Caso Prático
“Estimado Dr. Manuel Sicrano,
Na sequência do solicitado — e tal como combinado telefonicamente —, junto envio a proposta para os serviços XPTO. Espero que a mesma vá ao encontro do esperado.
Na expectativa da vossa cuidada apreciação, mantenho-me, como sempre, ao dispor.
Com estima,
Maria Isabel Alegria”
Os dias passam e a resposta teima em chegar. Uma semana, duas semanas, três semanas e Maria Isabel Alegria nunca mais ouviu falar do Dr. Manuel Sicrano. Entende, como tal, que é oportuno entrar, novamente, em contacto com o Dr. Manuel Sicrano — que tanta urgência tinha na proposta solicitada — para saber se, efetivamente, já teve oportunidade de analisar a mesma e se necessita de mais informações. Contudo, e sem surpresa, os e-mails continua(ra)m sem resposta… ad aeternum.
Quid iuris?
Podia apresentar este cenário como um caso de estudo meramente hipotético — um clássico que só aparece nos livros e que, dificilmente, terá lugar no mundo real. Um caso prático tal como, semanalmente, apresentava aos meus alunos na Faculdade de Direito e que, agora, apresento aos meus clientes.
Este seria um exercício prático para demonstrar, na prática, a aplicabilidade de um conceito abstrato que, tantas vezes, parece ser (tão!) difícil de observar: como demonstrar respeito pelo nosso interlocutor. Contudo, infelizmente, este caso prático não é um mero caso hipotético e tem demasiadas repetições no mundo real. Já pensou quantas vezes enviou um e-mail ou uma mensagem personalizada sem que tenha tido qualquer resposta? E as chamadas telefónicas que nunca são retribuídas? Infelizmente, acredito que estas situações também lhe sejam familiares. A ausência de resposta a um e-mail, a um telefonema, a uma mensagem de texto é, arrisco a qualificar, um dos principais flagelos profissionais do século XXI; é um clássico que aniquila a imagem de qualquer profissional em segundos.
Os meios de comunicação digital atuais proporcionam uma comunicação célere — muitas vezes em tempo real — contribuindo, alegadamente, para que as organizações (e os seus colaboradores) se apresentem na sua melhor versão. Contudo, para muitos, a impessoalidade que as caracteriza — afinal, estamos “escondidos” atrás de um ecrã — tem tentado legitimar a ausência de resposta sempre que, por inúmeras razões, já não se tenha interesse no contacto e/ou no conteúdo solicitado.
Assim, escondidos atrás do manto da invisibilidade do ecrã, desconsideram o interlocutor “não se dando ao trabalho” de, simplesmente, responder.
A ausência de resposta a qualquer contacto, maxime quando é iniciado, livremente, pelo outro, é uma demonstração de falta de respeito e de desconsideração pelo interlocutor. Neste campo, a tolerância é 0. Não responder é, no fundo, virar as costas ao interlocutor; é transmitir-lhe, no ruído ensurdecedor que o silêncio tão bem proporciona, que não só não temos qualquer interesse no mesmo, como este é merecedor da nossa maior desconsideração.
Responder a cada contacto é absolutamente fundamental; reforço: fundamental e obrigatório. Lembremo-nos que alguém dedicou o seu tempo e empenho para nos dirigir uma palavra; para preparar uma proposta ou, tão só, para se apresentar.
Outrora, dir-se-ia que as regras de boa educação determinariam se respondesse a agradecer o contacto e/ou o envio da proposta solicitada em tempo útil — leia-se, no prazo máximo de 48 horas — e que, caso se enquadrasse no pretendido, se entraria novamente em contacto. Creio que muitos têm feito uma leitura deturpada desta regra fundamental: entendem que a resposta só tem lugar quando é afirmativa. Como tal, sempre que a resposta seja negativa — não temos interesse naquela proposta ou nos serviços; não somos o colaborador adequado para responder ao solicitado — ignora-se, simplesmente, o interlocutor colocando-o na caixa do esquecimento.
Para quem se pauta pela excelência profissional, saiba que a ausência de resposta aniquila, em segundos, a imagem profissional do “autor” do silêncio inexplicável mas, também, da organização a que este pertence. Relembro-lhe que responder não é, obviamente, ir ao encontro do esperado pelo interlocutor. Responder é, tão só, responder; é dar nota de que se recebeu aquela comunicação e que a mesma irá ser analisada; é indicar um prazo concreto para dar conta do estado do processo sempre que tal se aplique; é, tão só, agradecer o contacto informando que, de momento, o mesmo não se enquadra nas necessidade da organização. É, tão só, reservar 10 segundos do nosso dia e responder.
Lembre-se que comportamento gera comportamento: a ausência de resposta da sua parte gerará o mesmo comportamento no interlocutor. Ou, noutra perspectiva, “dar-se ao trabalho de responder”, elevá-la-á ao nível educacional que, cada vez mais, está em vias de extinção: a excelência profissional diferenciando-a dos seus pares.
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Joana Andrade Nunes, advogada e fundadora da marca de vestuário de luxo infantil Tierno, é também autora do blogue “Camomila Limão”, no qual partilha, desde 2014, a paixão pela arte de saber estar e receber. O seu livro Quatro Gerações à Mesa foi considerado o melhor livro de culinária de Portugal pelos Gourmand World Book Awards (2016) e o 3.º melhor do mundo pelos Gourmand World Book Awards 2017. Em junho de 2020, fundou o projeto “Etiqueta Moderna”, que promove cursos de etiqueta e protocolo.