Refugiados políticos

Há umas semanas, aterrando no Porto, fui abordada no autocarro que me levava para o terminal por um casal de americanos que me pediu ajuda para conseguir a morada do hotel onde iam ficar. Eram os dois reformados, entre os 65 e os 70 anos.
Perguntei quantos dias iam ficar por cá e a senhora,  em lágrimas, disse-me que vinham para cá viver. Tinham vendido tudo. A chorar, falava do piano de cauda, da casa onde tinha crescido com os pais e onde tinha passado no dia anterior ao voo pela última vez. Perguntei porque se estavam a mudar e a resposta foi categórica: “Politics”.
Depois, porque é que tinham escolhido o Porto, o que mais tinham gostado da cidade, e a constatação foi surpreendente: nunca cá tinham estado, não conheciam a cidade, tinham comprado o apartamento por vídeo. Não conheciam ninguém, não falavam a língua.
Estavam a vir de um voo europeu, vestidos com as melhores roupas, com hotel marcado na Foz do Douro. Mas aquelas pessoas eram refugiados.

Fiquei atónita.
O que pode levar duas pessoas a mudar de continente, deixar tudo para trás, e vir viver para um local que nunca viram ou sentiram antes? Apenas Política?

Mas o apenas não é tão pouco assim. Quem conversar com americanos percebe o quão dividido e polarizado está o País.
No momento em que escrevo este texto o Trump irá com certeza vencer as eleições americanas.
Independentemente da minha opinião, como mulher choca-me que este personagem tenha chegado lá pela segunda vez, a verdade é que viver nos EUA nos tempos que correm não é fácil.
Não acredito que este elemento venha a ser agregador, bem pelo contrário. O discurso de medo e agressivo só tende a criar mais fricção e separação. O que unia esta nação com tantos estados tão diferentes entre si era a Constituição e, mesmo essa, encontra-se em perigo.

Penso, hoje, neste casal americano, que viu como saída única fugir para Portugal. Para a Europa.
Deixar tudo, pianos de cauda e memórias. E, talvez, família e amigos com quem já não conseguiria conversar.
Ver o futuro, já não tão longo assim, tão negro, que planearam vir embora.

Temo que este movimento se agudize nos próximos tempos.
O que vale é que as nossas políticas de emigração ainda recebem os americanos refugiados políticos.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 07 Novembro 2024

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