Natural da Fuzeta, no Algarve, aos 18 anos Carolina Afonso viu no curso superior de relações internacionais uma janela para o mundo. “Tinha grande apetência para a parte da diplomacia e dos direitos humanos e Relações Internacionais cobria todas essas áreas.” Licenciada pela Universidade Nova de Lisboa, chegou a ter experiência nessa área, trabalhando para a Câmara de Comércio Britânico entre 2004 e 2006. Foi aí que o marketing apareceu na sua vida. “Comecei a desempenhar funções de promoção do país no Reino Unido (e vice-versa) e para isso eram necessários skills de marketing. Pensei na ótica do marketing internacional, que fazia ponte com a minha formação de base e com ferramentas que precisava para o dia a dia.”
Para dar azo à nova paixão, e depois de uma pós graduação em Estudos Europeus e e Comunicação Empresarial, na Universidade de Haia, fez o mestrado em Marketing no ISEG e um ano depois, em 2011, avançou para o doutoramento em Marketing pela Universidade Complutense de Madrid, que completou com mérito.
A sua entrada profissional para o setor tecnológico aconteceu em 2006, quando entrou para Listopsis, representante da Toshiba, como maketing manager; dois anos depois, mudou para a Asus, onde foi diretora de marketing durante oito anos. “Tive que viajar muito para Taiwan (sede da multinacional) e para Hong Kong, destinos que colocaram a tecnologia no meu ADN.”
Em 2016 decidiu dedicar-se em exclusivo ao ensino, no ISEG, onde ainda dá aulas a alunos de pós-graduação e mestrado em Marketing, agora com uma carga letiva menor. “Adquiri outras competências: pedagogia, saber lidar com pessoas, dinamizar uma aula. Mas para mim é fácil e um real prazer pensar que, no fim do dia, vou poder partilhar conhecimento e vou aprender também.”
Desde há um ano que é a diretora de Marketing da Konica Minolta Portugal, onde também tem assento no conselho de administração. “O meu percurso foi sempre em multinacionais e acaba por haver uma relação com aquilo que queria fazer inicialmente, na área da diplomacia e de conhecer mundo. Esse background complementa-me, o que, se calhar, não teria acontecido se eu tivesse ido pelo caminho normal.”
O que a apaixona na área tecnológica e que desafios ela traz ao marketing, atualmente?
A atualização constante é um princípio base. O que serve hoje, não servirá amanhã. Na tecnologia, há sempre uma força que nos puxa para o amanhã. O ciclo de venda dos produtos é cada vez mais curto. Esta necessidade de acompanhar pode parecer frenética, é verdade, mas ao mesmo tempo obriga-nos a ter sempre um pé no futuro, para conseguirmos capitalizá-lo para o presente. O fascínio é dar-nos esse lado mais visionário, que também é muito interessante na perspectiva do marketing, onde a missão é monitorizar que os objetivos do cliente, que estão sempre a evoluir. E há uma série de empresas que não entendem que o foco deve estar nas necessidades do cliente e não no produto. É essa monitorização constante que nos faz evoluir e faz um paralelismo com a tecnologia.
“As equipas de marketing do futuro serão multidisciplinares: tem que existir gente da área do marketing, da gestão, da engenharia eletrónica, da comunicação.”
Quais as competências de marketing digital mais procuradas pelo mercado?
Hoje o marketing é tecnologia, portanto tem que haver uma apetência técnica — fala-se muito no perfil martech. As empresas têm que saber estar nos motores de busca e isso exige competências técnicas como SEM (search engine marketing), SEO (search engine optimization), que são difíceis de encontrar e que, muitas vezes, só se encontram na área da engenharia, porque todas as plataformas têm algoritmos. Depois, ou se tem apetência ou não: há quem faça uma incursão no marketing digital e perceba que tem de dar um passo atrás.
Também são precisos analistas de dados, porque o digital traz-nos uma grande quantidade deles e muitas empresas nem têm capacidade interna de analisar a quantidade de que dispõem. Isto obriga ao tratamento e classificação de dados e a tirar insights deles. Daí fazerem falta data scientists nas organizações, que é outro tipo de perfil. Muitos alunos meus da pós-graduação no ISEG estão ativos no mercado e têm um background de engenharia. Nos estudos internacionais de Harvard ou do MIT vemos já a ideia expressa de que as equipas de marketing do futuro serão multidisciplinares: tem que existir gente da área do marketing, da gestão, da engenharia eletrónica, da comunicação.
Qual foi o maior desafio que encontrou neste setor?
Acho que o papel que a mulher tem no mundo da tecnologia é um desafio em continuum. Hoje, há cada vez mais mulheres, e ainda bem, mas há 12 anos, quando comecei a trabalhar nesta área, entrava numa sala de reuniões e perguntavam-me se era mesmo eu que iria reunir com eles. Hoje, felizmente, vejo uma evolução muito positiva, mas cheguei a pensar se deveria mesmo continuar nesta carreira. (risos) Há todo um caminho que se desbrava e hoje não tenho qualquer problema em relação a esse tema. É bom perceber que há cada vez mais oportunidades para as mulheres nesta área, que este não é um mundo de homens e que trazemos até um olhar crítico que, por vezes, eles não têm. Trazemos grandes skills… e até algum glamour — porque não? (risos)
“Muitas vezes era a única mulher em reuniões com 20 homens. Revi-me em muitos dos relatos que a Sheryl Sandberg fez no livro ‘Lean In — Faça Acontecer’.”
Mas era intimidante para si?
Isto teve o seu tempo. Senti claramente isso no meu dia a dia. Muitas vezes era a única mulher em reuniões com 20 homens. Revi-me em muitos dos relatos que a Sheryl Sandberg fez no livro ‘Lean In — Faça Acontecer’. Não olho para estas situações como feminismo, mas esta é a realidade que encontramos nas organizações. Não é uma questão de género, mas de igualdade de personalidade. E fico feliz em ver que já há um grande caminho feito nesse sentido.
A diversidade traz vantagens competitivas às equipas tecnológicas?
Isto é uma análise muito pessoal, por aquilo que encontro no terreno, mas noto que, em geral, os homens são muito mais racionais no sentido da análise; as mulheres têm um certo golpe de asa — conseguem conjugar outro tipo de varáveis, por vezes não tão racionais, mas que fazem a diferença. A criatividade e inovação são territórios nos quais têm um sentido um pouco mais abrangente acerca do que se passa no mundo. Estou a polarizar as coisas entre homens e mulheres, mas por vezes há grandes exceções. Porém, o que encontro na maioria dos casos é isso: uma mulher que olha para a problemática que está a ser discutida há horas por um grupo de homens, e de repente propõe “então e se…?”
Quais os maiores erros que vê serem cometidos, no que toca à presença das marcas no mundo digital?
Muitas vezes o que vejo é alguma precipitação. Hoje em dia é muito tentador para uma start-up, por exemplo, arregaçar as mangas e começar a abrir páginas em todas as redes sociais e a mandar newsletters. Mais cedo ou mais tarde, acontecem choques de realidade que têm a ver com o caminho que deveria ter sido feito atrás. É a parte da estratégia, que dá trabalho e da qual muitas vezes se foge, que corresponde à análise de mercado. Antes de ir para as redes sociais, convém saber quem sou enquanto marca, quem é a minha concorrência e que tipo de iniciativas faz nas redes sociais. Ou seja, mapear o ecossistema da marca, olhando para tudo de forma mais abrangente e, depois sim, a partir daí definir os seus objetivos de forma muito clara, mensurável e realista – e isso não é apenas dizer que os objetivos são aumentar a notoriedade da marca e a quota de mercado; não conheço nenhuma empresa que não queira aumentá-las. Encontro muitas táticas soltas e não uma estratégia consertada. Vai haver momentos em que percebemos que, provavelmente, não deveríamos estar naquela rede social porque não é aí que está o nosso target.
Não nos podemos esquecer também do offline: há eventos para organizar, há pontos de venda que não podemos descurar. Por vezes a discussão é porquê falar em marketing digital, especificamente, se tudo é marketing. Corremos o risco de menosprezar o que se passa no mundo físico, até porque, afinal, não se passa tudo no digital.
“Muitas marcas entregam [a gestão das suas redes sociais] a um estagiário que não conhece a marca, só porque até faz umas stories engraçadas, mas que ainda não percebeu que é preciso uma identidade e trata redes sociais da marca como se fossem as suas próprias.”
As marcas estão a comunicar bem online com o seu público-alvo?
Há de tudo: quem esteja a fazer um trabalho sério nessa área e também alguns erros. Muitas empresas ainda entendem as redes sociais como algo gratuito que lhes permite chegar a muita gente com baixo custo por contacto, face a outros meios tradicionais. Mas depois pegam neste recurso e entregam-no a um estagiário que não conhece a marca, só porque até faz umas stories engraçadas, mas que ainda não percebeu que é preciso uma identidade e trata redes sociais da marca como se fossem as suas próprias. Isto é tão verdade, que percebemos claramente quando já não é a mesma pessoa que está a gerir as redes sociais. Isto não pode acontecer. Tem que ser definido um brand book: como tratamos os nossos clientes (por tu ou você), usamos emojis ou não, o tipo de linguagem (é coloquial, formal ou científica?), se estou para educar ou para entreter. Isto obriga-nos a encarar este meio como algo que não é grátis: precisa de profissionais com os skills certos, que sabem como lá estar; é um investimento.
E quem é que, em seu entender, está a comunicar muito bem online?
Normalmente, olhamos para as redes sociais como território das marcas de consumo. O desafio das marcas B2B como a Konica Minolta é o facto de o target serem as empresas, mas quem está do outro lado continuam a ser pessoas — e às vezes esquecemo-nos disto. Hoje em dia, os próprios conceitos B2C ou B2B já não fazem tanto sentido. Para mim, deveríamos pensar em marcas B2P — business to people. Não podemos olhar para a comunicação entre empresas como algo frio e distante. Neste caso, a tentativa da Konica Minolta foi a de humanizar a marca, estabelecer proximidade e endereçar necessidades e não tanto produtos. Não queremos cair no registo “no tu cá tu lá”, porque não é o nosso, mas sim contar histórias, dizer que somos uma marca japonesa e trazer esse lado oriental para a forma como comunicamos, mostrar que temos mundo, fazer dos nossos clientes os protagonistas da história através de recolha de testemunhos em vídeo, por exemplo. O storytelling tem desafios interessantes. Começámos a fazê-lo em Portugal e agora já há pessoas da minha equipa a fazer a gestão das redes sociais da Konica Minolta também para Espanha, Itália e França. Os outros países olharam para nós e viram que era por este caminho que queriam ir e perguntaram-nos se conseguiríamos adaptar os conteúdos à sua cultura. Isto não acontece noutro local.
Outro exemplo bem português é o das Josefinas. Acho notável o trabalho de storytelling que fazem. É o exemplo de que é possível marcar a diferença com uma história para contar. Elas têm vindo a destacar-se pelo trabalho que fazem nas redes sociais. Foram a única empresa portuguesa convidada pelo próprio Instagram para irem até à sua sede para mostrar como são um exemplo mundial de boas práticas. Sabem mostrar o lado humano, com glamour. É algo que nos deve orgulhar, enquanto portugueses.
“O algoritmo, sobretudo no caso do Facebook, está a zeros, o que significa que já não conseguimos colocar um post e chegar às mesmas pessoas a que chegávamos no passado. Isto requer saber especializado e perceber que teremos mesmo que investir, porque este já é um media pago há algum tempo.”
Quais as tendências que vão dominar o marketing em 2019?
A questão da publicidade nas redes sociais vai ser uma delas. O algoritmo, sobretudo no caso do Facebook, está a zeros, o que significa que já não conseguimos colocar um post e chegar às mesmas pessoas a que chegávamos no passado. Isto requer o tal saber especializado e perceber que teremos mesmo que investir, porque este já é um media pago há algum tempo. Há que perceber como funcionam as plataformas e dominar as novas formas de publicidade nelas — estão sempre a surgir novos formatos. A publicidade também vai chegar ao Whatsapp, que pertence ao Facebook, tal como o Instagram. Há grandes tendências que devem ser acompanhadas, ao nível de formatos, algoritmos e analytics e é essencial dominá-las para se ter presença no digital. Do outro lado, temos também o Google, com todo um universo de publicidade de Adwords e que também detém o Youtube.
A nível de formatos, o vídeo é “o” formato, neste momento. Quando fazemos um vídeo em detrimento de um texto ou de uma fotografia, os resultados são melhores. Mas o desafio hoje é produzir vídeo adaptado às plataformas. Há que perceber que no Instagram são 30 segundos, no Facebook já podemos ir um pouco mais além e que no Youtube as pessoas estão predispostas a consumir vídeos mais longos. Há a arte do vídeo em contextos diferentes e de adaptação às várias plataformas. Pegar num mesmo conteúdo e colocá-lo em todo o lado não vai funcionar.
A parte analítica é essencial para medir tudo o que andamos a fazer. As organizações estão a lutar por isso, porque toda a gente quer mostrar resultados. Temos muitos dados estatísticos hoje no Facebook, Youtube e no Google Analytics, sobre os nossos sites. Mas como vamos compará-los e saber que aquele cliente clicou no post e a seguir veio ao site e comprou na loja? Já entramos no território daquele que será o próximo santo graal — os modelos de atribuição. Por exemplo: num jogo de futebol temos os defesas, os médios e os avançados; o objetivo é marcar o golo, que neste caso é a venda. O que queremos saber é quem contribuiu mais para aquela venda acontecer. Os modelos de atribuição tentam perceber qual o contributo de cada um destes meios para a venda. Muitas marcas já os estão a fazer, mas a tendência vai-se massificar. Assim podemos saber se estamos a subestimar um meio em que deveríamos investir mais, ou a gastar demasiado num outro que não nos dá grande retorno.
Qual o tipo de influenciadores mais “apetecíveis” para as marcas, neste momento?
Vamos sempre parar à questão dos números. O decisor vai olhar para um influenciador como um meio e vai querer saber quantos seguidores tem, como é a audiência, qual a taxa de engagement. Mas aí ficamos reféns disso, até porque hoje em dia podem comprar-se seguidores e há muita gente que o faz — quando os números crescem do dia para a noite algo de estranho se passa. O que nos interessa é o engagement, a comunidade ativa que existe por trás do número. Por isso é que hoje já há o sentido crítico de olhar para os fake influencers — quem são estas pessoas, quem e o quê influenciam? Normalmente, vai premiar-se a autenticidade de quem sempre foi genuíno no seu trabalho e tem uma comunidade que cresceu de uma forma orgânica. Isto dá frutos a longo prazo e as marcas querem essa empatia genuína. Imensos influenciadores já caíram no descrédito, mas os seguidores não perdoam e o mercado é seletivo. É uma espécie de darwinismo digital — a espécie vai evoluindo, adaptando-se e muitos (felizmente) vão ficar para trás.
Que conselhos daria a uma profissional que se prepare para entrar neste admirável mundo novo?
Há dois cores aqui: o dos hard skills e o dos soft skills. Ninguém vai longe sem formação, que terá de ser contínua ao longo da vida. E nesta área do marketing digital por vezes terá que ser muito autodidata. Posso ir à universidade (e devo), para ir buscar determinadas competências-chave que depois me permitirão aprender sozinha. A parte soft, que é essencial, tem a ver com todo o conjunto de competências como a curiosidade, uma atitude proactiva, a forma como encaixamos os episódios que nos acontecem, a forma como agarramos as oportunidades que surgem. Temos que ter abertura e honestidade, dois skills muito importantes hoje em dia — a honestidade intelectual para admitir o erro e para percebermos que não estamos sozinhos, porque é necessário um trabalho colaborativo e multidisciplinar.