As mulheres e os mercados 

Raquel Freitas, Team Leader na ActivTrades, traça uma breve história da evolução das mulheres no mundo financeiro.

Raquel Freitas é Team Leader na ActivTrades, uma fintech sediada em Londres que é uma das mais antigas corretoras online da Europa.

Já lá vai o tempo em que Wall Street era um local exclusivo para homens. Hoje, são inúmeros os exemplos de referência de mulheres que assumem cargos de peso no mundo financeiro: a nível internacional, temos Kristalina Georgieva, como diretora-geral do FMI, e Christine Lagarde, como presidente do BCE; em Portugal, temos Isabel Ucha, como presidente da Euronext, e Gabriela Figueiredo Dias, como presidente da CMVM. No entanto, e apesar do progresso alcançado, é inequívoco que há ainda um longo caminho por trilhar no sentido da paridade. 

Ao longo da história, foram várias as figuras femininas que impactaram o mundo financeiro, lutando para superar a desigualdade de género. 

Na viragem do século XVIII para o século XIX, Abigail Adams, esposa de John Adams, presidente dos EUA, destacou-se por ser uma das primeiras mulheres investidoras de que se tem registo e ficou conhecida por advogar uma educação igual para homens e mulheres. 

Mais tarde, no final do século XIX, quando as mulheres ainda nem dispunham do direito de voto e poucas detinham propriedades, estando confinadas, na sua maioria, ao âmbito doméstico, as irmãs Victoria Woodhull e Tennessee Clafin foram as primeiras a abrir uma sociedade de corretagem em Wall Street. Apesar da resistência que enfrentaram, foram extremamente bem-sucedidas. 

Foi apenas em 1967 que uma mulher, Muriel Siebert, passou a ter assento na Bolsa de Valores de Nova Iorque, 175 anos após a sua fundação.

Já no século XX, o movimento sufragista desempenhou um papel crucial no avanço de políticas mais inclusivas para as mulheres. Além disso, durante o período das duas Grandes Guerras, foram as mulheres que tomaram as rédeas das finanças da família enquanto os seus maridos estavam fora. Estas responsabilidades aumentaram a sua confiança, ampliaram as suas competências e proporcionaram-lhes uma certa emancipação, ainda que tenha sido relativamente temporária e não se tenha traduzido diretamente num afluxo significativo de mulheres para o mundo financeiro. 

De facto, foi apenas em 1967 que uma mulher, Muriel Siebert, passou a ter assento na Bolsa de Valores de Nova Iorque, 175 anos após a sua fundação. Sendo a única mulher num contexto totalmente dominado por homens, enfrentou uma relutância acentuada. 

Nas décadas seguintes, a expansão da economia e a crescente aceitação das ambições profissionais das mulheres impulsionaram mudanças na base de investidores, que se tem vindo a tornar progressivamente mais eclética. Porém, o ambiente encontrado por muitas destas mulheres nem sempre foi o mais acolhedor, sendo, aliás, em muitos casos, hostil, o que ficou evidente quando, na década de 90, várias empresas de Wall Street foram mesmo formalmente processadas por acusações de discriminação de género. 

Não obstante, de um modo geral, a transição para o século XXI trouxe consigo desenvolvimentos políticos, jurídicos, económicos e culturais decisivos que permitiram, finalmente, desafiar o status quo, mas ainda há muito a fazer. 

De acordo com o Global Gender Gap Report do Fórum Económico Mundial, embora 46% dos funcionários de serviços financeiros sejam mulheres, num nível executivo, correspondem apenas a 15%.

O sexismo institucionalizado parece ter sido erradicado, com as empresas a temerem ser alvo de processos judiciais, dos quais advém má publicidade. Contudo, os telhados são de vidro, uma vez que as mulheres continuam a estar sub-representadas em cargos de topo e debatem-se com disparidades salariais. De acordo com o Global Gender Gap Report do Fórum Económico Mundial, embora 46% dos funcionários de serviços financeiros sejam mulheres, num nível executivo, correspondem apenas a 15%. 

Por que precisamos de mais mulheres no mundo financeiro 

As mulheres têm vindo a ser mais associadas a profissões que implicam cuidar e os homens acabam por ser encarados como mais aptos para posições de liderança – estereótipos estes perpetuados até à modernidade. Porém, atualmente, um novo argumentário começa a ganhar forma. Se, outrora, as mulheres eram vistas como menos capazes e, como tal, considerava-se que não teriam as características mais adequadas para assumir cargos de relevo no mundo financeiro, depois da crise de 2008, estão agora a ser postas em causa algumas inclinações dos homens investidores e banqueiros, que, movidos pela ambição, agem mais impulsivamente e quase viram escravos do entusiasmo pelo risco. 

Os homens focam-se sobretudo em potenciais retornos e arriscam mais;. As mulheres evidenciam uma compreensão mais holística do conceito de dinheiro e são, por isso, mais pacientes.

Do ponto de vista psicológico, as diferenças entre homens e mulheres quando confrontados com a pressão inerente à natureza instável dos mercados são notórias. Experiências realizadas com recurso a softwares de simulação de negociação em tempo real, com o objetivo de comparar os perfis dos homens traders e das mulheres traders, vieram comprovar que as mulheres perdem significativamente menos dinheiro que os homens e que estes tendem a desviar-se das suas estratégias e a ultrapassarem os seus limites de investimento. 

Está claro que homens e mulheres se relacionam de modo distinto com as finanças: os homens focam-se sobretudo em potenciais retornos e arriscam mais; por sua vez, as mulheres evidenciam uma compreensão mais holística do conceito de dinheiro e são, por isso, mais pacientes. 

Embora o risco possa trazer maiores recompensas, o setor precisa da atitude ponderada e cautelosa mais típica do sexo feminino. Seguir um plano estipulado é crítico para o sucesso enquanto trader financeiro e as mulheres costumam ser mais fortes nesta frente. Os homens têm dificuldade em disciplinar-se durante o trading e, por vezes, não se orientam por uma estratégia clara, o que pode levar a grandes perdas. 

Um estudo conduzido pela Universidade de Leicester em 2016 analisou a interação dos traders e os efeitos hormonais durante o trading: as mulheres ganharam mais dinheiro do que os homens, que assumiram maiores riscos devido à influência da testosterona. Note-se que, quando receberam incentivos financeiros, como bónus, os homens tenderam a obter mais lucros numa única negociação, o que, naturalmente, por conseguinte, ia diminuindo a sua aversão ao risco. Este estudo concluiu ainda que um aumento do número de mulheres no setor financeiro pode mesmo contribuir para a redução das quebras de mercado. 

Sendo assim, porque é que não há mais mulheres no mundo financeiro e o que podemos fazer para dar a volta a este panorama? 

Muitas mulheres sentem-se intimidadas pelo ambiente do mundo financeiro, cuja própria semiologia foi cunhada por homens – por exemplo, o urso e o touro, que são representações clássicas dos mercados, são ambos animais agressivos que denotam virilidade. Estas são barreiras inerentes que, mesmo que inconscientemente, afastam as mulheres deste setor, dificultando o recrutamento e a retenção de talento feminino. 

Ainda assim, não creio que a solução para contornar esta realidade passe por impor quotas, até porque tal pode prejudicar a credibilidade das mulheres no seu dia-a-dia profissional e revelar-se contraprodutivo. 

Como forma de acelerar e consolidar uma presença feminina no mundo financeiro, talvez devêssemos procurar reconhecer as suas realizações, inspirando e incentivando mais mulheres a aventurar-se também, desconstruindo ideias preconcebidas e sem qualquer fundamento e sublinhando, neste sentido, a importância da literacia financeira na edificação de uma sociedade mais equitativa.

Ao invés, como forma de acelerar e consolidar uma presença feminina no mundo financeiro, talvez devêssemos procurar reconhecer as suas realizações, inspirando e incentivando mais mulheres a aventurar-se também, desconstruindo ideias preconcebidas e sem qualquer fundamento e sublinhando, neste sentido, a importância da literacia financeira na edificação de uma sociedade mais equitativa. 

Acredito que os tempos estão, de facto, a mudar e que as mulheres terão a capacidade de ressignificar o universo das finanças e torná-lo mais diverso e inclusivo. Para isso, temos de ir além da superficial batalha dos sexos e desenvolver mecanismos que verdadeiramente enderecem esta questão, chegando às gerações mais jovens e encorajando as mulheres a aprender mais sobre estes temas. 

Além disso, hoje, com as novas tecnologias, o acesso aos mercados está ainda mais democratizado, sendo possível negociar a qualquer hora do dia, pelo que, na verdade, esta é uma carreira que pode ser facilmente conciliada, tanto com outras carreiras, como com a vida familiar. 

Degrau a degrau, a escada está a ser construída e as oportunidades começam a multiplicar-se: afinal, o mundo financeiro também é para mulheres. 

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