Viveu durante oito anos na Holanda, onde fazia investigação científica na Wageningen University. Regressou a Portugal em Setembro de 2011, para liderar um projecto de investigação da União Europeia no Centro de Ciências do Mar (CCMAR). Dois anos depois, mudou-se do solarengo Algarve para a muito chuvosa Bergen, cidade norueguesa que é considerada a Silicon Valley da Aquacultura. Com esse salto deu um outro: deixou a investigação em contexto académico e passou para as empresas. Ingressou na Mowi, o maior produtor de salmão de todo o mundo, onde hoje desempenha funções de CSO (Chief Sustainability Officer) e CTO (Chief Technology Officer). Há nove anos a viver e a trabalhar na Noruega, Catarina Martins reconhece que o país é muito equilibrado e igualitário, e com uma grande disciplina de trabalho.
Como foi o seu percurso escolar?
Desde muito cedo sempre tive um grande interesse por temáticas ligadas ao mar e, por isso, a decisão de estudar Biologia Marinha na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foi fácil.
No último ano da licenciatura fiz um estágio em Aquacultura e percebi que seria uma área que combinava a Biologia Marinha com a sua aplicabilidade. Para aprofundar os meus conhecimentos e contactos nesta área, decidi, então, enveredar pelo doutoramento na área da Aquacultura. Escolhi a Universidade de Wageningen na Holanda, uma universidade líder mundial na área das ciências naturais, o que me permitiu trabalhar num contexto muito internacional com várias espécies relevantes para a Aquacultura. O doutoramento foi uma rampa de lançamento para liderar vários projectos europeus na area da sustentabilidade em aquacultura.
Mais tarde, já trabalhar na Mowi, aprofundei os meus conhecimentos na área da Sustentabilidade Corporativa com vários cursos feitos na Universidade de Harvard e um MBA na Norwegian School of Economics, em Bergen.
Sempre pensou em fazer carreira fora de Portugal?
Quem estuda Biologia em Portugal apercebe-se bem cedo que a hipótese de sair de Portugal tem uma grande probabilidade de se tornar uma realidade. No meu caso sempre adorei viajar e conhecer outras culturas, por isso o passo para sair foi fácil e natural.
Qual o momento mais marcante do seu percurso profissional?
O salto do mundo académico para a área empresarial. Começar numa empresa como a Mowi (antiga Marine Harvest), um gigante na área da aquacultura, maior produtor de salmão do mundo (7,5 milhões de refeições por dia). Só para ter uma ideia da escala, a Mowi produz 430 mil toneladas de salmão na Noruega, Escócia, Irlanda, Chile, Canadá e ilhas Faroe, o equivalente a 57 vezes a produção de peixe em Portugal – que produz cerca de 7500 toneladas de peixe anualmente. A Mowi não só produz salmão, mas também tem mais de 30 fábricas de processamento de peixe espalhadas pelo mundo. Foi uma adaptação que requereu muita resiliência e uma grande capacidade de absorver novos conceitos e operar a uma grande escala, mas ao mesmo tempo uma experiência muito enriquecedora.
Em segundo lugar foi o reconhecimento do trabalho de sustentabilidade – quando a Mowi chegou ao topo do FAIRR index, como a empresa de produção animal mais sustentável. Este índice compara fatores de risco em sustentabilidade entre as 60 maiores empresas do mundo na área da produção animal, incluindo empresas de aquacultura, como a Mowi, mas também produtores de bovinos, porcos e galinhas. O FAIRR tem uma importância instrumental também no aconselhamento de investidores nesta área e o impacto é muito significativo. Temo-nos mantido no primeiro lugar do índice FAIRR nos últimos dois anos.
O que a levou a decidir saltar da investigação académica para a vida empresarial?
O desafio de ver resultados mais rapidamente. Sempre continuei ligada a área de investigação, mas no contexto empresarial. E a experiência académica tem sido muito valorizada, o que resultou no último salto na minha carreira, acumulando a área da inovação com a da sustentabilidade, passando a liderar duas equipas e a abranger áreas como a inovação em digitalização e automatização na produção marinha.
Como foi a sua evolução na Mowi, na Noruega?
Entrei na Mowi em Agosto de 2013, portanto há 8 anos. Na Mowi porque é um líder na área da aquacultura e tem um contexto internacional que também me agradava. Quando comecei a trabalhar na Mowi foi como Group Manager of Environment and Sustainability, uma posição inserida na equipa técnica global. Em 2019, a área da sustentabilidade foi reforçada com a criação da posição de Chief Sustainability Officer (CSO), para onde mudei, passando a reportar diretamente ao CEO, e um ano mais tarde acumulei com a função de Chief Technology Officer (CTO), passando a liderar a equipa à qual pertenci quando comecei a trabalhar na empresa.
Quais são os principais desafios de liderar a área tecnológica e de sustentabilidade de uma empresa de recursos marítimos?
A área da aquacultura é uma atividade relativamente nova como indústria e, como tal, teve uma evolução bastante rápida nos últimos 30 anos, em que se foram corrigindo e otimizando algumas práticas. Por operar em ligação com o meio natural, há um escrutínio muito grande por parte dos diferentes stakeholders e ONG, o que é muito saudável e importante. Mas ainda subsistem alguns preconceitos que não correspondem à realidade atual. Um dos principais desafios é a comunicação de como a indústria evoluiu e como neste momento é a forma de produção animal mais sustentável e reconhecida como podendo representar uma resposta aos desafios climáticos que o planeta enfrenta, pela baixa pegada de carbono que a produção de peixe representa, quando comparada com a produção de animais terrestres. Ainda na semana passada estive na COP26 onde esta importância foi sublinhada. Mas ainda há muito trabalho para fazer.
O que mais gosta no seu trabalho?
O dinamismo: nunca há um dia aborrecido. E poder ter um impacto real na vida das pessoas e no nosso planeta, ao contribuir para a produção de um alimento saudável e sustentável.
Vem a Portugal com frequência?
Geralmente regresso a Portugal duas vezes por ano, no verão e no Natal. O verão na Noruega é, na melhor das hipóteses, como o Inverno ameno de Portugal, por isso é importante para mim e para a minha família recarregar energia com o sol de Portugal.
Está nos seus planos regressar definitivamente nalguma fase?
Para já um regresso definitivo não está nos planos, mas dependeria das oportunidades que surgissem.
A Noruega é um dos países mais igualitários em termos de género do mundo. Na dia a dia, sente alguma diferença na prática em relação a Portugal?
Na prática, sinto pouca diferença. Penso que, tal como na Noruega, em Portugal as mulheres têm a possibilidade de chegarem a posições de liderança. Na sociedade norueguesa há, no entanto, uma separação menor entre o que é estereotipado como típico de mulher ou de homem. Por exemplo, jogar futebol é tão popular entre os rapazes como entre as raparigas. Também há uma divisão igualitária da licença de maternidade e paternidade.
Como é que se adaptou a uma equipa que não conhecia, num país desconhecido?
A mudança de Portugal para a Holanda foi difícil, já que o contraste cultural para uma jovem de 22 anos foi enorme. Aprendi a lidar com as diferenças culturais de forma positiva, a observar e experimentar estratégias diferentes das que estava habituada. A Holanda foi uma boa escola nesse sentido, pois durante os 9 anos que lá vivi interagi com culturas de todo o mundo. Com o tempo, a capacidade de adaptação torna-se natural. Por isso, a mudança para a Noruega foi muito fácil. O povo norueguês valoriza muito a proximidade com a natureza, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e o respeito pela opinião dos outros — valores que aprecio bastante.
A cultura e a forma de trabalhar em Portugal é muito diferente dos outros mercados em que trabalhou?
Sim, é. Eu diria que Portugal tem elementos profissionais fantásticos, como a criatividade. Há sempre uma maneira de solucionar um problema, um contratempo, uma forma de contornar a falta de recursos. No entanto, a experiência na Holanda e na Noruega ensinaram-me que para obter resultados é necessário um foco muito grande e disciplina de trabalho. Nas minhas equipas procuro fomentar um equilíbrio de personalidades e diversidade, que enriquece o ambiente de trabalho. Por isso, conto com profissionais de diferentes nacionalidades.
Quais as principais aprendizagens que fez durante este período fora de Portugal?
Ser tolerante e dar valor à diversidade. E o facto de ter-me adaptado a diferentes realidades, tanto a nível profissional como pessoal. O facto de aceitar novos desafios e ter a confiança de que não há barreiras intransponíveis, problemas que não possam ser enfrentados e solucionados.
Fala norueguês?
Sim. É uma língua bastante distinta do português, mas uma das palavras em comum é o nosso amigo bacalhau, mas com significado diferente! Por isso a aprendizagem não foi fácil.
Como é composta a sua equipa?
Tenho uma equipa altamente qualificada e diversa, que é composta por pessoas de diferentes nacionalidades, um rácio equilibrado de homens e mulheres, com diferentes faixas etárias.
Como se impôs enquanto estrangeira e mulher?
O facto de ser estrangeira e ter tido a experiência em varias países ajudou-me a aperfeiçoar qualidades que penso serem muito importantes no mundo das economias do mar. Portugal ensinou-se a amar o mar, a sonhar mais alto; a Holanda ensinou-se a ser direta e eficiente no trabalho; esta combinação ajudou-me a ser reconhecida pela paixão, qualidade e eficiência do meu trabalho.
Portugal Vs Noruega
Do que mais gosta e do que menos gosta no nosso país?
Mais: a criatividade e a paixão pelo mar.
Menos: a desorganização.
O que é melhor em Portugal do que em outro lado qualquer?
A culinária. E o peixe, claro! Incluindo o bacalhau e o salmão da Noruega!
Do que mais gosta e do que menos gosta na Noruega?
Mais: o pragmatismo e eficiência do povo norueguês, a Natureza!
Menos: o clima.
O que é melhor na Noruega do que em qualquer outro lado?
O foco numa sociedade equilibrada e feliz.