Os dois lados do carisma

Quando falamos em carisma vem-nos à memória líderes políticos como Nelson Mandela, Winston Churchill, Martin Luther King. Gente que pela sua forma de comunicar, pela empatia que criavam, pelos valores que defendiam, levaram multidões a segui-los e escolher os seus caminhos.

O carisma é uma das características que muitos procuram numa liderança. A capacidade de cativar os seus subordinados, de os orientar e guiar numa visão, a criatividade que tantas vezes demonstram, a energia que transmitem, as ideias que parecem povoar a sua mente a cada minuto, tudo isso são vantagens quando se está a gerir uma organização e a procurar que uma equipa trabalhe para um resultado. A confiança inspiradora que uma chefia carismática cria é inigualável, as suas capacidades sociais e a facilidade com que “leem a sala” ajuda a que os outros se sintam confortáveis. Muitos lideram pelo exemplo, colocando a mão na massa quando é necessário, e mostrando humildade quando o grupo precisa, levando a uma diminuição do stress e a criação de uma identidade partilhada.

O carisma pode parecer natural para algumas pessoas, mas como grande parte de tudo o que fazemos, pode ser ensinado e treinado. Há técnicas que podem ser repetidas como um discurso articulado, o tom de voz, a energia que é colocada na apresentação, o storytelling. Muitos oradores que se destacam em conferências prepararam-se e exercitaram o seu discurso. Assim, embora esta ligação magnética que se cria entre o líder e os seus seguidores pareça algo especial, quase sobrenatural, muitas vezes é um reflexo de muito trabalho, ensaio e, digamos, tempo nesse registo.

Pode-se dizer que o carisma tem dois lados: um que leva, muitas vezes, a um aumento da produtividade, inovação e motivação, e outro, onde se mal utilizado pode ser confundido com um culto de personalidade, com todas as desvantagens que isto traz.

A dependência na visão de uma pessoa, o domínio que esta possa criar no grupo, pode limitar a discussão, a tomada de posições contrárias à sua e inibir a criatividade e a criação de ideias por parte de outros elementos. Os colaboradores tendencialmente começam a depender do líder para todas as decisões, diminuindo a sua capacidade de crítica e julgamento. É difícil dizer que não, é difícil contrariar alguém que se admira muito, é difícil igualar níveis de energia e constantes descargas de pensamentos e projetos.

Por outro lado, o carisma pode ser visto como falta de substância. Discursos inspiradores, mas muito genéricos, com uma visão demasiado global, podem ser interpretados como vazios quando, em muitos casos, o segredo está nos detalhes, que ficam aquém nessa análise. Manter este registo inspiracional constante é também exaustivo para quem depende apenas dele para orientar pessoas. Não é possível manter este nível de energia todos os dias, semanas e meses e, chega um momento, em que mais do que motivar, é preciso executar.

Noutra perspetiva, um gestor demasiado carismático pode tomar-se dominador e manipulador, não contribuindo para o crescimento de outros líderes na equipa, limitando o seu desenvolvimento pessoal e impossibilitando a transição e passagem de testemunho. Quantas empresas não conhecemos onde, saindo a pessoa que as lideravam, afundou por falta de rumo?

 

Assim, o que pode um líder carismático fazer para não cair na sua própria armadilha? Ter cuidado em não ultrapassar a equipa, equilibrar a energia para multiplicar a dos outros, perguntar mais, levantar desafios difíceis, mas possíveis em tempo útil. Definir expectativas e explicar os objetivos. Trabalhar o carisma nos outros. Balancear a imaginação com a realidade. Calar-se.

Como conclusão, o carisma é importante na liderança de um negócio. Mas deve ser utilizado a favor dos outros e não de si próprio. Pode, e deve ser, aprendido e treinado.

Muitas vezes, quantas vezes, o que uma organização precisa não é de um líder que está sempre em discurso motivacional, mas um gestor que actue nos bastidores, mais vezes em silêncio do que em modo contador de histórias. Que saiba o que é o negócio, como ele funciona, e organize as equipas para que ele não seja necessário.

Um líder carismático que não seja o centro, mas que saia dele.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 24 Outubro 2024

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