Texto de Ana Pires, nutricionista
Se toda a população do mundo vivesse como a população residente em Portugal, o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) seria 7 de maio. Isto significa que desde o dia 1 de janeiro até hoje, a população residente em Portugal consumiu, em média, por pessoa, tantos recursos como aqueles que a natureza consegue regenerar num ano — este dia é diferente de país para país.
O Dia da Sobrecarga da Terra marca o momento em que a humanidade consome todos os recursos naturais que o planeta é capaz de regenerar ao longo de um ano. A data é calculada com base na comparação entre o consumo total da humanidade (pegada ecológica) e a capacidade da Terra de se regenerar, produzindo recursos naturais (biocapacidade). O cálculo é feito pela Global Footprint Network (GFN), uma organização internacional de pesquisa, e tem o objetivo de ilustrar o consumo cada vez maior de uma população humana em expansão num planeta limitado, demostrando assim uma necessidade urgente de repensar o que consumimos, como pensamos e, mais importante, como agimos. Apesar do crescente interesse nos hábitos de comportamento sustentável e responsável pelo consumidor e na promoção e desenvolvimento de uma economia circular, há ainda muito por fazer.
No Dia da Sobrecarga esgotamos o “nosso orçamento global” e começamos a viver em déficit ou a “crédito ecológico”. Este déficit tem vindo a aumentar desde o início da década de 1970, quando o mundo entrou em sobrecarga ecológica pela primeira vez. Em 1970 o mundo ficou em déficit no dia 29 de dezembro; em 2000, no início de outubro; dez anos depois, no fim de agosto e em 2021, em julho. O Dia de Sobrecarga da Terra de 2022 será anunciado no dia 5 de junho.
O que podemos fazer para adiar esta data?
Cerca de metade da biocapacidade da Terra é usada para nos alimentar. Por esta razão, a nossa alimentação é uma das formas mais poderosas para mudarmos este dia. Ficam aqui algumas sugestões:
– Prevenir o desperdício alimentar. Cerca de um terço dos alimentos produzidos no mundo para consumo humano por ano são desperdiçados. As perdas (na produção) e os desperdícios (no processamento e no consumo) de alimentos são responsáveis por cerca de 9% da pegada ecológica global. Podemos diminuir o desperdício em casa com um planeamento das refeições e comprando apenas o necessário; tendo em atenção os prazos de validade dos diferentes alimentos e fazendo a gestão e consumo de acordo com estes prazos; aproveitando as frutas mais maduras em batidos ou sumos; reaproveitando sobras de legumes e hortícolas para sopas e as sobras de peixe ou carne, em saladas ou num empadão; e também congelando ou refrigerando os alimentos confecionados que sobrarem em recipientes apropriados.
– Aumentar o consumo de alimentos de origem vegetal. Uma alimentação com uma base maioritariamente de origem vegetal e nutricionalmente equilibrada apresenta uma pegada ecológica cerca de 2,5 vezes inferior à de uma alimentação composta principalmente por alimentos de origem animal. Como exemplo e orientação podemos usar a nossa saborosa e tradicional dieta mediterrânica: muitos vegetais e hortícolas frescos, leguminosas, azeite e pequena quantidade de produtos de origem animal.
– Preferir alimentos cultivados com base em práticas mais sustentáveis e regenerativas, que melhoram a biocapacidade das terras agrícolas. Uma alimentação sustentável protege e respeita a biodiversidade e o ecossistema e permite otimizar os recursos naturais e humanos, sendo culturalmente aceite, acessível, segura, nutricionalmente adequada e economicamente justa.
Com estas três ações conseguiríamos adiar o Dia de Sobrecarga da Terra em 32 dias.
O que comemos influencia não só a nossa saúde e o nosso futuro mas também a saúde e o futuro do planeta. É necessário termos presente que em cada escolha alimentar que fazemos e em cada refeição que planeamos temos a oportunidade, como cidadãos e consumidores, de influenciar o sistema alimentar em toda a sua extensão, desde o que é e como é produzido, até o que temos disponível e como chega ao nosso prato.
É essencial alterar o padrão de consumo (excessivo) dos recursos naturais e apoiar a sua regeneração. Que o Dia da Sobrecarga sirva como um alerta para nos fazer agir e conseguirmos um Planeta com um futuro mais seguro e sustentável.
Leia outros textos de Ana Pires aqui