O que tem Ana Paula Rafael que levou a empresa têxtil Dielmar, 100% portuguesa, aos patamares do sucesso? O seu dinamismo e a sua capacidade de trabalho são bem conhecidos em Castelo Branco, onde é a maior empregadora da região.
O dia 12 Maio de 2015 em Alcains foi mais uma prova. Comemorava-se o 50.º aniversário desta empresa de confeção de vestuário exterior para homem. Ana Paula Rafael, CEO desde 2008 desta indústria, decidiu chamar os mais de 400 colaboradores e dar-lhes o protagonismo devido. Perto de 300 mulheres trabalham diariamente na costura dos fatos de alta qualidade da marca e foram elas que tiveram uma distinção mais especial. Nesse dia, instituído como free day, foram todas ao cabeleireiro para aparecerem bonitas nas fotografias e mostrarem aos convidados a melhor imagem delas e da empresa. Todas aquelas mulheres concordaram em simular por algum tempo o trabalho diário na fábrica — “a empresa viva” — no momento em que os convidados percorreram as instalações, que se espalham por uma área coberta de 15 mil metros quadrados, sem contar com as 14 lojas do grupo em todo o país.
Para a comemoração desta data tão especial foi desmontado um armazém inteiro que albergou o almoço de quase 600 pessoas, entre colaboradores e convidados — tudo foi feito em paralelo com as horas de trabalho por uma equipa de colaboradores da empresa. As comemorações incluíram a realização de uma convenção de alfaiataria, onde estiveram alguns alfaiates estrangeiros e se debateu a indústria de vestuário de homem, em Portugal e no mundo. Foi um evento bem ao gosto de Ana Paula Rafael, o motor deste negócio familiar que vem dos tempos do seu pai, Hélder Rafael, mas que é inspirada no excelente trabalho de alfaiataria do avô José Marques. A CEO sempre teve uma ligação muito forte à empresa da família. Com 16 anos, ainda no tempo em que a publicidade era a preto e branco, sempre que via o anúncio dos refrigerantes Cristalina dizia para o pai: “Nós também temos de fazer da Dielmar uma marca.” Para ela, o caminho a seguir era transformar o negócio da família numa empresa internacional e de referência em Portugal. “Era com desencanto que percebia que o meu pai e o meu tio não me compreendiam e diziam: ‘Nós temos tudo vendido.’ Eu respondia: ‘Mas vendes mais caro depois!’”
Vender com um Fiat 1100
Ana Paula Rafael descende de gente empreendedora. A empresa, cujo nome reúne as iniciais dos fundadores (Dias, Hélder, Mateus e Ramiro), nasceu “do arrojo e da qualidade” do trabalho do pai e do tio, alfaiates de profissão, que pegaram na já afamada alfaiataria do avô paterno de Ana Paula, a José Marques Rafael & Filhos, construíram novas instalações e transformaram-na numa indústria de confeção bem-sucedida. “Começaram a Dielmar com pouco mais de 20 pessoas, que trouxeram da alfaiataria do meu avô, pessoas com muito treino e muita habilidade nesta arte, e um ano e meio depois já tinham 100 trabalhadores”, relembra.
O Fiat 1100 de José Marques era o veículo usado por Hélder Rafael e pelo seu irmão para os contactos comerciais. “O meu pai levava dois dias a chegar ao Algarve ou a Viana do Castelo. Isso é que era ser empreendedor! Os vias de comunicação eram muito más, mas eles saíam com as malinhas na mão para ir vender pelo país, num Fiat 1100!” Cedo detetaram um nicho de mercado totalmente por explorar: o do pronto-a-vestir. Estávamos em 1965, a moda pronta não existia ainda e foi nessa direção que a empresa inovou. O negócio alargou, sempre dirigido a um segmento masculino, médio-alto, e revelou-se um sucesso. “O meu pai era um comercial fora de série e ainda é muito querido por grande parte dos clientes. Rapidamente conseguiu vender de norte a sul do país, em especial na zona da Grande Lisboa.”
O rombo da crise
A construção da empresa foi um upgrade no negócio da alfaiataria, ao introduzir uma solução industrial, mantendo ao mesmo tempo as operações de alfaiataria, aspeto que sempre distinguiu a Dielmar da concorrência. Hoje, a Dielmar confeciona diariamente 500 casacos e cerca de 700 calças.
A produção é exclusivamente masculina e de roupa exterior. Até há pouco tempo a faturação anual situava-se nos 16 milhões de euros, mas a crise de 2011 a 2013 fez com que a marca perdesse quota, não só em Portugal como em Espanha, o seu principal mercado internacional.
O ano 2010 foi o melhor no ramo da distribuição própria, mas depois seguiu-se a grande queda. “À exceção das empresas estritamente focadas no mercado externo e das de atividades de tecnologia de ponta, todas as outras comeram o pão que o diabo amassou.” Foram anos “perfeitamente devastadores”. A faturação baixou 2,2 milhões de euros num ano e meio. A empresa vai fechar 2015 com 15 milhões de euros.
A recuperação desta crise coincidiu com a segunda entrada da CEO na administração da empresa. Em 1998, o pai e o tio chamaram-na. Ana Paula tinha uma vida bem-sucedida no seu escritório de advocacia e em pequenos negócios na região (lojas de roupa de criança e de adolescente, de bijutaria e uma papelaria) e na condução da NERCAB (Núcleo Empresarial da Região de Castelo Branco), onde esteve durante nove anos. “Eu adorava o que fazia. Tive de ponderar muito bem a entrada na Dielmar, que implicava trabalhar junto da família e largar tudo aquilo que me fazia sentir muito realizada.”
Da indústria à distribuição
Acabou por aceitar o desafio, entrando na direção no dia 1 de Abril de 1999. Mas em 2002 decidiu sair. “A minha visão era levar a empresa no caminho da internacionalização da marca, com a presença em feiras internacionais e abertura de lojas próprias em sistema de franchising. A administração não partilhava desta visão e não tendo nenhum projeto novo em que pudesse ser útil à empresa, decidi sair”, explica.
Em 2007, os acionistas, incluindo o irmão Luís Filipe Rafael, convidaram-na a regressar e Ana Paula cedeu às insistências. Entrou durante a crise de 2008 e iniciou um processo de profissionalização da empresa, criando vários departamentos autónomos e com direções — financeira, informática, estilismo, produção, manutenção, marketing, qualidade e logística — compostas por quadros externos ao capital. Pouco tempo depois acabaram por adquirir o capital ao ramo familiar do seu tio e hoje detêm a maioria do capital.
A missão de Ana Paula foi a de levar a Dielmar da indústria para a distribuição e serviços, e criar uma marca própria.
Para onde vai a Dielmar
A estratégia tem em vista a internacionalização, processo que iniciou em 2010. “Não posso morrer sem fazer da Dielmar a multinacional com que sonhei quando tinha 16 anos”, afirma. A empresária quer abrir lojas próprias com parceiros locais um pouco por todo o mundo.
Atualmente, pouco mais de 60% da produção da empresa são vendidos para mercados estrangeiros. “Estamos em belíssimas lojas de todo o mundo, destinos tão diferentes como Marrocos ou Irlanda.” Espanha continua a ser o principal importador.
Além do produto, Ana Paula Rafael quer também apostar na exportação da marca. Gostaria que “a Dielmar se afirmasse como marca portuguesa de relevância, que fosse reconhecida em Portugal, e tivesse a confiança dos portugueses. As marcas portuguesas precisam primeiro de ter o aval dos portugueses para depois se conseguirem projetar lá fora”, explica.
O lançamento de uma linha de roupa feminina está nos planos da empresa? “Gostaria muito lançar uma linha de mulher, alicerçada no know-how que temos das peças masculinas. O projeto está no nosso horizonte, mas primeiro é preciso estar focada na consolidação da indústria e na internacionalização da marca. É um projeto futuro porque cada vez mais estão a aparecer mulheres executivas”.
Legislar a sucessão
As filhas, Joana e Patrícia, colaboram na empresa. “Revejo-me muito nelas porque foi o que eu também fiz, contribuindo sistematicamente com ideias e sugestões. Estou sempre a partilhar a vida da Dielmar porque tenho de as preparar. A sucessão não se faz de um momento para o outro”, conta. Uma das suas filhas está já a organizar e apoiar o novo site da marca.
Ana Paula diz que não é apologista de que os filhos devam ser sucessores naturais. “Penso que será um desastre deixar a continuidade das empresas nas mãos de familiares, se eles não tiverem habilidades e competências. Nesse caso, defendo a profissionalização da gestão fora da família.” A criação de riqueza em Portugal, país sem recursos naturais, está no desenvolvimento da indústria, defende.
“Mas se não houver um ritmo de profissionalização e exigência no processo de sucessão, a maior parte das empresas portuguesas irá falecer. Mais de 90% das empresas morrem até à terceira geração e mais de 50% morrem na segunda”, adianta. Por isso, Ana Paula insiste: “O legislador devia estipular um regime supletivo para a sucessão. Caso contrário, muitas empresas morrem com o próprio empresário e com ele morrem também muitos postos de trabalho.” Na Dielmar o futuro também já está a ser preparado com a nova geração.