Anabela Antunes: “Serão necessárias todas as formas de energia disponíveis para suprir as necessidades do futuro”

Anabela Antunes, diretora de Operações da Prio Biocombustíveis, alerta que apesar de necessárias, o grau de penetração de novas formas de energia no mercado estará dependente da maturidade das tecnologias de baixo carbono, das políticas para apoiar o seu desenvolvimento, da regulamentação e das empresas e da sociedade

Anabela Antunes é diretora de Operações da Prio Biocombustíveis.

Em 2021, a humanidade excedeu a cota anual de recursos disponíveis no dia 29 de julho, três semanas antes do que tinha acontecido no ano anterior. “Isso significa que foram necessárias 1,7 Terras para satisfazer as nossas necessidades anuais”, alerta Anabela Antunes, diretora de Operações da Prio, salientando que dados como este constituem um alerta para a necessidade de o mundo mudar para o uso mais sustentável dos recursos disponíveis.

Anabela Antunes gere, atualmente, a unidade industrial da empresa, incluindo a área de Qualidade e Ambiente e Segurança da fábrica, e o terminal onde são armazenados combustíveis como o gasóleo e a gasolina. Está na Prio desde 2006, quando se iniciou a construção deste empreendimento. “Era mundo novo, onde ninguém sabia nada sobre biodiesel, e tem sido um processo contínuo de aprendizagem, e um desafio diário até hoje”, conta. Começou por coordenar a produção, o que contribuiu para aprender todo o processo. Mas as experiências anteriores também a ajudaram a construir a equipa e a organização de todo o sector que coordena.

Estudou Química Industrial na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, onde fez o mestrado e trabalhou em projetos de investigação e desenvolvimento. Estava a pensar em seguir a carreira académica, mas o “bicho” da indústria contagiou-a. Por isso, em vez de seguir para doutoramento, decidiu começar um caminho no sector.

Começou por trabalhar numa unidade do Grupo Amcor, que produz embalagens para instrumentos médicos. Depois de oito meses, foi-lhe proposta a mudança para outra empresa do grupo, para criar um sistema de gestão da qualidade de raiz. Transferiu-se então de Alcácer do Sal para Ovar, para uma empresa que fazia embalagens para a indústria alimentar. Mais tarde surgiu a hipótese da Prio.

“Vi o anúncio da Martifer, que fundou a empresa, e achei o projeto interessante”, conta. Por isso concorreu e manteve-se nela até hoje. Mas, em paralelo com esta sua atividade, foi desenvolvendo projetos de investigação, desenvolvimento e acompanhamento. Fez, também, formação específica em lean management, melhoria contínua Kaizen e gestão da experiência do consumidor, entre outros, o que sustentou o desenvolvimento das suas capacidades de gestão. ´

Para desempenhar as suas as suas funções atuais, Anabela Antunes destaca que é necessário conhecer a tecnologia muito bem, tal como o sector onde a empresa está inserida, e manter-se muito alerta e a olhar sempre para o futuro, “para ter condições para conseguir antecipá-lo”. Salienta que a parte mais aliciante e motivante do seu trabalho “são, sem dúvida, as pessoas”.  O relacionamento com elas “é um desafio, porque a equipa é diversa, com várias formas de pensar, diversos graus de maturidade e diferentes níveis de experiência, e nela juntam-se vontades e perspetivas díspares em relação à forma de agir, de pessoas que puxam para as suas áreas”.  Implica sempre ajudá-las e motivá-las, mas “é sempre bom ver que as pessoas vão aprendendo, crescendo, ficando mais maduras e responsáveis, dinâmicas e autónomas”, diz Anabela Antunes.

 

Regimes alimentares diferentes resíduos de óleos diferentes

No início, a fábrica da Prio estava preparada para trabalhar essencialmente com óleos virgens, de soja, colza e palma. Mas depois foi feito um esforço para transformar esta unidade numa fábrica de processamento e tratamento de óleos alimentares usados. E porquê? Por um lado, porque todo o óleo alimentar usado no sector industrial e na hotelaria e restauração tem de ser encaminhado. Por outro, “os dados divulgados pela Agência Portuguesa do Ambiente mostravam, na altura, que havia uma grande divergência entre as quantidades de óleo colocadas no mercado e as que eram efetivamente recuperadas”, explica Anabela Antunes. Isso levou a Prio a apostar, a partir de 2013, na recolha e transformação de óleos alimentares usados.

“Embora tenham uma base química muito semelhantes aos virgens de origem vegetal, o processo de transformação foi muito doloroso e exigente”, conta a responsável, explicando que incluiu diversos projetos de inovação e desenvolvimento na fábrica e a implementação de mudanças tecnológicas para que o sistema se adaptasse a todos os resíduos. Uma das razões para esta necessidade é a qualidade e características dos óleos usados variar com as origens onde são recolhidos. Os do continente asiático são muito diferentes dos europeus, norte ou sul americanos, o que tem a ver com o regime alimentar das pessoas de cada uma dessas zonas. “E nós temos de fazer a mesma coisa com matérias-primas que estão sempre a mudar”, explica a diretora de Operações da Prio.

 

Pensar fora da caixa

As pessoas foram essenciais no processo de mudança. Foi preciso formá-las, treiná-las, fazê-las pensar fora da caixa e olhar os problemas de forma diferente. “Estou sempre a dizer que o mais difícil não é aprender, mas sim desaprender algo que estávamos habituados a fazer e aprender a fazer de outra forma”, diz Anabela Antunes. Isso é um desafio, mas também uma realidade numa fábrica em que há mudanças constantes de matérias primas, até para outros resíduos para além dos óleos alimentares usados. A responsável salienta aqui o papel da digitalização no processo, que permite trabalhar “de forma mais ágil e expedita”, porque não basta ter dados, informação. “Precisamos de os tratar para, a partir deles, passarmos a ter conhecimento que nos permita tomar as decisões mais adequadas, sejam as do dia a dia, ou as mais estratégicas de investimento na unidade industrial, adequando-as às condições específicas que se estão a desenhar com a União Europeia”, explica Anabela Antunes.

 

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“É preciso criar condições para que as pessoas possam ter escolhas mais sustentáveis”, defende Anabela Antunes.

Fiscalidade mais verde

Ao longo da história da humanidade já decorreram várias evoluções tecnológicas que originaram mudanças no comportamento das pessoas e na forma de estar em sociedade. É o que está a acontecer agora, quando a necessária transição para o uso sustentável da energia está a ser suportada por uma evolução tecnológica e por mudanças nas regulamentações dos países e na sociedade. “Não é possível dissociá-las”, defende Anabela Antunes, explicando que as empresas não podem, hoje, pensar apenas nos custos de produção e no lucro, mas também nas pessoas e no futuro do planeta, que “tem de ser melhor para todos”.

Na vertente política, regulamentar, é preciso uma fiscalidade mais verde e haver uma aposta mais clara e definida na economia circular. Segundo Anabela Antunes, ainda falta alguma flexibilidade, por parte das autoridades, para acompanhar a transformação célere que está em curso. E dá, como exemplo, os obstáculos causados por leis vigentes, pouco adaptadas à situação atual, e a lentidão dos serviços públicos em relação aos avanços no que diz respeito à produção e distribuição de biocombustíveis, o principal negócio da empresa onde trabalha.

Têm origem biológica, são degradáveis, e emitem menos gases com efeito de estufa que os combustíveis fósseis. A maioria é utilizada em misturas com outros combustíveis, como acontece com o biodiesel, que representa, hoje, 7% do gasóleo comercializado em Portugal. Os biocombustíveis “são usados sobretudo na mobilidade rodoviária, mas a sua utilização pode ser alargada ao transporte marítimo e aéreo”, explica Anabela Antunes. Salientando que faz parte do Comité Europeu de Normalização, onde também se trabalham as normas relativas aos biocombustíveis, revela que todas as alterações feitas nos produtos são lentas, sobretudo porque as regras são pouco flexíveis e os processos, que implicam, entre outros, estudos laboratoriais, ensaios e testes, são demasiado lentos. “Temos de ser mais ágeis a fazer tudo isto”, defende, acrescentando que “pequenas alterações nos biocombustíveis não colocam em causa, nem os veículos, nem a segurança dos condutores”.

 

Escolhas sustentáveis

Estamos no segundo milénio, e uma parte significativa da população mundial vive atualmente com níveis de conforto elevados, enquanto outra está a evoluir para atingir esse estatuto, principalmente no Extremo Oriente. Isso traz consigo excessos, no consumo e desperdício de energia e água, nas emissões de gases com efeito de estufa e outros, e na produção de resíduos.

Numa altura em que temos de trabalhar para que o mundo se torne mais sustentável, não basta mudar leis para proibir coisas que fazem parte do nosso dia a dia ou criar ainda mais impostos, que acabam apenas por servir interesses do Estado. “É preciso criar condições para que as pessoas possam ter escolhas mais sustentáveis”, defende Anabela Antunes. Ou seja, não basta colocar alimentos e outros produtos de origem biológica nos supermercados, quando têm preços de venda que não são acessíveis a todas as bolsas. Ou obrigar a optar pela mobilidade elétrica, quando a maior parte da oferta destes veículos é muito mais cara do que as outras e, ainda por cima, não têm um raio de ação que justifique a opção.

É preciso haver uma rede de abastecimento com uma oferta suficientemente disseminada pelo país, que proporcione, para além de segurança, opções de escolha em termos de preço para quem quer abastecer. “Até pode haver avanços tecnológicos. Mas se não houver políticas que os apoiem e sustentem, podem ficar parados”, afirma. Para esta responsável, no futuro, a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis irá ganhar ainda mais força. Os biocombustíveis líquidos, produzidos a partir de resíduos, irão escalar, e gases renováveis, como o hidrogénio e o biometano serão uma realidade já nos próximos 10 anos. Para além disso, os combustíveis sintéticos também farão parte do portefólio do futuro porque, “se quisermos eliminar os combustíveis fósseis, o reaproveitamento de todos os resíduos e um foco intenso na economia circular pode não ser suficiente para descarbonizar todo o sector dos transportes, sobretudo o marítimo e o aéreo”.

Ou seja, será necessário pensar em todas as formas de energia disponíveis para suprir as necessidades do futuro. Para Anabela Antunes, o seu grau de penetração no mercado estará dependente da maturidade das tecnologias e da sua industrialização, das políticas para apoiar o desenvolvimento de tecnologias emergentes de baixo carbono, da regulamentação e das empresas e da sociedade, como agentes de mudança para um mundo mais sustentável. “Acredito, também, que a produção de energia deslocalizada, essencialmente para autoconsumo, irá crescer de forma significativa”, diz, defendendo que “o desenvolvimento de todo este mix energético vai depender muito das necessidades do mercado e das ofertas mais viáveis, em termos económicos, para a transição energética”.

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