José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
Conhecemos no Portugal de hoje muito melhor a cultura chinesa, do que a cultura japonesa, e tenho pena. Sem qualquer intenção de estigmatizar uma em detrimento da outra, pois ambas as culturas (como qualquer outra) têm características positivas e características negativas, identifico-me pessoalmente bastante mais com a cultura japonesa. Gente com hábitos de limpeza exemplares, gente discreta e educada, gente respeitadora das tradições ancestrais da sua cultura, gente ambiciosa (e provavelmente gananciosa) como qualquer outro povo, mas dentro de limites éticos e morais que são linhas vermelhas intransponíveis (raríssimas exceções confirmam a regra), pelo que raras vezes os vemos envolvidos nos escândalos de corrupção que abundam quer na China, quer no nosso Ocidente, gente ainda com um grande sentido do respeito pelo próximo, e pelo património construído com os impostos pagos pela coletividade, pelo que não vemos actos de vandalismo a ser praticados, gente com um respeito pela natureza e pelo equilíbrio ambiental, apesar de alguns “pecados” graves cometidos nessa área, como foi o caso do acidente nuclear de Fukushima em 2011, em que 3 dos 6 reatores rebentaram na sequência de um maremoto/tsunami provocado por um sismo gigantesco de intensidade 8.7 (em 10).
Os japoneses aprenderam nessa altura várias coisas, mas as duas principais lições que tiraram foram:
– que a energia nuclear não é assim tão limpa como lhes foi vendido pelos políticos, em conluio com interesses empresariais específicos (nisso os japoneses são iguais aos povos de todo o mundo…);
– que no caso de um perigo tão extremo e apocalíptico para a população, como é um acidente nuclear, não se pode partir de eventos passados para determinar as regras de segurança exigíveis para a construção do reator. Tem que se apontar para a maior desgraça imaginável, e apertar ainda mais as medidas de proteção.
Os japoneses tinham o exemplo da mega-catástrofe de Chernobyl, e ainda assim o reator de Fukushima não estava preparado para um tsunami de 8.7 na escala de Richter… Enfim, tenho a certeza absoluta, tratando-se deste povo, e com estas características, que os ensinamentos foram incorporados na prática quotidiana a partir desse momento, o que por exemplo aqui, no país dos reis do improviso, nunca acontece (Pedrógão…).
O (des)respeito pelos anciãos
Os japoneses têm ainda uma característica marcante, para mim em primeiríssimo lugar entre as principais razões do êxito indiscutível dessa sociedade, e que é o respeito pelos idosos, por aqueles que educaram, alimentaram e formaram as gerações de jovens que hoje estão ativas, e que construíram aquilo que as gerações de jovens atuais têm ao seu dispor para trabalhar e desfrutar. Idosos que reunem a sabedoria coletiva da sociedade e que, mesmo aqueles que não poderão contribuir para a sociedade digital para a qual caminhamos, porque saíram da vida ativa antes de que muitos desses desenvolvimentos vissem a luz do dia, têm um capital intelectual acumulado em outras áreas que são fundamentais para a sociedade evoluir, por exemplo as regras de convivência em sociedade, como as regras comportamentais que nos permitem ser uma civilização ordeira, e não uma selva onde impera quase sempre a lei do mais forte, e do “salve-se quem puder”.
Aquilo que me foi dado ver num supermercado em Portugal, em que um jovem de uns 14 ou 15 anos, da famosa geração da gratificação imediata, do não poder ser contrariado por nenhum motivo, tratou de passar à frente de um idoso de mais de 65 anos (eu) na caixa de saída, empurrando-o, sem ser bem sucedido obviamente, ficou registada a ferro e fogo na memória. Não tanto pelo ato em si, ato de um covarde em formação e em bruto, avalentonado pela presença de mais uns 3 ou 4 ameaçadores comparsas (que não me intimidaram no mais mínimo), mas pelo olhar de ódio visceral, profundo, com que me “fuzilou” à saída, indiciador de que, se a vida não o ensinar rapidamente a comportar-se em sociedade (em casa e na escola certamente não o farão, caso contrário não teria feito o que fez), aprendendo que a liberdade dele acaba onde começa a dos outros, dentro de uns anos ainda irei ler alguma notícia sobre este jovem no Correio da Manhã.
A geração da aventesma
Tenho um irmão que é professor de matemática no ensino secundário no Norte de Portugal, onde o tema é particularmente grave. Ou seja, o desgraçado apanha este tipo de aventesmas todos os dias, e disse-me que teve que criar uma couraça especial para entrar em sala de aula, caso contrário estaria já num manicómio. Disse-me que os livros da Filomena Mónica sobre o terrorismo em sala de aula devem ter sido escritos tomando como base um grupo de meninos de coro. Na vida real, a situação é gravíssima.
Sucessivas reformas do ensino, sobretudo as feitas sob a égide dos paladinos do libertarismo civilizacional, acabaram sim num intolerável libertinismo ético e moral, que está a destruir gerações de jovens. Serão uns inadaptados, impreparados para viver em sociedade no respeito ao próximo, e consequentemente uns potenciais delinquentes que a sociedade deverá perseguir e punir.
Não digo que isto não aconteça noutras latitudes, com similar expressão de brutalidade (França, Espanha), mas o que me importa é o país em que vivo, e em que estou a envelhecer e a enfraquecer. Dentro de 10 anos provavelmente teria deixado o miúdo passar, só para não arriscar a ser agredido. E não é esse o país que eu gostaria de deixar às futuras gerações. Sim, a geração da aventesma que me indignou de tal ordem, que me levou a escrever estas linhas.
Dentro de umas décadas esse energúmeno juvenil estará certamente a passar pelo mesmo, se não fizermos nada para estimular os valores e princípios de um são e respeitoso convívio em sociedade. Nem a ele eu desejo que venha a ter de passar pelo mesmo que eu passei.
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