O medo não é um desconhecido para Beatriz Martín Oñate. Aprender a reconhecê-lo e a lidar com ele fez, durante muito tempo, parte do seu treino enquanto atleta de alta competição em judo, modalidade que começou a aprender aos 6 anos — “para perder a timidez”, diz — e que acabou por levá-la aos Jogos Olímpicos em Sidney, em 2000. “Construiu-me como pessoa, educou-me no esforço, na disciplina e na resiliência”, partilhou com a audiência que acorreu à TEDx organizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em finais de abril deste ano. Também a ensinou a pensar fora da “caixinha”, encontrando alternativas para situações que parecem não ter solução, mesmo que essas alternativas sejam difíceis e até assustadoras.
Aos 43 anos e a viver em Portugal há 17, é professora de educação física para o ensino primário, é casada e tem um filho de 12 anos. Em 2016, o aparecimento de um tumor maligno na mama esquerda, a que se sucedeu a descoberta de segundo tumor no seio direito, confrontou-a com a maior luta e com o maior rival da sua vida. O treino psicológico dos seus anos de competição foi vitais para a sua luta contra o cancro de mama. “O judo ensinou-me a levantar-me cada vez que caía, a ceder ao medo para o conseguir vencer. Fui surpreendida por um rival que não conhecia, mas sabia que todos os rivais, mesmo os muito fortes, podem ser derrotados. São o nosso pensamento e o nosso coração que vão determinar a nossa atitude, por isso vamos treiná-la para lidar com estas circunstâncias que aparecem no nosso caminho.”
Hoje é uma empenhada divulgadora do judo junto ao público feminino, em Espanha e Portugal, e compete na categoria de Veteranos, onde já ganhou duas medalhas mundiais, uma antes e outra depois da cirurgia e tratamentos ao cancro de mama.
Que ferramentas tem um atleta olímpico para combater situações difíceis da vida, como esta de que nos falou?
Ter a consciência do medo — porque era inevitável senti-lo em competição — e trabalhar com ele para conseguir vencê-lo. Quando a vida nos depara com algo como um cancro temos duas opções: ou escolhemos ir em frente e vencer, passo a passo, as sensações que encontramos, ou dizemos ‘coitada de mim, que vou morrer’. A minha opção foi lutar, porque passei toda a minha vida a fazê-lo. Apesar de ter passado toda a vida a competir e a ultrapassar pequenos desafios, o desafio que encontrei nos Jogos Olímpicos ensinou-me para a vida. O prémio não foram os Jogos Olímpicos, foi encontrar alternativas. Nada como a vida pôr-nos em frente a um tumor e dizer: ‘é o que há, queiras ou não queiras.’ É fundamental acreditarmos que somos capazes de mais. Muitas vezes retraímo-nos com pensamentos como ‘não vou conseguir, não posso’. Não! O pensamento tem de ver ‘vou tentar’. Nesta última etapa da minha vida tinha um fator exterior a mim que me levava a fazê-lo ainda com mais força e que era o meu filho. Já não ia lutar só por mim, mas também por ele. Foi um elemento importantíssimo e provavelmente ele nem sabe o quanto me deu.
Falar dos nossos medos torna-os mais pequenos?
Não sei se o torna mais pequeno, mas para mim é uma estratégia de trabalho como quando treinava para chegar a um objetivo. Tal como senti medo antes de chegar aqui e falar para o público, mas uma vez que o disse a todos, estando ali no palco, senti: ‘Estou pronta. Eles já sabem que tenho medo, sou tão humana quanto qualquer um.’
“Quando comecei a sentir-me bem quis começar a treinar para demonstrar a mim própria que podia estar ali outra vez. Mesmo com dores e num estado físico péssimo, não desisti do treino e disse a mim mesma que ia chegar à competição.”
Um atleta está habituado a lidar com a dor, a ser estóico e disciplinado. Sente que isso fez a diferença nas fases de tratamento?
Durante a doença, mais do que uma dor física, tive uma dor mental. A sensação de impotência de que a vida nos escapa das mãos, de que não consegues fazer nada para não passar por isto. Outra dor grande é ver aqueles que estão ao nosso lado não conseguirem fazer nada por nós, nem saberen como. Por isso concentrei-me muito em fazê-los sentirem-se mais tranquilos, sentirem-se melhor. Dessa forma também tirava o peso e a importância desta situação. Pôr a atenção mais nos outros fez-me bem e ajudou-me a seguir em frente.
Depois da sua cirurgia, voltou a ganhar uma medalha na categoria de veteranos, em Judo. Teve um sabor especial?
Foi importante, claro, mas não foi o mais importante. Quando comecei a sentir-me bem quis começar a treinar para demonstrar a mim própria que podia estar ali outra vez. Mesmo com dores e num estado físico péssimo, não desisti do treino e disse a mim mesma que ia chegar à competição. O meu objetivo não era ganhar, mas estar presente no campeonato.
Vai continuar a partilhar o seu exemplo de vida em iniciativas como esta?
Nunca tinha dado uma palestra. Mas sou professora de judo e tento ensinar aos miúdos esta atitude na vida. Se conseguirem ver-me e aprender, não com o que digo, mas com o que faço, podem vir a sofrer menos quando forem adultos. Tento fazê-lo também com o meu filho. Pelo menos que tenham o exemplo de luta de quem não desiste a arrisca. Quem arrisca sempre tem sorte.