Quando terminou o ensino secundário, Teresa Emídio Viana sabia que queria fazer algo relacionado com a atividade física, mas nunca pensou que fosse o ioga. O desporto esteve sempre muito presente na sua vida, mas, antes de chegar ao ioga, foi ginasta durante 10 anos, passou dois anos na Marinha e fez formações de fisioterapia, massoterapia, body balance, tai chi e pilates, que foram os seus “baby steps”.
Diz ser fã de fardas porque são “a coisa mais prática que existe” e na Marinha aprendeu “a ser melhor pessoa, melhor militar, a saber ouvir e respeitar as hierarquias”. O cabelo rapado, que usa há cerca de cinco anos, não a impede de ser feminina; quanto muito, é mais rápida a arranjar-se, pois ter o cabelo rapado “é prático e bastante sustentável, tendo em conta as necessidades de champô e de água”, explica, entre risos, Teresa Emídio Viana. Hoje, dá aulas de ioga em vários clubes, aulas individuais a atletas de alto rendimento e a portadores de cancro, partilha boas energias com os seus seguidores e é representante da Adidas em Portugal, um reconhecimento que a instrutora de ioga vê como “um grande presente”.
Antes de se tornar instrutora de ioga, esteve dois anos na Marinha. O que a fez ingressar numa carreira militar?
Foram várias razões, mas provavelmente porque os testes psicotécnicos nunca me ajudaram a ter uma única opção a seguir ao 12.º ano. Fui ginasta durante 10 anos, mas só depois dos 16 anos é que comecei a treinar no ginásio. Só que naquela altura queria estudar e ter uma profissão ao mesmo tempo, mas também queria juntar o desporto ou algo ligado à parte desportiva. E sou fã de fardas porque acho que é a coisa mais prática que existe, não termos de pensar de manhã o que é que vamos vestir. Consegui juntar tudo. O facto de ter de sair de casa, para fazer a recruta e depois a formação, também ajudou. Passava a semana no quartel e só vinha a casa ao fim de semana. Existia algum receio da parte da minha mãe principalmente, se eu embarcasse, mas nunca aconteceu. Entrei na Marinha aos 18 anos e saí aos 20. Fiz a recruta, a formação e comecei logo a trabalhar.
“Queria dedicar-me mais a área de exercício, de treino. Na altura, pela Marinha não conseguia, porque quem está na área de instrução e de treino são homens.”
Quem é que mais a influenciou enquanto esteve na Marinha?
Um dos cabos, que me marcou pela sua persistência e por ter muita experiência na Marinha: o Sr. Cabo Oliveira. Ensinou-nos muita coisa. Não só o marchar, que é bem difícil, conseguir colocar um grupo de pessoas a bater o pé no chão ao mesmo tempo e dar aquele som que nós conseguimos logo identificar como marcha militar, mas também me ensinou a ser melhor pessoa, melhor militar, a saber ouvir e respeitar as hierarquias, a ouvir o “não” e o “sim” e a ser respeitada à primeira. Se tivesse uma dor física ao lado dele, essa dor era ultrapassada. Ele tinha muitos “ferros” no corpo todo, já tinha dado muitos anos à Marinha e muito do corpo dele em missões, e com ele dizia “Posso queixar-me de quê? Não me posso queixar, está sempre tudo bem”.
A sua especialidade na Marinha era Taifa.
Sim, dentro da classe de Taifa existem três subclasses: cozinheiro, despenseiro e pasteleiro. Eu era despenseiro, o que equivale à hotelaria. É uma profissão bastante exigente. Se fosse para continuar seria nesta área porque não gostava mesmo das outras opções. Mas queria dedicar-me mais a área de exercício, de treino. Na altura, pela Marinha não conseguia porque quem está na área de instrução e de treino são homens. Gostava de ter dado instrução e algum apoio de ginásio dentro das Forças Armadas, mas não foi possível e isso levou-me a deixar a Marinha.
Foi nesse momento que decidiu tornar-se instrutora de ioga?
Ainda não [risos]! Nos últimos tempos em que estive na Marinha tirei um curso de instrutora de fitness. Tirava o curso aos domingos e um mês depois de ter saído da Marinha, já estava a trabalhar no meu primeiro Holmes Place, na Avenida da Liberdade. O clube aceitou-me logo como professora e tive de tirar outra formação, especializada dentro do treino pessoal, dada na altura pela própria academia. E foi aí que eu comecei a fazer outras coisas: era treinadora pessoal e dava algumas aulas. Comecei por dar aulas de body balance, que já tem ioga nas três modalidades que compõem a aula: ioga, tai chi e pilates. E despertou-me… Mas o caminho foi outro.
A passagem pela fisioterapia?
Exatamente! Quando entrei para a Marinha, a primeira opção era a Força Aérea e existia a possibilidade de entrar para a Escola de Saúde Militar, onde estudaria Enfermagem, uma vez que o curso de Fisioterapia não estava a decorrer. Mesmo que optasse por esse curso existia uma lista gigante para conseguir entrar, em que a antiguidade dava prioridade. Mas logo no início, enquanto estava no Holmes Place, tirei um curso de auxiliar de fisioterapia e tive formação em massagens, em paralelo. Entretanto, aguardei um bocadinho e optei por concorrer à faculdade pelo concurso de mais de 23 anos. Só havia três vagas por curso, mas tive a bênção de entrar. Comecei o curso já com as bases que tinha de massagem e de medicinas alternativas, de outra formação que tinha tirado, que tinha a medicina chinesa como base.
Mas percebi que não me identificava com o curso e queria trabalhar de outra forma. Queria juntar tudo: o corpo, a mente e o espírito. Então deixei o curso de Fisioterapia, sem completar o primeiro ano. Fiz as cadeiras mais difíceis, ficaram uma ou duas por fazer, as mais fáceis, e optei por sair. Fui procurando formações, até que encontrei o ioga, que era a união de um pouco de tudo: de uma medicina milenar, de posturas físicas que nos ajudam a equilibrar fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Mas, inicialmente, tirei o curso sem pensar em dar aulas, mas como já trabalhava no Holmes Place, e já tinha dado aulas de ioga e de body balance noutros clubes, comecei logo a dar aulas. Além disso, a experiência de ser instrutora já existia, por isso só tive de a adaptar ao ioga. Foi uma experiência e tanto!
“O Nani disse-me que gostaria muito que eu fosse ter com ele ao Manchester United para lhe dar ioga, pelo menos, uma vez por semana. Isto para mim foi gigante. Eu disse ‘vou apanhar um voo, ficar aí e voltar, só para estar contigo?’. Para ele era normal, mas para mim não.”
Como é que chegou ao ioga adaptado à prática desportiva e ao desporto de alta competição?
Tive formação em Portugal com a Gwen Laurence, que me influenciou muito. A Gwen trabalha há alguns anos com o chamado power yoga for sports, que associa o ioga e os seus benefícios à prevenção de lesões e à manutenção do atleta, para que ele tenha ganhos de performance. Ela trabalha com a NBA e com jogadores de futebol americano. Entusiasmou-me no sentido em que já tinha toda a vertente de treino pessoal, tinha uma base como auxiliar de fisioterapia e também a parte de terapia, da massagem terapêutica. Ela mostrou-me posturas que os atletas podem fazer, não só quando estão bem, mas também após lesão. Até lhe perguntei como começar cá em Portugal e ela disse que era mais fácil começar pelos juvenis do que levar isto para os adultos, porque para eles ainda é um campo muito fechado.
Mas acabou por ter a sorte de começar logo com um jogador de futebol.
Sim, com o Nani. Na altura estava a trabalhar no Lagoas Park e a Seleção Nacional estava em estágio. Ele pediu apoio em alongamentos e um colega meu aproveitou logo que eu estava a passar e disse-lhe “está a chegar a pessoa indicada para te ajudar, ela vai-te esticar”. Conversámos um bocadinho, o fisioterapeuta já me conhecia também, e o Nani disse-me que gostaria muito que eu fosse ter com ele ao Manchester United para lhe dar ioga, pelo menos, uma vez por semana. Tive a sorte de ele já ter uma perceção do benefício do ioga, porque na altura já se trabalhava com ioga no Manchester City e no Manchester United, mas era ioga coletivo e ele queria trabalhar individualmente. E daí o convite dele, “Não queres vir cá?”. Isto para mim foi gigante. Eu disse “vou apanhar um voo, ficar aí [em Manchester] e voltar, só para estar contigo?”. Para ele era normal, mas para mim não. Não só pelo tempo, mas também pelas despesas e encargos que tinha. Mas ele disse-me “Claro que sim, quero muito que venhas e quero que sejas tu”. Tive essa sorte [risos].
Indo ao café juntas, depois de rapar o meu cabelo, ninguém olhou para ela, toda a gente olhou para mim, porque passei de uma trança para o cabelo rapado!
O que mais gosta no seu trabalho?
Quando comecei a trabalhar com o Nani, comecei também a trabalhar com uma mulher com cancro. Os dois mostraram-me o quão versátil é o ioga. Ao mesmo tempo que ia para Manchester trabalhar com o Nani, tinha cá a primeira portadora de cancro. Apanhei-a num momento de mudança porque ela tinha tido cancro da mama, que depois entrou em metástases e ultrapassou todo o processo de tratamento novamente, comigo. Senti o quão útil e versátil é o ioga, porque ia de um atleta de alto rendimento a uma mulher que estava a passar de novo pela dor e por tratamentos.
O que mais gosto no meu trabalho é conseguir ser útil, seja em que vertente for: nos jovens, onde existem academias de estudos em que os miúdos estudam e fazem ioga; nos health clubs, onde existe um bocadinho de tudo, para eles e elas, de várias idades; e nas pessoas que passam por uma fase diferente e precisam desse apoio. É um “ser útil”, para que a pessoa durma melhor, tenha menos dor, se sinta mais forte física e mentalmente para ultrapassar seja o que o for, nem que seja os obstáculos da vida, que já são grandes.
Usa o cabelo rapado desde 2013 e tem sido essa a sua imagem de marca. Porquê?
Sempre tive o cabelo comprido e quando ia cortar só deixava que me cortassem as pontas. Quando entrei na Marinha pensei, pela primeira vez em rapá-lo, mas desisti por respeito aos meus pais. Seria um choque muito grande. Mas quando comecei a trabalhar com a minha primeira aluna, a Eugénia, para a ajudar a atravessar a fase dos novos tratamentos, sabia que ela iria fazer radioterapia e o cabelo iria cair todo, e comecei a pensar que não me sentiria bem em estar ao lado dela com o cabelo comprido.
Foi uma surpresa, ela não sabia dessa minha ideia. Mas tive de pensar muito bem, não tanto por mim, mas pelo facto de ela ter uma filha quase da mesma idade que eu, e ao tomar esta decisão eu não queria de todo que isso fosse uma obrigação para os restantes familiares. Questionei-me muito, mas desde o início que foi um caminho de mãos dadas com a Eugénia e senti que me iria aproximar um bocadinho mais da dor física dela. E a verdade é que indo ao café juntas, depois de rapar o meu cabelo, ninguém olhou para ela, toda a gente olhou para mim porque passei de uma trança para o cabelo rapado!
“Chegue onde chegar, as pessoas ficam a olhar para mim e pensam “Será doente? Será opção? O que é que aconteceu?”. Houve dias felizes, dias “mais ou menos”, em que me apetecia estar mais sossegada porque as pessoas queriam saber e isso esgota a nossa energia.”
O que sentiu quando o fez?
Senti muitas coisas. Para além de frio, apesar de ter cortado em agosto, tinha sempre gorro na cabeça ou casaco com capuz. Senti que chamava muito a atenção e que continua a chamar. As pessoas pensam “ou está doente, ou é monge, ou é completamente alternativa, ou vive noutro mundo”. Ter cabelo rapado é prático e bastante sustentável, tendo em conta as necessidades de champô e de água. Não há máscaras de cabelo, leva menos tempo e não se usa secador [risos]. É uma imagem muito mais limpa e não dá para esconder a nossa face. Não podemos mudar o visual pelo cabelo, é como se o nosso visual fosse sempre o mesmo. A partir daí também o meu brinco é sempre o mesmo, pequenino. Não consigo usar brincos grandes, é muito raro. No início existiu a vontade de muitas vezes não sair de casa porque é uma imagem toda ela que tem de ser trabalhada de fora para dentro. Temos de ganhar força e pensar “Ok, nós não estamos doentes, podemos alterar a nossa forma de vestir, mas se calhar a imagem também tem de se tornar um pouco mais clean. Isso significa menos pele à mostra, não haver decotes, não haver minissaias. Se calhar, já não me senti tão confortável com um top com o qual dava aulas, que era mais decotado. O pescoço à mostra, a nuca, que é uma zona muito sensual na mulher…
Hoje, sinto que também me dão muita força e muita coragem as mulheres que ainda acompanho e as pessoas que ultrapassam essa dor, que felizmente não tenho. Muitas vezes penso “e agora como é que me vou vestir? As pessoas vão olhar para mim!”. Qualquer pessoa pode esquecer a ideia de rapar o cabelo para não chamar a atenção porque vai chamar a atenção. Chegue onde chegar, as pessoas ficam a olhar para mim e pensam “Será doente? Será opção? O que é que aconteceu?”. Claro que hoje se fala mais de pessoas amigas ou que estão perto e conhecem alguém que tem cancro e optam todas por rapar a cabeça ou cortar um naco de cabelo. No meu caso, o meu cabelo foi todo para peruca, para alguém que precisou. Houve dias felizes, dias “mais ou menos”, em que me apetecia estar mais sossegada porque as pessoas queriam saber e isso esgota a nossa energia. Já deixei crescer um bocadinho, mas tive outra aluna com cancro e voltei a cortar, e tem sido assim.
“Criei bases mínimas para poder dar o ‘salto’, ainda enquanto estive na Marinha. Isso requer muita organização de tempo e disciplina porque temos de nos dividir entre o trabalho, o lazer e a vida pessoal.”
É representante da Adidas. O que é que isso representa?
Foi um grande presente. Como costumo dizer, o universo de vez em quando dá presentes muito bons. Há 17 anos que estou em Lisboa, sou alentejana, mas faço desporto desde os 5. Lembro-me de ter um maillot de ginástica, que na altura era caríssimo, e como não existiam lojas de desporto, tínhamos de mandar fazer. Já agradeci muito à Adidas o facto de poder ter acesso a uma marca da qual eu gosto e com a qual me identifico. Considero-me uma professora de ioga um bocadinho outsider, uma professora de ioga que já fez várias modalidades, que gosta de atividade física, e o bem-estar não passa só por fazer ioga, mas sim por fazer várias modalidades. Um bocadinho como o desejo do fundador da Adidas, “Adi” Dassler, que tinha a vontade de criar um sapato para todas as modalidades desportivas. A Adidas consegue chegar ao desporto, às modalidades, individuais e coletivas, mas também chega ao outsider, através da roupa da marca que podemos vestir no casual. É uma marca com a qual me identifico, até porque a marca tem as três listas, o three stripes style, que para mim representam o desporto, o ioga e a meditação. Fiquei mesmo muito feliz!
O que é preciso para dar um salto de carreira tão grande?
Seguir sempre o coração. Quando entrei para as Forças Armadas, trabalhava para o Estado, e ao fim do mês, “tlin!”, caía o dinheiro. E quando decidi fazer esta mudança, não estava feliz porque não me via a passar 10 anos na Marinha. Só iria sair de lá aos 28 anos e com essa idade ia ter menos oportunidades. Por isso corri o risco de fazer uma formação enquanto estava a trabalhar, para depois fazer o “salto”… mas sem para-quedas! Como costumo dizer, são os “baby steps”. Criei bases mínimas para poder dar o “salto”, ainda enquanto estive na Marinha. Isso requer muita organização de tempo e disciplina porque temos de nos dividir entre o trabalho, o lazer e a nossa vida pessoal. A mudança requer muito foco, muita disciplina e muita troca de contactos! Também a felicidade, acho que nos leva à mudança. Mas o sonho tem de ser construído. Nunca criei este sonho, não fazia ideia de que de militar iria ser hoje professora de ioga e, tão pouco, de meditação! É preciso seguir o coração, porque tudo é possível.