A vista não se cansa na Córsega

Na Córsega a seguir a uma curva da estrada pode surgir uma pequena aldeia serrana ou uma vista sobre um paisagem sedutora de montanhas, onde vale a pena parar. E com sorte e preparação atempada da viagem, o caminho pode ir dar àquela praia de charme onde apetece ficar, para ouvir o mar e olhar em volta.

 

Na praia de Santa Júlia a vista não se cansa.

Na praia de Santa Júlia a vista não se cansa.

A influência italiana, sobretudo genovesa sente-se, nesta ilha encantadora, na quantidade de restaurantes de pizzas e massas que encontramos, mas também na forma um pouco mais irreverente de conduzir de quem anda de moto. Os sinais de trânsito das estradas, de vez em quando cravados com balas, demostram que os corsos continuam a não gostar muito da presença francesa na ilha. Mas é coisa para apenas pessoas mais atentas darem por isso, como eu. O que é mesmo inesquecível são as paisagens montanhosas do interior da Córsega, as suas praias belas, onde, por vezes, passeiam vacas como se estivessem sempre ali, e as suas pessoas: simpáticas, agradáveis e bastante comunicativas. Tudo isso contribuiu para que os dias na Córsega, que foram intensos, com muitas caminhadas, por vezes bem inclinadas, e muitas paragens para fotos, tivessem sido inesquecíveis.

 

A casa da família de Napoleão Bonaparte

O piso térreo da casa onde nasceu Napoleão Bonaparte, em Ajaccio, albergava um lagar, ainda hoje conservado.

O piso térreo da casa onde nasceu Napoleão Bonaparte, em Ajaccio, albergava um lagar, ainda hoje conservado.

Viajar é uma coisa extraordinária. Dá-me sempre imenso prazer descobrir novos sítios, sejam eles mais ou menos atractivos, sobretudo porque há sempre algo que nos encanta ou surpreende. E, na Córsega, isso aconteceu mais do que uma vez.

Foi o que sucedeu logo na primeira cidade onde estivemos, na visita à casa da família de Napoleão Bonaparte, nascido Napoleone di Buenaparte até ter mudado de nome para uma versão mais afrancesada, pelo que li, sobretudo por razões políticas e pela sua ambição, mais que provada, pelo poder. Foi bom andar ali dentro e ler os descritivos sobre a história da família, naquela casa que era também agrícola, como se pode ver pela lagar de azeite de boa dimensão que ocupa parte significativa do andar térreo e descobrir a sua história e as suas estórias.

Tive de comprar um livro sobre o personagem, que apenas conheço daquilo que tive de estudar nos livros de História, do que li sobre o efeito que a sua procura pela hegemonia sobre a Europa teve sobre o meu país e as nossas gentes e em algumas das inúmeras séries de tv que fizeram sobre ele.

Como é hábito, também deambulei pelo resto da cidade, com paragem no seu pequeno mercado, para ver sobretudo as suas bancas de peixe, e de queijos, enchidos e presuntos.

 

As ilhas Sanguinárias

A zona mais difícil do caminho em volta na estreita Ponta da Parata.

A zona mais difícil do caminho em volta na estreita Ponta da Parata.

A outra coisa que gostei mais, quando estivemos por terras de Ajaccio, foi da caminhada a pé, sempre com vista para o mar, em volta da estreita Ponta da Parata, para olhar e tirar algumas fotos do mar e do Arquipélago das Sanguinárias. O percurso é ameno, no início, e um pouco mais agreste depois, na volta, mas vale mesmo a pena fazê-lo com paragens para olhar a belas vistas de um mar um pouco mais belicoso nesse dia, e para as escarpas do cabo. No final, bem perto do parque onde estava estacionado o nosso automóvel, um grupo de pescadores transferia a safra do dia dos viveiros de mar da Quinta da Glória, como lhe chamam, que ficam a pouca distância da ilha. Suponho que era de douradas, o peixe mais cultivado naquelas zonas do Mediterrâneo. Mas não vi, porque não nos podíamos aproximar.

O dia seguinte era o mais desejado, o de deixar a cidade e partir para a descoberta do resto da ilha. E lá fomos, em direcção ao Sul, para uma viagem de pouco mais de 100 km, mas demorada como se fossem 500 dadas as características da estrada principal, com muitas curvas e trânsito.

No meio fizemos uma paragem numa pequena cidade de montanha, Sartènes. As ruas da sua parte mais antiga estão construídas em vários níveis e são ligadas por um complexo labirinto de misteriosas ruelas e lances de escadas e passagens aparentemente secretas, algumas das quais terminam em sólidos blocos de granito. Valeu a pena lá ir. Depois de deambularmos um pouco e de verificarmos isso mesmo, escolhemos o nosso restaurante de almoço da forma habitual: pesquisa no Google, verificação das avaliações, preços e ver comentários para termos a certeza que íamos ao sítio certo para nós, ou seja, com boa comida, de preferência com cunho local. E, desta vez, acertámos, o que nem sempre acontece, no restaurante Le Caramama. Para comer escolhemos carne de javali à Sertanesa, canelones de caça com molho de tomate da casa, tal como aconteceu com as beringelas ao parmesão, tudo saboroso e na quantidade certa para saciar o apetite. Para companhia foi bebida uma Petra Blonde, ou seja, cerveja, a escolha mais comum quando ando lá fora e desconheço ou conheço menos bem os vinhos e os preços são altos demais, como era o caso. Mesmo a cerveja custou mais de cinco euros a garrafa.

 

Duas praias de charme

Na Praia de S. João as grandes pedras de cor cinza entremeavam com a areia branca para tornar a vista ainda mais aprazível.

Na Praia de S. João as grandes pedras de cor cinza entremeavam com a areia branca para tornar a vista ainda mais aprazível.

E lá fomos, depois, a caminho de Bonifácio e Porto Vecchio, as cidades destino do passeio pelo sul da ilha, onde fizémos muitas caminhadas, por vezes por vias difíceis, por caminhos pedregosos e bem inclinados, para ver algumas das suas mais sedutoras praias. Foi o caso da praia de S. João (S. Giovanni) no sul da Córsega, uma das mais bonitas onde estivemos, onde a areia se entremeava com grandes pedras e a água, algumas vezes verde e outras azul, o que fazia apetecer lá estar. Na parte final do caminho de terra batida até ao lugar onde deixámos o carro, grandes buracos onde tive de passar a 1km/h, fizeram-me abençoar a escolha de um SUV de rodado alto, porque aquilo não era caminho para automóveis comuns. Uma caminhada depois, entre pequenas lagoas, levou-nos à beira mar já descrita onde aproveitei as águas calmas e límpidas para fazer mergulho de apneia durante algum tempo, antes de sair para tirar quantas fotos pude. Outra das praias mais belas daquela zona foi a praia de Santa Julia, situada já perto de Porto Vecchio, que ficava numa baia em semicírculo com faixa de areia limitada por mato e floresta de um lado, e o mar de outro. Mais um sítio bem sedutor, mais frequentado que a primeira praia, por ter parque pago para automóveis e o acesso ser bem mais fácil.

 

Vale a pena percorrer o porto de Bonifácio

Vale a pena percorrer o porto de Bonifácio e apreciar as embarcações de turismo para lugar a milionários.

A cidade de Bonifácio, destino principal dos dias do sul desta viagem, fica no topo de um penhasco de calcário, de mais de 80 metros de altura. A aproximação a Bonifácio, cuja parte velha e muralhada está montada, de forma praticamente inexpugnável, sobre promontório sobre o mar, mostrou logo a sua capacidade de sedução, porque, ao longe, as casas em tom pastel da cidade alta confundem-se com o relevo das falésias brancas e o azul do céu.  Antes de irmos lá acima, visitámos o seu porto, onde se destacavam as embarcações de turismo para alugar a milionários, cujo preço varia, à semana, entre 60 mil e alguns milhões de euros. Com tripulação, suponho. Mas não pagámos nada para olhar para eles e todos os outros barcos de recreio daquela estreita entrada de mar.

Pelo caminho gostámos tanto dos gelados da casa La Rocca-Serra, um dos muitos restaurantes, café e lojas da zona do porto, que fomos lá mais duas vezes na visita do dia seguinte à zona velha da cidade. Felizmente havia outra pequena gelataria da marca, porque a diferença vertical entre o porto e o bastião que alberga a cidade velha não é para brincadeiras e eu não tinha vontade nenhuma de subir aquela ladeira.

 

Os 187 degraus das Escadas de Aragão

Escavada na rocha, a Escada de Aragão é difícil na descida e penosa na subida.

Escavada na rocha, a Escada de Aragão é difícil na descida e penosa na subida.

Gostei também de comer na Bodega Bonifácio, pequeno restaurante de um corso de uma pequena aldeia montanhosa do norte da ilha, que se tinha mudado para a cidade há algumas dezenas de anos. Não cabiam lá mais de 20 pessoas e tivemos de esperar um pouco para nos sentarmos, apesar de já ser tarde para almoçar. Mas valeu a pena saborear as várias pastas, massas que vieram para a mesa, na companhia de um belo rosé corso que o proprietário nos aconselhou. Toda a comida feita numa cozinha com pouco mais de cinco metros quadrados, por um chef dotado de 23 anos e um ajudante de 21.

Foi bom andar por ali a percorrer as ruas, visitar as muralhas e as Escadas de Aragão, sabendo que podíamos saborear mais um geladinho muito bem feito, com gosto a fruta, antes de voltar para o carro. Escavados nas escarpas voltadas para o lado do mar, as ditas escadas, de 187 degraus altos e irregulares e o caminho sinuoso que se segue conduziam os habitantes à única fonte de água potável desta cidade muralhada da Córsega em tempos menos bons. Não é fácil a descida e menos fácil ainda a subida. Mas o passeio desde o alto da falésia até bem perto do mar vale mesmo a pena. A seguir fomos calmamente até ao nosso hotel de campo perto de Porto Vecchio, que fica a pouco menos de 30 quilómetros de Bonifácio, com paragem na dita Praia de Santa Júlia porque ali a vista não se cansa.

 

Leia mais textos do blog Viagens com Aromas de José Miguel Dentinho

Publicado a 06 Setembro 2024

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