As questões ligadas à diversidade de género na liderança das organizações “são assuntos que ainda não estão resolvidos”, o que justifica a necessidade de ainda se realizarem conferências de liderança feminina como a que encheu o Auditório Sonae da Porto Business School, na passada quinta-feira, 9 de maio. Foi desta forma que Ramon O’ Callaghan, dean daquela instituição de ensino, deu as boas-vindas à audiência que não quis perder mais uma organização da Executiva, a primeira realizada na Invicta e que contou com o apoio da PwC, Castelbel, Parfois, Sonae MC, Natixis, Nors e Porto Business School.
“Num mundo de negócios que se define pela complexidade, disruptividade e mudança, observo que as empresas mais bem sucedidas são aquelas que trazem perspectivas diferentes e experiência a cada novo desafio. Para além de serem aquilo que deve ser feito, a diversidade e inclusão também oferecem vantagens às empresas, especialmente ao nível da liderança. Por isso é tão importante que olhem para os desafios que as mulheres enfrentam e possam abrir caminho para que líderes femininas dinâmicas e talentosas possam chegar ao topo”, defendeu o dean da PBS.
Antes, Isabel Canha, diretora e co-fundadora da Executiva, abriu a sessão referindo como as universidades têm sido os locais privilegiados para a realização da Grande Conferência Liderança Feminina, por serem “espaços de inovação, conhecimento, criatividade, onde se preparam os líderes do futuro”, onde desde logo o tema deve começar a ser pensado. “Diversos estudos referem a importância dos role models, que para as mulheres existem de forma muito mais escassa. Na Executiva, acreditamos que eles ajudam a progressão profissional das mulheres. Para nós este não é um tema apenas de mulheres, mas também de homens, das empresas e sociedade em geral.”
“As mulheres não podem de ficar fora da corrida” na revolução tecnológica
O primeiro painel da manhã juntou o dean da Porto Business School a Nathalie Risacher, a executiva de nacionalidade francesa que está à frente da Natixis em Portugal. Com uma vasta experiência internacional, quer em termos profissionais, quer pessoais, Nathalie Risacher referiu a importância da formação dos primeiros anos na construção do perfil de liderança. Cresceu em África, onde primeiro despertou para a importância da diversidade, de ter de lutar por tudo o que queria e sair da zona de conforto. Teve no pai, um empreendedor com negócios naquele continente, o mais importante role model, com quem aprendeu importantes características de liderança. “Ele ensinou-me que é preciso saber lidar com o risco, se queremos avançar na vida, uma característica muito importância em liderança.”
“As práticas de diversidade são uma lição de humildade que nos faz perceber que precisamos de ouvir e respeitar os outros. Grupos mais diversos chegam a soluções mais criativas”, Ramon O’Callaghan, dean da Porto Business School
A senior country manager da Natixis referiu também importância da diversidade nas organizações, e que ao lutarem pela sua implementação nas empresas, as mulheres mostram assim aos seus empregadores a sua motivação para trabalharem juntos, ainda que possam ter diferentes pontos de vida. Também dá sinais de vitalidade ao mercado e às indústrias: “Pesquisas demonstram que as empresas premiadas por programas de diversidade têm melhores resultados porque assim mostram que estão mais próximas do cliente, que não é só homem ou só mulher ou pertencente a uma só etnia.”
Ramon O’Callahan reforçou que as práticas de diversidade são também uma “lição de humildade que nos faz perceber que precisamos de ouvir e respeitar os outros. Grupos mais diversos chegam a soluções mais criativas.”
O painel lembrou ainda que a diversidade não se limita ao género mas também a possibilidade de trabalhar com pessoas de diferentes backgrounds educativos, culturais e étnicos, e como a maternidade continua a ser um dos principais e mais complexos desafios para as mulheres que ambicionam progredir na carreira. Nas tecnologias de informação e comunicação, setor ainda maioritariamente masculino onde a Natixis integra a sua atividade, a questão tem particular importância. “Não acontece só em Portugal, mas desde que estou aqui, às vezes tenho a sensação que quando falo, pensam ‘Ah, ela só está a dizer isto porque é mulher…’ E não é por isso, mas porque acredito que diversidade vai ajudar-nos a levar a empresa e a sociedade até um mundo melhor. Em Portugal, notei o facto de que ser mulher é um handicap, definitivamente, e nos Estados Unidos não senti isso. Precisamos de mais homens na promoção da diversidade de género.”
“A tecnologia vai tornar obsoleto muito do trabalho que hoje se faz e são as mulheres que fazem a maior parte desses trabalhos. Se as mulheres não entrarem na corrida da revolução digital, a sua situação vai piorar”, Nathalie Risacher, general country manager da Natixis
Programas de longa duração como o Champion for Change, da Natixis, estão a tentar trazer mais mulheres para a indústria da tecnologia, com ações em escolas, onde se mostra às raparigas que o emprego em tecnologia não se resume à programação e que este não é um clube só para rapazes. “A tecnologia vai tornar obsoleto muito do trabalho que hoje se faz e são as mulheres que fazem a maior parte desses trabalhos. Mas por outro lado, essa revolução digital também vai criar mais emprego: estima-se que sejam criados 7 milhões de novos postos de trabalho no setor na Europa, até 2025. Se as mulheres não entrarem nessa corrida, a situação vai piorar e esse é um facto para o qual temos que acordar, nas empresas, nas escolas e até enquanto pais, na forma como educamos as nossas filhas.”
Um ponto também reforçado por Ramon O’Callaghan. “As competências em data analytics serão os skills mais procurados no mercado de trabalho. É bom chamarmos à atenção deste facto porque tendemos a esquecer-nos disto, no debate geral das consequências desta 4.ª vaga de revolução industrial.” Nathalie Risarcher partilhou o exemplo da Argélia, país onde as mulheres ocupam 65% das vagas em cursos de matemáticas, engenharias e tecnologia, por verem nestas profissões uma forma de conseguirem mais autonomia financeira e conhecimento. “Quando há uma motivação, as mulheres procuram essas profissões. E porque há tão poucas mulheres com essas competências, na Argélia, isso tem-lhes permitido encontrar trabalho no estrangeiro.”
“O caminho para a liderança não é linear”
Soledade Carvalho Duarte, managing partner da Invesco Transearch, conduziu o segundo painel da manhã, que contou com a participação de Raquel Seabra, administradora da Sogrape, Vanessa Loureiro, administradora não executiva da Efacec, e Paula Dias, CEO da Elastomer Solutions. “Estas conferências já não deveriam ser necessárias, e se dentro de 10 anos continuarem a sê-lo é porque não aprendemos nada até lá”, começou por observar a moderadora.
As oradoras partilharam os seus percursos profissionais e a sua definição pessoal do que é chegar ao topo. E neste último capítulo, em comum para todas parece estar o equilíbrio entre a realização profissional e a vida familiar, contribuindo para criar impacto num projeto maior do que elas próprias.
“Estas conferências já não deveriam ser necessárias, e se dentro de 10 anos continuarem a sê-lo é porque não aprendemos nada até lá”, Soledade Carvalho Duarte, managing partner da Transearch
Falou-se também de discriminação, nas suas formas positivas ou negativas. Para Raquel Seabra esse nunca foi um obstáculo a vencer e hoje o seu desafio, como membro da equipa de administração da Sogrape, é o de trazer mais diversidade a esta empresa familiar de raízes mais tradicionais. “Se quero ter mais mulheres em cargos de liderança e ter uma vida familiar preenchida, tenho que ser a primeira a dar o exemplo, saindo para uma reunião dos meus filhos.”
Com um diversificado percurso profissional e académico, Vanessa Loureiro especializou-se inicialmente em arqueologia náutica e submarina, mas enveredou pela carreira em consultoria e é hoje é administradora não executiva da Efacec, onde também tem o pelouro de sistemas de informação. “Na arqueologia submarina, que é uma atividade perigosa e muito física, não me senti discriminada mas sentia alguma condescendência, porque era uma miúda num mundo de homens e tive que ser tão boa como eles. Quando passei para o mundo empresarial, nunca senti nada pelo facto de ser mulher, mas pelo facto de ser arqueóloga de formação. O meu chefe foi a segunda pessoa a saber que estava grávida da minha primeira filha e nessa altura, marcou-me uma frase que ouvi ‘quando um avião está a levantar voo não se coloca mais carga.’”
Paula Oliveira partilhou a sua experiência com algumas diferenças culturais que dificultaram a comunicação, em Marrocos, em trabalho, quando foi preciso negociar com um homem. “Não é discriminação, mas uma questão cultural. A Elostomer tem uma grande diversidade cultural, por estar presente em países como Marrocos ou o México, e tem mulheres em lugares cimeiros, ao nível de C level, como diretoras de fábrica ou diretoras financeiras. Mas o género não determina a contratação. A decisão de promover uma pessoa a uma função tem a ver com a competência para a exercer. Não havendo competência, dedicação e capacidade de atingir objectivos, as mulheres são dispensadas como os homens.”
Raquel Seabra tem 8 homens a reportar diretamente a si neste momento, mas nenhuma mulher. “Acho que as quotas são importantes para quebrar este ciclo vicioso em que são sempre as mesmas pessoas a aparecerem nos radares para postos de chefia. Às vezes é preciso fazer uma maior esforço para procurar mulheres para estes cargos.”
Vanessa Loureiro conta com uma equipa com 50% de cada género a reportarem diretamente a si. “Há dias, chamaram-me a atenção para isso e fiquei orgulhosa por ter feito alguma coisa positiva sem ter dado conta. Preocupa-me a diversidade das equipas, mas é preciso que as pessoas aceitem o facto de serem diferentes num determinado universo. Procuro pessoas com ambição e que queiram fazer um percurso dentro da empresa, mas também me preocupo em encontrar pessoas que sejam capazes de gerar novo talento. Gosto de pessoas que consigam dar o exemplo e inspirar outros. Hoje dou muita importância ao primeiro instinto que tenho quando entrevisto alguém para uma função.”
A operar na indústria automóvel, e em particular na da borracha, Paula Dias procura dois skills quando recruta: a resiliência e a flexibilidade. “Tendo essas características, as pessoas conseguirão evoluir dentro da empresa. Neste momento, temos 50% de mulheres em cargos de gestão.”
As oradoras deixaram ainda conselhos à nova geração de profissionais que ambicionam progredir na carreira e chegar a cargos de liderança. “O primeiro conselho que deixaria é investir mais na carreira numa fase inicial, para mais tarde poder ter um maior controlo sobre o seu tempo e poder ter um maior equilíbrio entre vida familiar e trabalho. O segundo é não ter medo de não fazer um percurso e escolhas não convencionais, porque assim podem destacar-se mais”, observou Raquel Seabra.
Uma ideia partilhada por Vanessa Loureiro, que salientou como há vários caminhos para chegar a um ambicionado ponto da carreira. “Ser capaz de adaptá-los à medida que as coisas vão acontecendo, é muito importante. Além disso, é preciso perceber que não há um momento certo para nada: mais vale fazer as coisas e depois acreditar que tudo tem uma lógica de encaixe. É ainda importante perceber o que é crítico e o que é acessório. Ainda hoje, as mulheres são as donas de casa e as cuidadoras, por isso asseguro aquilo que para mim é crítico e faço outsourcing de tudo o que é acessório.”
Paula Dias concorda que não vale a pena delinear grandes planos de carreira. “Raramente, as coisas acontecem da forma como são planeadas. É importante perceber aquilo de que se gosta e agarrar as oportunidades. É sempre preciso um pouco de sorte, mas há que saber agarrá-la e para isso é preciso estarmos preparadas, informadas e sabermos bem onde queremos chegar. É importante o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Estudar, ler e procurar saber sempre mais é importantíssimo. Não podemos estagnar, muito menos nos tempos de hoje em que as coisas evoluem a uma velocidade grande.”
Lições de liderança vindas de quem sabe
O caminho e os desafios de liderança em comum entre quatro mulheres que lideram empresas e equipas foi o tema que abriu a segunda parte da 1.ª Grande Conferência Liderança Feminina Porto. Margarida Pedrosa, diretora-geral da MBA Consultores e fundadora do Club Women in Business da Porto Business School, moderou o debate, começando por salientar como a “liderança é um tema particularmente caro para a Porto Business School, até porque aqui treinam homens e mulheres para ela.”
“A minha primeira lição de liderança foi a de que tinha de dar espaço para a minha equipa crescer e errar porque só assim lhes daria oportunidade de me mostrarem o seu melhor”, Susana Coerver, diretora de comunicação e marketing global da Parfois
E as lições de liderança que mais surtiram efeito em Susana Coerver, diretora de comunicação e marketing da Parfois, nem sempre vieram da forma como gostaria. A primeira aconteceu quando de saída da agência de comunicação onde estava há cinco anos, preparando-se para dar o passo em frente na carreira e ingressar numa outra agência onde viria a trabalhar marcas internacionais de grande consumo. “Ali estava eu, aos 25 anos, muito confiante enquanto diretora de serviço a clientes e estratégia, sentada com a minha equipa para me darem algumas lições para o meu próximo cargo. Estava à espera de grandes elogios mas o que ouvi deles deixou-me em choque: eu vinha sempre de caneta na mão para os corrigir, dizia-lhes sempre que as coisas que faziam estava mal e fazia eu… Por isso, a minha primeira lição de liderança foi a de que tinha de dar espaço para a minha equipa crescer e errar porque só assim lhes daria oportunidade de me mostrarem o seu melhor.”
Ana Salomé Martins, diretora de Comunicação e Pessoas do Grupo Nors, opera no setor automóvel, onde assegura que as mulheres vão ganhando lugar em direções de primeira linha, embora ainda com muitos desafios a vencer.“O contexto inicial é de baixa inclusão para as mulheres, sobretudo se estivermos a falar em lugar de topo. Mas há espaço para as mulheres. Ainda não temos mulheres na administração, mas temos 25% em cargos de direção de primeira linha e mulheres a dirigir unidades de negócio. Existe um caminho que não digo que será longo, mas largo, porque é preciso fazer muita coisa e algumas delas ao mesmo tempo, para melhorar as condições de progressão para as mulheres. Existem muitas situações de discriminação discreta, que muitas vezes não são identificadas ou sentidas como tal, mas são. Esta discriminação não é intencional. O que podemos é estar atentos para tentarmos diminuir barreiras.” A diretora de Comunicação e Pessoas da Nors partilhou ainda como, nesta caminhada são muito importantes os role models, processos como o mentoring e o coaching, que podem ter um papel disseminador e credibilizador. “É muito importante educarmos as mulheres desde cedo, e depois nas empresas, para terem confiança nas suas aptidões e competências.”
“A maior parte dos empregadores e dos diretores das grandes empresas são homens, mas eles não estão lá por acaso. Estão porque as mulheres deixaram que eles chegassem lá, porque elas privilegiaram outras facetas da sua vida”, Virginia Abreu, CEO da Crispim Abreu
Enquanto co-fundadora e CEO da empresa têxtil Crispim Abreu, Virginia Abreu dirige uma empresa onde as mulheres estão em maioria, ao longo do pipeline da empresa, mas onde as situações de desigualdade sociais e económicas ainda são uma batalha a vencer. “O facto de eu ser uma mulher que chefia uma empresa, juntamente com um homem, faz com que elas percebam que toda a gente tem de mudar e que só assim as coisas vão caminhando. Sabemos que há barreiras, que a maior parte dos empregadores e dos diretores das grandes empresas são homens, mas eles não estão lá por acaso. Estão porque as mulheres deixaram que eles chegassem lá, porque elas privilegiaram outras facetas da sua vida.”
Para Regina Alves, empresária com nove restaurantes McDonald’s em regime de franchsing, a liderança tem sido uma caminhada de aprendizagem ao longo das últimas duas décadas. “No início, tinha que me preparar muito bem para as reuniões, lançar constantemente desafios de modo a poder dinamizar o negócio, mas hoje em dia já são os colaboradores a puxar por mim. Fico muito feliz com isso. Ao longo dos anos, testemunhei como, numa organização, a comunicação eficaz é uma das coisas mais importantes. Penso que nós mulheres fazemos isso muito bem.”
A gestão do risco foi outro ponto que abordado no debate. Ana Salomé Martins acredita que as mulheres têm “uma maior capacidade de processar a complexidade num curto espaço de tempo”, enquanto Virgínia Abreu acredita que as “capacidades intuitivas” ajudam processo de tomada de decisão e de lidar com o risco. “Penso que as mulheres são muito mais cautelosas nos passos que dão e vejo que os homens arriscam mais, embora as generalizações sejam sempre perigosas”, observou Susana Coerver. Uma ideia que deixa algumas dúvidas a Ana Salomé Martins, que não concorda totalmente com uma mais elevada prudência geral na gestão feminina. “Mas temos mais capacidade de ver mais aspetos de um problema e isso, sim, pode levar-nos a decidir de forma mais ponderada.”
As oradoras partilharam ainda com a audiência os erros cometidos nas suas experiências de liderança. Enquanto Regina Alves gostaria de ter mais assertividade para “saber dar um murro na mesa quando é preciso”, Susana Coerver confessa que mudaria “a forma como dá feedback” às suas equipas quando as coisas não correm tão bem.
“Penso que já nasci líder. Teria tentado investir mais em mim, desde início”, disse Virgínia Abreu. “Senti que isso me fez falta, apesar de já ter alguma formação administrativa, mas fez-me falta o resto. Ainda assim, aos 48 anos fui para a faculdade tirar um curso de direito.”
“O mundo corporativo tem ainda uma linguagem muito marcadamente dos homens e para falar diferente é preciso mobilizar um certo nível de energia e coragem que custa muito ter, em algumas fases das nossas carreiras”, Ana Salomé Martins, diretora de Comunicação e Pessoas do grupo Nors
Para Ana Salomé Martins, a confiança é o ponto chave que pode fazer a diferença nas lideranças logo de início. “Poderia ter tido mais confiança nas minhas posições, logo de início. O mundo corporativo tem ainda uma linguagem muito marcadamente dos homens e para falar diferente é preciso mobilizar um certo nível de energia e coragem que custa muito ter, em algumas fases das nossas carreiras.”
É justamente para preparar e ajudar as mulheres a preencher estas lacunas no exercício do seu papel de líderes que a Porto Business School vai levar a cabo um workshop dedicado ao tema da liderança feminina, durante este segundo semestre do ano lectivo, lançada pelo Club Women in Business. “Sempre defendi que as lideranças, no feminino ou masculino, partem muito da forma como refletimos sobre nós próprios. Temos a perfeita noção de que há um contexto específico em relação às mulheres que querem desempenhar cargos de liderança e que passa por questões como a autolimitação. Têm que refletir, tomar as suas próprias decisões e pilotar o seu próprio processo.”
Em jeito de despedida, as oradoras deixaram os seus conselhos às jovens que querem assumir responsabilidades enquanto líderes. Regina Alves frisou a importância da autenticidade e de se ter uma enorme capacidade de trabalho. “Um líder tem de ter muita paixão, sem esquecer a racionalidade da gestão”. Virgínia Abreu deixou também três chaves que considera fundamentais na liderança. “Recomendo primeiro que tenha muito conhecimento do negócio, do qual depende o sucesso do negócio; depois, depende também muito do carácter, estando nele de maneira certa e correta, tanto com fornecedores como com clientes. E por último, trabalho, trabalho e trabalho!”
Ana Salomé Martins frisou a necessidade de criar, desde início, “espaço na vida pessoal para a ambição profissional, apostar em projetos diferenciadores que permitam ganhar conhecimento e notoriedade na organização, e explicitar, da melhor maneira que formos capazes, a ambição que temos em relação a essa liderança.” Por último, Susana Coerver, lembrou que a Parfois, uma empresa com 80% de mulheres entre os seus colaboradores, foi criada por uma mulher aos 42 anos, um exemplo de que “tudo é possível, mesmo depois de momentos muito difíceis. Temos que largar a ideia de que só quando somos novos é que as coisas podem acontecer.”
“Capacidade de planear é fundamental”
A manhã de partilha e debate sobre liderança terminou com a já habitual conversa sem moderação sobre questões ligadas à liderança, que contou com a participação de Maria Antónia Torres, partner da PwC, Marta Araújo, CEO da Castelbel, e Gabriela Castro, diretora de desenvolvimento estratégico da Sonae MC.
“Não podemos ver as dificuldades como intransponíveis, mas como algo que temos e podemos gerir. As mulheres gerem coisas dificílimas a nível pessoal e, muitas vezes, é a título profissional que sentimos mais obstáculos. Não fazer um bicho de sete cabeças das questões e andar para a frente foi muito importante na minha carreira. A capacidade de planear e antecipar também foi essencial. Para conseguirmos os equílibrio da vida pessoal com a vida profissional, isso é imprescindível. Não acredito que tivesse a vida equilibrada como tenho hoje, sem planeamento.” Essa mesma capacidade de planear foi o que permitiu a Marta Araújo chegar à liderança da Castelbel, uma “empresa atípica”, com uma força de trabalho 90% feminina e uma equipa de administração com 4 homens e 3 mulheres. “Inicialmente, eu queria ser professora, mas hoje acho que o sou de forma diferente, com a minha equipa.”
No grupo Sonae há 20 anos, onde o pipeline de talento tem uma maioria de mulheres, Gabriela Castro salienta que ali “rapidamente lideramos por vocação ou personalidade”. Mãe de três raparigas, sabe que a rede pessoal e familiar de apoio foi determinante, tal como o apoio da sua equipa. “No momento em que aceitamos que as coisas nem sempre serão perfeitas, a carreira correrá melhor.”
A discriminação sentida neste percurso foi também motivo de debate.”Senti-o mais por a minha formação de base ser em Química e não em gestão”, partilhou Marta Araújo, lançando o desafio às outras oradoras. Maria Antónia Torres contou que não teve uma educação em casa que a fizesse acreditar que iria ter qualquer tipo de limitação por ser mulher. “Até uma certa altura, não tinha percebido que a discriminação era um tema. Mas é, e um tema sério, que acontece a vários níveis. Nas consultoras, ainda contece em Portugal existir discriminação ao nível do background académico. Mas ainda existe discriminação de género, não de uma forma aberta. A maior parte das pessoas não tem consciência que está a discriminar, o que torna mais difícil sobreviver a ela. Isto está envolvido em considerações como ‘se calhar ela não quer ou não consegue, sobretudo agora que tem crianças’. A altura em que me senti discriminada foi quando me disseram que estava a ser emocional, sempre eu levantava a voz numa reunião. Resolvi-o perguntando diretamente: mas emocional em quê?”
Para Gabriela Castro, a diversidade de género, mas também de backgrounds académicos e de pontos de vista é essencial ao sucesso da sua equipa. “Ajudou-me ter ao lado pessoas que me inquietam, e é muito importante para mim o ponto de vista deles.”
“Os momentos mais interessantes que temos são aqueles em que conseguimos criar empatia e fazer os esforço de entender os outros e entender o que estão a pensar. é isso que faz de nós melhores gestores e conseguir atingir objetivos”, observou Marta Araújo. “Nós fazemos produtos, mas acima de tudo criamos emoções. Numa indústria como esta, não é possível não ser empática.” A CEO da Castelbel falou ainda de como ainda hoje, em entrevistas de emprego, as candidatas se sentem na obrigação de lhe dizer que vão querer ser mães, num momento futuro da carreira, como se fossem obrigadas a isso ou isso fosse um impedimento. Para ela, e também para Gabriela Castro, o facto de terem maridos com uma noção paritária grande fez a diferença.
O painel de debate abordou ainda a questão das viagens de trabalho e toda a conciliação a que obrigam, em termos familiares. “A parte mais difícil para as mulheres é como gerem emocionalmente essa questão, e é isso que nos distingue mais dos homens. Um dos grande problemas é a forma como sentimos mais culpa nestas situações, quer ela seja legítima ou não. Treinei-me para ser muito racional neste aspeto, desde muito cedo. Nunca fiz uma exercício de pena de mim própria ou pena dela. Comecei a viajar a trabalho quando a minha filha mais velha tinha um mês e meio”, partilhou Maria Antónia Torres.
Com um percurso muito rápido de progressão profissional, Gabriela Castro partilha que teve que abdicar do seu habitual perfecionismo para a conseguir um maior equilíbrio entre as diferentes facetas de vida. “Houve um momento em que cometi o erro de achar que o meu rendimento profissional não iria sofrer depois de ser mãe. Mas sofreu. O que me custa mesmo são as miudezas do dia a dia, os desafios grandes da liderança para mim são absolutamente naturais. Por isso as perdas, obstáculos e desafios que todos sofremos têm que valer absolutamente a pena, ou ficaremos com estes pequenos desgastes do quotidiano.”
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