Cabeça nas nuvens? Não, cabeça na Nuvem!

À medida que o tempo passa, vamos deixando cair algumas memórias e, sobretudo, a capacidade de resposta para perguntas que tinham soluções óbvias, como nomes de pessoas, capitais, números de telefone, datas de nascimento, ou numa lógica mais sofisticada, uma fórmula matemática, um símbolo químico, um facto histórico, etc… Parece, pois, que a nossa memória passou a ser constituída por uma larga manta de retalhos.

É nessa altura que, natural e confortavelmente, nos socorremos dos smartphones para saber o nome das coisas, por razões muito simples: porque a informação está lá, porque é verdadeira, porque é actual e porque está o mais completa possível. Esses conteúdos estão no mesmo meio que nos ensina a cozinhar, fazer tricot, escolher a melhor dieta e identificar os melhores locais a visitar num determinado país. A nossa “ajuda” para as perguntas sem resposta é, assim, a internet.

Os mais conservadores e maiores críticos do fenómeno digital, alegam que essa dependência retira vitalidade ao cérebro e nos torna cada vez mais frágeis do ponto de vista intelectual, sobretudo os nativos digitais, mas diversos estudos provam que isso não corresponde à realidade. Graças à tecnologia, a necessidade de saber foi substituída pela capacidade em saber onde está a informação, no mais curto espaço de tempo. Mesmo nas áreas mais tradicionais do ensino e do conhecimento, como na Medicina, Engenharia ou Direito, a velocidade a que se projecta a quantidade e qualidade de informação é estrondosa. Médicos, engenheiros ou advogados socorrem-se cada vez mais da internet, para complementar diagnósticos, mostrar imagens, pesquisar artigos científicos, validar pressupostos junto dos clientes, etc…

Numa era de híper informação instantânea, a memória de curto prazo ganha protagonismo e espaço à memória de longo prazo e à concentração. É comum um nativo digital perguntar “porque preciso decorar dez coisas se tenho acesso a milhões delas em poucos segundos”? E isso também é válido para a escrita. Ainda há cartas de amor ou podemos substituí-las por um emoji que contém múltiplas emoções?

Face a este contexto, a grande reflexão que se exige hoje é precisamente a de saber o que se deve ensinar. No passado estudava-se, armazenava-se a informação e colocava-se a mesma em prática sempre que fosse necessário, a nível académico e profissional. E a título pessoal, fazia-se um brilharete pela capacidade de retenção de tanta sabedoria. Agora essa informação está à distância de um click. Se saber é muito importante, saber o que fazer e qual a melhor forma de o pôr em prática, com recursos limitados e escassez de tempo, é crucial. O foco deve centrar-se na aprendizagem da correcta tomada de decisão, num curto espaço de tempo e em face de múltiplas variáveis, incentivar a intuição, saber gerir o risco e, sobretudo, humanizar a relação.

Amnésia Digital

É neste sentido que um estudo levado a cabo pela Google revela que deixamos de ter interesse em aprofundar o conhecimento sobre um determinado tema, se soubermos que temos acesso imediato a essa informação sempre e quando o pretendamos. Outra pesquisa sobre esta “amnésia digital” realizada em 2015 revela que 91% das pessoas recorrem ao Google ou motores de busca similares para recolherem informação adicional sobre qualquer tema, sendo que cerca de metade o fazem através do seu smartphone.

É, talvez, por isso que a falta de bateria no telemóvel faz aumentar drasticamente o grau de ansiedade, não porque se queira desesperadamente ler os emails, mas porque se deixa de ter acesso ao “mundo actual”. É, com certeza, também por isso que a evolução tecnológica nos promete novas versões com mais bateria, mais memória, mais capacidade, mais informação, mais apps, etc…, às quais temos forçosamente de aderir para pertencermos a este “mundo”.

Mas não esqueçamos: tudo isto não aparece do nada. Este é o resultado da evolução tecnológica levada a cabo pelo homem, cada vez mais genial, inovador, empreendedor e criativo, que é capaz de produzir conteúdos e contextos interessantes e diversificados, com clara adesão à realidade e que convidam para o pleno acesso a quase tudo.

Provavelmente daqueles que desconhecem as principais capitais europeias, nunca memorizaram um número de telefone e já não sabem fazer a prova dos nove.

Filme Recomendado:
O homem que viu o infinito, de Matt Brown, com Jeremy Irons e Dev Patel

 

Publicado a 25 Agosto 2016

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