José António de Sousa: Comportem-se como adultos!

A frase de Christine Lagarde, para tentar impor ordem numa reunião do Eurogrupo, é também o título do livro de Varoufákis, ministro das Finanças da geringonça grega, que José de Sousa elege como no top 10 da sua lista. Absolutamente a ler sem preconceitos!

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.

 

“Foi lançado muito recentemente em Portugal um dos livros mais fascinantes que li até hoje. Quem me conhece sabe que li umas larguíssimas centenas de livros ao longo da minha vida, portanto é obra poder classificar sem hesitação este como estando no top 10 da minha lista pessoal.

Antes de falar do tema propriamente dito, gostaria de fazer um esclarecimento que ajudará as leitoras (e leitores) da Executiva, assim o espero, a entender melhor a razão pela qual decidi abordar este tema, sem ser da família política do autor, longe disso.

Gostamos muito de rotular pessoas pelo espartilho ideológico dos partidos políticos que temos em Portugal. E, quando a pessoa que exprime uma opinião não é da nossa cor política, logo catalogamos o que escreve, opina ou diz, como sendo lixo (ou muito próximo disso), sem pensar muito no conteúdo da ideia expressa, e sem tentar entender o ponto de vista da pessoa em causa. Por exemplo, um dos — para mim — cronistas mais brilhantes (vivos) que temos em Portugal, António Barreto, nem na sua família política (PS) é hoje considerado ou ouvido, porque muitas das opiniões que expressa não coincidem com a doutrina partidária cega e obediente que o partido espera dos seus sequazes. Outro cronista que está catalogado pelas opções partidárias (PSD) que tomou numa determinada fase da sua vida (e ainda toma), Pacheco Pereira, também é ostracizado pela sua família política, só e apenas porque é honesto. Se tem de criticar uma determinada opção do partido ao qual pertenceu, não se inibe de o fazer, e se, como ser pensante e com opinião própria, tem de elogiar uma ideia proveniente de um partido que não o dele, também não tem problemas em fazê-lo.

Esta forma de radicalização cega do discurso politico, que se vive em praticamente todas as áreas da vida em sociedade, leva a que hoje a possibilidade de encontrar plataformas de entendimento pela via do diálogo, do esgrimir civilizado de ideias, seja virtualmente inviável na política.

Como é óbvio, esta forma de radicalização cega do discurso politico, que se vive em praticamente todas as áreas da vida em sociedade, leva a que hoje a possibilidade de encontrar plataformas de entendimento pela via do diálogo, do esgrimir civilizado de ideias, seja virtualmente inviável na política. Só o tacticismo assente em interesses de curtíssimo prazo leva a que se formem alianças, geringonças e quejandos, muitas vezes polémicos.

Portanto, desde já uma declaração pessoal de interesses. Como nunca poderia sobreviver num partido politico que me espartilhasse o pensamento, muito menos a expressão de ideias, como acredito em pessoas, e como tenho preocupações e sensibilidade sociais que encontram um lar confortável na social-democracia de cunho ideológico norte-europeu, ao longo da minha vida andei sempre a balançar em termos de opção eleitoral no chamado “bloco central”, fazendo inclinar o meu voto em cada eleição num ou noutro sentido, em função da pessoa que estava a dirigir o partido nesse momento, e em função do projeto programático.

A vida de eleitor, no entanto, complicou-se fortemente para mim, a partir do momento em que ambos os principais partidos do Bloco Central decidiram fazer acordos com o Diabo, para assegurar que têm estabilidade que lhes permita chegar ao poder, mesmo quando não são os partidos mais votados. No futuro terei certamente dificuldades acrescidas para encontrar no espectro de alternativas partidárias em Portugal uma que me satisfaça para depositar o meu voto… De qualquer maneira, como “bloco-centralista”, se me deixasse guiar pelo pensamento atual dominante em ambos os principais partidos que o compõe, nem me teria dado ao trabalho sequer de comprar o livro em questão, perdendo aquela que possivelmente seja uma das melhores memórias políticas de sempre, escrita por um tipo corajoso e honesto.

Varoufákis, que foi o Centeno (ministro das Finanças) desta geringonça grega tão sui generis quanto polémica, relata de forma fascinante, cativante, corajosa, transparente, simples, facilmente entendível para o comum dos mortais, e ante tudo honesta, as peripécias da renegociação da relação do seu país com a UE, o FMI e o BCE (que em conjunto representam a Troika, de má memória em Portugal também), e que foram lideradas por ele.

Vamos, então, ao livro. Com o título Comportem-se como adultos — a minha luta contra o establishment da Europa, chega a Portugal, três anos depois de ter sido publicado, este livro fascinante escrito por Yánis Varoufákis, economista, professor universitário, blogger, político e membro do Syriza, uma espécie (inteligente, melhorada e civilizada) de Bloco de Esquerda da Grécia.

O Syriza, como sabemos, chegou ao poder na Grécia em 2015 associando-se ao Aurora Dourada, um partido declaradamente nazi (o próprio Varoufákis o diz no livro), o que lhe deu a estabilidade parlamentar que necessitava para poder ser indigitado como Governo, tirando de cena os dois partidos corruptos que estavam no poder alternadamente há mais de 40 anos, e que levaram a Grécia à ruína e à miséria. Qualquer semelhança com os Açores em 2020 é, obviamente, pura coincidência.

Varoufákis, que foi o Centeno (ministro das Finanças) desta geringonça grega tão sui generis quanto polémica, relata de forma fascinante, cativante, corajosa, transparente, simples, facilmente entendível para o comum dos mortais, e ante tudo honesta, as peripécias da renegociação da relação do seu país com a UE, o FMI e o BCE (que em conjunto representam a Troika, de má memória em Portugal também), e que foram lideradas por ele.

Eu espero sinceramente que o castrador espartilho partidário não impeça que os nossos decisores políticos, universitários e económicos leiam, estudem e discutam amplamente o livro em Portugal, sem complexos nem ideias preconcebidas, para poder entender os jogos de interesses a que hoje, carneirinhos eleitores, estamos sujeitos na Europa. Falo da Europa porque é, em termos geopolíticos e de futuro, a área geográfica que me preocupa. Possivelmente isto seja igual ou pior noutras latitudes, em que se pode votar democraticamente, claro. O livro tem muitas passagens em que se substituirmos a palavra Grécia por Portugal certamente chegamos perto do descalabro que nós próprios vivemos na negociação com a Troika.

Só para dar um par de pequenos exemplos da narrativa de Varoufákis:

“Ao longo dos anos sombrios de 2010 a esta parte, fui continuamente aturdido pelo apoio que eu, esquerdista confesso, recebi de uma gama de pessoas de direita: banqueiros de Wall Street e da City de Londres, economistas alemães de direita, e até libertários americanos…. O que lhes agradava na minha posição, de resto à esquerda, era precisamente o que os regimes gregos e europeu abominavam: uma clara oposição a empréstimos insustentáveis, prolongados e fingidos, que disfarçam a falência como problema de falta de liquidez. Os genuínos defensores do mercado livre são alérgicos à benevolência suportada pelo contribuinte.”

Admirável ser humano este Varoufákis!

E, para não tirar o prazer às leitoras e leitores interessadas (os) no mundo que nos rodeia, de descobrir as dezenas de passagens admiráveis que o livro contém, apenas mais uma, que nem de encomenda:

“Não foi por acaso que também foi em junho de 2014 que Stournaras (Ministro das Finanças) trocou o Ministério das Finanças pelo recém-libertado cargo de governador do Banco Central da Grécia. Também ele abandonou um navio que se afundava.”

Substitua-se 2014 por 2020, Stournaras por Centeno, e Grécia por Portugal. Na mouche !

O livro já passou a filme, também ele notável, pelas mãos de um dos maiores realizadores da história do cinema de todos os tempos, Constantin Costa-Gavras (cuja obra prima para mim é o filme Z —  A orgia do poder, sobre a tomada do poder pelos militares na Grécia na década de 60 do século passado).

Comportem-se como adultos, foi uma frase proclamada por uma grande mulher, Christine Lagarde, para tentar impor ordem numa reunião do Eurogrupo, uma tertúlia em que predomina a presença de machos alfa como Jeroen Dijsselbloem, o holandês que disse um dia que a malta do sul da Europa (você, cara leitora e leitor, e eu) estourava o dinheiro todo em vinho e mulheres, e portanto não era credível, nem se lhes deveria facilitar a vida.

O título, quer do livro, quer do filme, Comportem-se como adultos, foi uma frase proclamada por uma grande mulher, Christine Lagarde, para tentar impor ordem numa reunião do Eurogrupo, uma tertúlia em que predomina a presença de machos alfa como Jeroen Dijsselbloem, o holandês que disse um dia que a malta do sul da Europa (você, cara leitora e leitor, e eu) estourava o dinheiro todo em vinho e mulheres, e portanto não era credível, nem se lhes deveria facilitar a vida. Se não fosse o Varoufákis nunca teríamos sabido que foi uma grande senhora que conseguiu disciplinar aquela infame reunião do Eurogrupo, que mais parecia um encontro de crianças mal-educadas e birrentas.

Uma mãe dificilmente tomaria a decisão de mandar os seus filhos para a guerra, sem esgotar todas as vias de diálogo e entendimento possíveis primeiro. E também a que no panorama nacional se possam encontrar consensos políticos entre forças politico-partidárias de famílias semelhantes, e igualmente preocupadas com os interesses superiores do país, e não do partido, sem necessidade de fazer pactos com o Diabo.

O papel das mulheres na política tem vindo a fortalecer-se, e eu sinceramente espero que venha a ser crescentemente determinante em várias frentes. Na influência que possam exercer nas famílias, para que o nível de participação em futuros atos eleitorais aumente substancialmente (e consequentemente o vergonhoso nível de abstenção, que anda pelos 50%, diminua drasticamente), o que obriga obviamente também as mulheres, mais não seja moralmente, a comparecer maciçamente nos atos eleitorais, honrando o direito de voto conquistado graças à luta de mulheres extraordinárias. Não nos esqueçamos que as mulheres em Portugal só ganharam o direito irrestrito ao voto a partir de Dezembro de 1968. Na Suíça foi mais de três anos depois! Mas também na reivindicação ativa e militante de cargos e responsabilidades políticas que pareciam ser exclusivos de machos alfa. Nos EUA, Joe Biden está a dar os primeiros e revolucionários passos ao ter escolhido uma mulher para compagnon de route na vice-presidência (que, caso Joe Biden tenha um percalço de saúde, pode mesmo vir a ocupar a presidência dos EUA), e vai nomear duas mulheres para ocupar posições que nunca antes também foram ocupadas por mulheres, a do Tesouro, e a de Chefe do Departamento de Defesa, que controla o aparelho militar nos EUA.

O mundo está mesmo a mudar, e eu acredito que as características intrínsecas das mulheres, a maior propensão ao diálogo e ao encontro de plataformas de entendimento, em vez da radicalização de posições e do partir para agressões, tão comuns aos machos alfa que pululam nas estruturas partidárias e políticas, possa ajudar a uma gradual distensão no panorama político mundial, e à diminuição dos conflitos armados e guerras. Uma mãe dificilmente tomaria a decisão de mandar os seus filhos para a guerra, sem esgotar todas as vias de diálogo e entendimento possíveis primeiro. E também a que no panorama nacional se possam encontrar consensos políticos entre forças politico-partidárias de famílias semelhantes, e igualmente preocupadas com os interesses superiores do país, e não do partido, sem necessidade de fazer pactos com o Diabo.”

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