Ana Arié: “Aprendi cedo que se pode liderar com amor”

Ana Arié, é um dos cinco membros da terceira geração da família Arié, e teve um papel primordial na diversificação de negócios do grupo porque, é quem fez, em 2010, a ligação do Grupo Arié com o Grupo José Avillez, a que acrescentaria, em 2017, a rede de restaurantes Doca de Santo, que deu origem ao Grupo Capricciosa, que hoje lidera. Foi distinguida pelo Prémio Executivas do Ano 2024, na categoria Revelação.

Ana Arié é diretora-geral do Grupo Capricciosa.

A saga dos Arié em Portugal começa quando a avó, Chawa Jablonsky chegou a Portugal em 1936, com seis anos, nascida em Kowel, na Polónia, tendo os pais de Chawa, Eva em português, montado uma fábrica de malhas em Lisboa. Numa viagem a Paris, Eva conheceu Roudolph Arié, nascido em Sofia, na Bulgária, que estudara Engenharia Química em Lyon porque a família tinha negócios na área dos perfumes. Com a Europa em ebulição, que deu origem à II Guerra Mundial, Roudolph foi para Israel e trabalhou em várias empresas como a Revlon. Casaram-se em 1954, Roudolph Arié conseguiu a representação da marca Harriet Hubbard Ayer, e como recordou Renato Arié à revista Visão, em maio de 2018, “abriu logo um instituto de beleza, com um cabeleireiro e depois até teve um ginásio”. Em 1964 foi inaugurada a loja de alta costura, Boutique Ayer, em que se vendiam as marcas mais relevantes de alta costura, e Eva visitava os salões da moda de Paris e Milão.

Jacqueline nasceu em 1955, Charles em 1957 e René (Renato) em 1961. São os filhos que abrem novas frentes de negócio, para além da cosmética e perfumaria, com a aposta nos anos 1980 na Stefanel, e nas marcas de lingerie como a DIM e outras marcas da Sara Lee.

Os Arié já tinham um papel importante na distribuição grossista de marcas de cosmética e de perfumes. Mas em 2015 entraram no retalho com a compra do Grupo Barreiros Faria que tinha 150 lojas e uma quota de mercado de 40% sobretudo com a marca Perfumes & Companhia. Hoje, além destas três áreas de negócio tem uma dedicada a venture capital e imobiliário.

Em 2022, o grupo Arié adquiriu a LX Factory, em joint-venture com o Europi Property Group, uma operação de investimento gerida pela Bedrock Capital, hoje, Caprock Investment Partner, em que se insere o ALLO – Alcantara Lisbon Offices, tem investimentos na start-up de carregamentos elétricos, Powerdot, na educação e na agricultura sustentável.

Ana Arié, 39 anos, é um dos cinco membros da terceira geração da família Arié, e teve um papel primordial na diversificação de negócios do grupo porque, é quem fez, em 2010, a ligação do Grupo Arié com o Grupo José Avillez, a que acrescentaria, em 2017, a rede de restaurantes Doca de Santo, que deu origem ao Grupo Capricciosa, de que hoje é diretora-geral.

O prémio e o empoderamento das mulheres

O que representa para si receber o Prémio Executivas do Ano 2024, na categoria Empreendedora?

É um grande privilégio. Olhando para 2024, posso de facto dizer que executei algumas coisas… Abrimos quatro restaurantes, criámos duas marcas novas, celebramos o 18.º aniversário da marca Capricciosa com uma renovação e atualização de imagem e de experiência com o consumidor e integramos mais de 100 pessoas na empresa. Também casei o meu irmão mais novo, acompanhei o meu terceiro filho na 1.ª classe e os meus filhos mais velhos no 5.º e 6.º ano.

No meio deste caos e de muitas tarefas, ser distinguida é uma honra muito grande. Quando soube, fiquei muito emocionada e orgulhosa deste percurso, que só consigo realizar porque tenho a melhor equipa do mundo a trabalhar comigo.

 

Qual é a relevância que este tipo de prémios pode ter para a carreira e o empoderamento das mulheres?

Acredito que este tipo de prémios reconhece o trabalho e a realização das mulheres nas suas respetivas áreas de atuação. Enquanto mulher e profissional, sinto que posso inspirar outras mulheres a seguir as suas paixões e a acreditar nas suas capacidades. Tenho tantas à minha volta!

Claro que há altos e baixos nesta jornada, há o tempo dedicado à família e aos meus quatro filhos do qual não quero abdicar.  Quantas vezes só me consigo sentar para ver emails depois das 21h, quando a casa está em silêncio? Ninguém disse que era fácil e que não implica sacrifícios.  Este reconhecimento serve para me(nos) encorajar a aceitar desafios cada vez maiores no mundo empresarial, a consolidar a carreira e até a aceitar melhor quando um resultado não é aquele que esperávamos. Mas olhamos em frente e seguimos caminho.

 

A formação e o ambiente empreendedor

A sua família tem uma tradição empresarial. Isso fazia parte da sua vida familiar?

Desde que temos idade para nos sentarmos à mesa dos adultos, aos sábados, nos almoços de família, éramos confrontados com os conselhos de administração informais da família. Ouvíamos os nossos pais e avós falarem das oportunidades da semana e das vendas, e faziam-se, tantas vezes, brainstormings sobre novos negócios ou investimentos.

Além desses muitos sábados, que fazem parte da minha formação, talvez uma das maiores influências tenha sido a minha avó, Eva, que sempre acreditou que eu conquistaria a lua. Com ela, viajávamos e víamos um mundo de oportunidades. O meu pai, por outro lado, incentivou-me desde cedo a pensar de uma forma disruptiva e a considerar ter um negócio próprio.

 

Na verdade, gostava de ter seguido Assistência Social ou Psicologia. Acabei por não o fazer porque o meu pai, Charles, conhecendo-me bem, mostrou-me que eu teria dificuldade em deixar o “trabalho” no trabalho e separar a Ana de todas as experiências que iria viver.

 

Que curso sonhava fazer na altura?

Na verdade, gostava de ter seguido Assistência Social ou Psicologia. Acabei por não o fazer porque o meu pai, Charles, conhecendo-me bem, mostrou-me que eu teria dificuldade em deixar o “trabalho” no trabalho e separar a Ana de todas as experiências que iria viver. E que poderia tentar usar o meu interesse em trabalhar com pessoas liderando uma empresa.

 

Por que escolheu um curso de hotelaria e depois trocou a escola do Estoril pela de Lausanne? Gostou do seu curso e de viver na Suíça?

Optei por hotelaria, honestamente, porque adorava e adoro viajar e descobrir o mundo. Iniciei o curso no Estoril, mas logo percebi que esta iria ser a minha vida. Decidi, então, com o incentivo do meu pai, ir para Lausanne na altura era e é uma das universidades mais conceituadas. Foi um ótimo curso, que me deu bases e amizades para a vida. Foi também onde me iniciei profissionalmente e onde fiz os primeiros trabalhos “extra” dentro desta área, organizando banquetes nos hotéis. A vida na Suíça era demasiado cara e desta forma conheci a área de banquetes pela qual rapidamente me apaixonei.

 

Quais foram os seus passos seguintes na hotelaria e nos eventos? Que aprendizagens guarda desse período?

Após concluir o curso, mudei-me para Paris, onde trabalhei durante seis meses no hotel George V, na área de banquetes e eventos. Foi uma experiência marcante que me fez apaixonar pela dinâmica dos eventos, pelo rigor e pelo detalhe exigidos em cada ocasião. No entanto, na altura tinha um relacionamento com o meu atual marido e, ao fim desse período, decidi regressar a Portugal.

De volta ao país, tive o privilégio de trabalhar com Luísa Santos, uma referência na organização de eventos em Portugal, e, através dela, conheci o Chef José Avillez, com quem formaria uma sociedade. A experiência com a Luísa foi intensa e enriquecedora; aprendi a gerir eventos de grande escala, a dar atenção aos pormenores e, principalmente, a valorizar as relações de proximidade com quem trabalho. Aprendi cedo que se pode liderar com amor.

Percebi, no entanto, que queria estar mais diretamente envolvida na prestação de serviços e explorar o universo do catering. Assim, entrei para o Grupo Lágrimas como responsável pelo catering, uma fase que me deu uma visão prática e estratégica da área. Mais tarde, fui convidada a gerir um restaurante na Comporta, o que se revelou um período especial. Na Comporta, estive pela primeira vez à frente de um restaurante, foi uma grande aprendizagem, mas principalmente aquilo que guardo deste período foi o amor e carinho com que muito clientes me trataram enquanto lá estive.

 

A visão empresarial

Quando pensou no seu primeiro negócio? Foi quando abordou o Chef José Avillez sobre o projeto de sanduíches para escritórios?

Após um ano na Comporta, uma situação inesperada serviu de impulso para considerar criar o meu próprio negócio. Percebi que precisava de um novo caminho e decidi explorar algo que fosse meu. A minha mãe, Helena, que representava a marca Stefanel em Portugal, viajava com frequência para Itália, e, numa dessas viagens, o meu pai sugeriu a ideia de uma empresa de tramezzinos (sanduíches italianas) para almoços corporativos. Ele acreditava que o conceito de “lunchboxes” personalizadas para o ambiente de escritório tinha um excelente potencial.

Ao começar a desenvolver o projeto, senti que precisava de alguém que trouxesse um know-how excecional e uma visão gastronómica diferenciada. Foi então que marquei uma reunião com o Chef José Avillez, alguém que sempre admirei, para lhe apresentar a ideia e solicitar a sua consultoria. Para minha surpresa, dessa reunião nasceu uma parceria que rapidamente evoluiu para uma sociedade. Foi o início de uma colaboração duradoura, que se materializou na criação da “JÁ em casa” e no desenvolvimento do primeiro projeto de takeaway em Cascais, um marco inicial, que uniu a minha visão empreendedora com a excelência gastronómica do Chef Avillez.

 

Foi em 2010 que a família Arié se tornou sócia do Grupo José Avillez. Convenceu a família a entrar na restauração?

Quando comecei a perceber a dimensão e a seriedade do projeto com o chef José Avillez, senti o peso da responsabilidade que assumia. Foi, curiosamente, o meu tio, Renato, que hoje é o administrador da nossa sociedade com o chef, quem me incentivou, e, de certa forma, me convenceu de que eu tinha as capacidades para avançar. O meu tio acreditava que o nosso contributo faria uma diferença significativa e que, juntos, poderíamos construir algo relevante na área da restauração.

Na nossa família, arriscar faz parte da nossa essência; temos um espírito naturalmente empreendedor, e o “verbo ir” sempre foi parte do nosso ADN. Embora houvesse essa hesitação inicial, não foi preciso muito para que todos se unissem em torno deste desafio, confiando na visão do projeto e na capacidade de adaptação e inovação que caracteriza o nosso grupo.

 

Desde cedo, tive uma vontade forte de construir algo com propósito, que me permitisse crescer, contribuir e desafiar-me constantemente.

 

Sete anos depois, avançou para a compra do Grupo Doca de Santo. Qual era o projeto que tinha para este negócio?

Após sete anos de intensa experiência no grupo do chef José Avillez e, coincidindo com o nascimento do meu terceiro filho, surgiu a oportunidade de adquirir o Grupo Doca de Santo. Esta proposta foi, ao mesmo tempo, desafiante e empolgante, pois permitia alargar a minha atuação na restauração e assumir a liderança de um grupo com grande potencial. O meu primeiro objetivo era simples, mas essencial: conhecer a fundo o negócio, mantendo a rentabilidade existente, e, acima de tudo, ganhar a confiança da equipa que já estava estabelecida.

Durante o primeiro ano, decidi manter tudo como estava. Em vez de fazer mudanças imediatas, foquei-me em compreender o funcionamento diário da empresa, as necessidades específicas de cada espaço, e, claro, estabelecer uma relação de proximidade com a equipa. Queria que todos os colaboradores se sentissem valorizados e confiassem na nova liderança.

Depois desse período de integração e análise, elaborámos um plano de revitalização das marcas que compunham o grupo. O plano não foi criado de forma isolada. No processo, envolvi os líderes de cada espaço, ouvindo as suas ideias e sugestões, e assegurando que todos estavam alinhados com a nova visão. Acredito que este foi um dos fatores-chave para o sucesso da transformação, pois a equipa tornou-se parte ativa e fundamental do processo de mudança, fortalecendo as bases para o crescimento e o sucesso do Grupo Doca de Santo.

 

Quais foram as principais mudanças que fez no grupo Capricciosa e qual é hoje a configuração dos restaurantes?

Nos primeiros três anos, focámo-nos na revitalização das marcas do grupo, para as tornar mais jovens, dinâmicas e em sintonia com as expectativas dos clientes modernos. Apostámos numa comunicação mais próxima e envolvente, mantendo sempre a essência de preços acessíveis e a filosofia de um ambiente familiar. Essa modernização foi fundamental para reforçar a identidade das marcas e atrair novos públicos sem perder os clientes fiéis.

Durante a pandemia, enfrentámos o desafio de adaptar os nossos espaços a novas realidades, o que nos levou a ser mais criativos e flexíveis. Nessa fase, nasceu o Lata, um conceito inspirado na cultura latino-americana, que trouxe uma nova energia ao grupo com uma oferta gastronómica vibrante e uma componente de animação. Foi uma resposta ao momento difícil que vivíamos, em que percebemos que as pessoas procuravam experiências que lhes permitissem escapar e celebrar.

Em 2021, expandimos com o lançamento do conceito Selllva, que rapidamente se afirmou como uma das marcas pilares do nosso grupo. Este espaço reflete uma fusão de natureza, bem-estar e gastronomia, e continua a crescer com novos locais e um público fiel.

Hoje, o grupo Capricciosa conta com 15 espaços, distribuídos de forma equilibrada entre diferentes conceitos. Temos várias Capricciosas, que se destacam pelo ambiente acolhedor e democrático, duas unidades da marca Sophia, um Irish Pub na Expo, a Doca de Santo e o Lata. Além disso, contamos com três Selllvas, que têm sido um sucesso, e a cafetaria saudável Jangal by Selllva, onde o foco é proporcionar uma oferta equilibrada e saudável. Esta diversidade de conceitos reflete a nossa estratégia de crescimento e adaptação, oferecendo aos clientes uma variedade de experiências únicas.

 

O seu sonho sempre foi ser empresária?

Mais do que um desejo específico de ser empresária, sempre aspirei a alcançar realização profissional, pois acredito que isso é essencial para o meu equilíbrio e bem-estar. Desde cedo, tive uma vontade forte de construir algo com propósito, que me permitisse crescer, contribuir e desafiar-me constantemente.

Adoro também a minha “família alargada”, que é esta grande empresa e todas as pessoas que trabalham connosco, a quem sou profundamente grata por se dedicarem tanto todos os dias.

Sinto-me verdadeiramente afortunada por encontrar uma carreira que amo e que me permite concretizar essa realização. Acredito que a paixão pelo que fazemos, é o que nos leva a ultrapassar obstáculos e a encontrar satisfação nas pequenas e grandes vitórias do dia a dia.

 

A diversidade e a equidade

Quais são as políticas de diversidade e equilíbrio nas empresas que gere?

Embora não tenhamos políticas formais e estruturadas de diversidade e equilíbrio, promovemos um ambiente de trabalho onde cada colaborador é valorizado e respeitado. Sabemos que o setor da hotelaria e restauração é particularmente exigente, pois muitas vezes trabalhamos enquanto os outros estão em lazer. Por isso, esforçamo-nos para criar um ambiente onde os colaboradores sintam que o seu trabalho é reconhecido e que têm apoio para equilibrar as suas responsabilidades profissionais com a vida pessoal.

 

Equilibrar todos os papéis requer um grande compromisso e, muitas vezes, um esforço pessoal significativo. Essa visão romântica de que podemos fazer tudo sem consequências não reflete a verdade do que é preciso para manter uma harmonia entre vida profissional e familiar.

 

Na sua perspetiva, como tem sido o caminho para a equidade de género?

O percurso para a equidade de género tem sido marcado por avanços importantes, especialmente no que se refere ao empoderamento feminino. Nas últimas décadas, temos assistido a uma evolução significativa, com mais mulheres a acederem à educação, a conquistarem posições de liderança e a entrarem em setores tradicionalmente dominados por homens.

Pessoalmente, nunca senti uma diferença nos papéis que desempenhei, pois cresci numa família onde várias mulheres tinham papéis de liderança, e sempre foi natural que cada um de nós fosse o que quisesse ser. Acredito que a verdadeira mudança está na educação das próximas gerações, e posso contribuir para isso ao educar os meus quatro rapazes com esta visão.

Plataformas como a Executiva são também fundamentais para esta evolução na mentalidade empresarial e, acima de tudo, para inspirar muitas de nós a lutar pelo que queremos, mesmo quando duvidamos da nossa capacidade.

 

Como compatibiliza a sua vida pessoal com a vida profissional?

Conciliar a vida pessoal e profissional é um desafio constante, especialmente com quatro filhos que exigem muita atenção e presença. Tenho o privilégio de contar com uma forte rede de apoio, a minha “aldeia”, que inclui o meu fantástico marido, a minha querida mãe e também profissionais que se tornaram família. Além disso, tenho um grupo de mães espetaculares no WhatsApp que sempre me lembram dos pedidos das escolas. Tudo isso me ajuda a manter o equilíbrio necessário, mas, ainda assim, não é fácil. Mesmo com este suporte, há muitos sacrifícios envolvidos, e dias em que me sinto completamente esgotada.

A ideia de “super-mulher” não corresponde à realidade para mim; equilibrar todos os papéis requer um grande compromisso e, muitas vezes, um esforço pessoal significativo. Essa visão romântica de que podemos fazer tudo sem consequências não reflete a verdade do que é preciso para manter uma harmonia entre vida profissional e familiar.

Ao longo dos anos, aprendi que a chave para este equilíbrio está em fazer o melhor que posso em cada papel, aceitando que falhar faz parte do processo. Hoje, o meu lema é que o perfeito é inimigo do bom, e pedir ajuda é essencial para construir esse equilíbrio, que vejo como uma conquista diária.

Claro que tudo isto só é possível porque tenho a sorte de contar com esta “aldeia” e a honra de trabalhar com pessoas excecionais, o meu núcleo duro.

 

Leia mais sobre o Prémio Executivas do Ano

 

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