vemos alguém da nossa equipa a conseguir fazê-lo pela primeira vez, e sabendo o caminho que fizeram para o conseguir (tal e qual como nós), devemos ficar extremamente orgulhosos da sua conquista. Significa que estão a evoluir, a crescer e a ganhar experiência.

É muito importante que este sentimento de orgulho seja muito transparente e visível às pessoas que lideramos, para que o consigam sentir também. Ao demonstrar o nosso orgulho e reconhecimento, estamos também a fazer com que se sintam mais confiantes, entusiasmados e em constante crescimento.

E é isto que queremos quer para os nossos filhos, quer as pessoas que lideramos: que continuem a crescer e a conquistar sempre, cada vez mais.

Confiança

As crianças têm memórias muito boas, já que absorvem tudo aquilo que veem e vivem os seus dias intensamente. Isto ainda é mais acentuado quando estão a fazer algo de que realmente gostam, e que lhes traz uma alegria imensa. Muitas vezes, dei por mim, enquanto pai, a pedir à minha filha mais velha confirmação de coisas que ambos experienciamos, porque sei ela estará certa. Ou perguntar-lhe onde é que deixou determinada coisa, e sei que estará certamente naquele sítio que indicou.

É um sentimento muito puro de confiança e, em várias ocasiões, as memórias dela são diferentes das minhas e são as dela que estão certas. E eu que sempre pensei em mim como alguém com boa memória.

Quando estamos numa posição de liderança, também devemos ter este mesmo sentimento de confiança quanto à nossa equipa. O resultado é poderoso para todos os envolvidos — e estou-me a referir não só à confiança no sentido em que temos a certeza de que não vão falhar (já que é uma coisa totalmente normal e que irá sempre acontecer), mas também de saber que estão a dar o seu melhor. É tudo aquilo que podemos pedir.

Curiosamente, se tivermos esta confiança, e se a transparecermos da forma certa, o resultado é que as pessoas vão ter um melhor desempenho e vão querer provar que podemos confiar nelas. É uma espécie de efeito espiral positivo: a nossa equipa irá ter confiança em nós, vai sentir-se poderosa e motivada a fazer tudo da melhor forma que conseguirem. Porque querem e porque confiamos nelas, não porque lhes pedimos.

Por outro lado, se não tivermos confiança nas nossas equipas, a tendência é micro gerirmos e pormo-nos no caminho da sua autonomia. Até pode ser que as intenções sejam boas, mas ao ter este tipo de abordagem podemos fazer com que haja desmotivação, e o resultado final poderá provavelmente ser pior. Confiem no poder de confiar, e a magia irá acontecer!

 

Chegando ao final deste artigo, tenho a certeza de que muitas outras coisas são comuns entre parentalidade e a liderança e estou confiante de que o irei descobrir no decorrer dos próximos anos.

E isso deixa-me muito feliz e entusiasmado, porque terei uma ajuda constante no caminho de me tornar um melhor líder, continuando a tentar ser um melhor pai, algo que é um dos motivadores mais poderosos do mundo.

Sejam gratos e apreciem a vida! Só se tem direito a uma viagem.

Obrigado pela leitura!

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