A propósito do lançamento de “Confissões de Uma Mulher Madura – Como enfrentar a idade sem medo” conversámos com a sua autora, Maria Elisa Domingues, que quer ajudar a mudar a forma como as mulheres encaram o envelhecimento e que surpreende pela diversidade de temas e pela profundidade com que os trata. O livro aborda assuntos tão preocupantes como a falta do exercício físico e da alimentação saudável, ou o assédio moral no trabalho, as relações à distância e os problemas da Geração Sanduíche. Muito conhecida pelo seu trabalho na área do jornalismo político, neste livro Maria Elisa também fala de moda e de beleza, temas de que gosta e domina.
Este é um livro de mulher para mulher? Achei que escrever sobre vários assuntos, alguns deles muitas vezes considerados fúteis, poderia ter utilidade. A minha vida deu-me conhecimentos e informações que podem ser úteis para as mulheres. Por exemplo: a minha vida profissional na RTP, onde entrei em 1973, obrigou-me a aprender sobre cosmética, para me defender dos produtos que encontrei e que eram péssimos.
Como contornou o problema? Só depois do 25 de abril é que comecei a espingardar e a não aceitar aquilo. A rebelião também serviu para isso, para introduzir mudanças na maquilhagem. Depois de ir a Londres várias vezes e de ler muitas revistas, percebi que havia uma gama muitíssimo diferente de produtos e comecei a comprar e a ver como é que me podia defender melhor daquela agressão brutal à pele.
A minha mãe ensinou-me a dar atenção ao cuidado da pele
Mas sempre gostou de tratar da pele? Sempre tive o exemplo da minha mãe, que embora tivesse um ritmo e uma prática completamente diferente da minha — a minha mãe era adepta de lavar a cara diariamente com água, e eu não — ensinou-me a dar atenção ao cuidado da pele.
Quer explicar essa diferença entre lavar ou não a cara com água? Não, têm de ler o livro todo. Eu só lavo a cara com água quando saio de uma piscina ou do mar, com sal ou cloro, ou quando morro de calor. Mais de 300 dias por ano não lavo a cara com água. Aprendi muitos truques porque tive a sorte de encontrar, na mesma altura em que fui para a televisão, uma extraordinária esteticista, que era “A” esteticista em Lisboa. Foi ela que me começou a ajudar e aprendi imenso com ela.
A sua passagem pela direção da revista Marie Claire portuguesa contribuiu para esse gosto? A Marie Claire ensinou-me coisas, mas também me ensinou que todas as revistas femininas, e talvez as cor de rosa também, são maioritariamente sustentadas pela indústria da cosmética e, claro, há produtos melhores e piores. A Marie Claire era 49% da L’Oreal, a maior marca de cosméticos do mundo e talvez o maior anunciante. Aprendi muito de cosmética, visitei os laboratórios deles nos arredores de Paris, que são gigantescos, mas também aprendi que isto é um negócio.
Adorei trabalhar na Marie Claire e foi a única altura da minha vida em que dizia que me pagavam para estar a brincar
Gostou da experiência com este mundo mais feminino? Gostei imenso. Estive na revista quatro anos, fui eu que preparei o número 0 para ir a concurso. Adorei trabalhar na Marie Claire e foi a única altura da minha vida em que dizia que me pagavam para estar a brincar.
E deu-lhe “tarimba” para os temas mais femininos… É verdade. Tive oportunidade de ir a determinados desfiles, de estar em contacto com este mundo de que gosto muito também, de perceber como funciona. Conheci aquele mundo por dentro, por isso também falo de temas de beleza e moda.
Depois de concluído o livro “Confissões de uma Mulher Madura”, Maria Elisa tem pela frente uma outra grande empreitada: fazer o doutoramento em Sociologia da Comunicação. “É uma análise das questões de género na produção ficcional de novelas portuguesas e brasileiras”, revela. E promete que só se morrer antes é que não escreve o seu livro de memórias.
Dá-se pouca importância ao tema da meia idade? É um tema muito importante, mas há pouca coisa escrita sobre esta altura da vida.
Optei por fazer um livro que pusesse as pessoas a pensar em aproveitar bem este tempo, como fazer dele uma coisa mais interessante
Neste livro tentou abordar as grandes questões das mulheres? Sim. Na apresentação do meu livro, a psicóloga clínica Ana Carvalheira, de quem eu gosto muito, disse que tinha pena que eu não tivesse tocado no tema da morte. Mas foi de propósito. Porque os poucos livros que tenho visto em Portugal sobre o envelhecimento falam sempre da morte. E eu quis, e daí o sub-título (“Como enfrentar a idade sem medo”), dar uma conotação positiva ao envelhecimento. A morte tem, excetuando os que são muito católicos, uma carga muito pesada para toda a gente. E eu não quis que este livro tivesse essa carga.
Optou por fazer um livro positivo? Um livro que pusesse as pessoas a pensar em aproveitar bem este tempo, como fazer dele uma coisa mais interessante. Para mim é a necessidade de novos desafios, é a escrita, mas para outras pessoas será outra coisa. Comigo a vida intelectual tem-me permitido ultrapassar os problemas de cada momento, salva-me de muitas angústias. O conselho aqui, se quiser, é o de abrir ao máximo o leque de interesses na vida.
Acha que o público recebeu este seu livro com surpresa? Acredito que sim. Talvez as pessoas não estivessem à espera desta variedade de assuntos. Mas percebi que se interessam mais pela minha carreira profissional e pela minha vida pessoal do que por aspetos mais práticos, como a alimentação, a moda e a beleza, de que falo no livro e me deram tanto trabalho.
O assédio moral no trabalho é uma espécie de formiga branca a comer o interior de um móvel
Algumas páginas do “Confissões de Uma Mulher Madura” lembram o livro “La Parisienne”, da modelo Inès de La Fressange… Engraçado, nunca tinha visto o meu livro assim. A produção foi toda feita por mim. A maior parte dos objetos que aparecem nas página deste livro são de minha casa. Fui eu que fui buscar as flores à florista para fazer a produção, por exemplo. Adoro fazer isto, é uma área de que gosto muito e foi uma das coisas que aprendi a fazer na Marie Claire. As fotografias do livro foram uma das coisas que mais gostei de fazer.
No livro aborda a questão do assédio moral no trabalho. As mulheres estão mais sujeitas a isso? Há muitos homens que também estão sentados a uma secretária, sem nada para fazer, à espera de serem eles próprios a aceitar uma contrapartida qualquer para irem embora. Conheço bem o problema, vivi-o na RTP e sei como isso pode destruir uma pessoa. É uma espécie de formiga branca a comer o interior de um móvel. A mim aconteceu-me dos 60 para os 61 anos, depois de ter sido uma mulher que teve possibilidades de se afirmar muito naquilo que fazia. Mas aqueles que nunca chegaram a ter uma grande afirmação? Ou que já de si não têm grande autoestima, com profissões pouco interessantes? Os impactos são difíceis de avaliar. É relativamente fácil dar cabo da autoestima de uma pessoa. E depois se as relações em casa também não são boas, tudo aquilo é uma derrocada. O ambiente familiar é muito importante.
É um grande apoio na vida?
A rede familiar, a rede de amigos, a rede dos afetos. A família que ganhamos e a que queremos construir será fundamental para nos apoiar pela vida fora. É por isso que eu insisto tanto, na parte final do livro, na socialização e na rede de amigos. Sempre dei imensa importância às amigas, ao que fazemos com as amigas, e o que os homens fazem entre eles, que eu acho que se deve manter sempre independentemente de casamentos. A socialização é uma proteção psíquica.
Os consultórios estão cheios de pessoas da geração sanduíche, exaustas e espremidas entre as necessidades de acudir aos mais velhos e aos mais novos.
Também fala neste livro da Geração Sanduíche… Sim, a constituída pelos baby boomers que quando estão nos 50 a 60 anos têm pais idosos, a precisar de cuidados, sobretudo se têm alguma situação de dependência, e têm também os filhos que muitas vezes voltaram a tornar-se dependentes. Os consultórios estão cheios de pessoas da geração sanduíche, exaustas e completamente espremidas entre estas necessidades de acudir aos mais velhos e aos mais novos.
Aquele anseio por uma reforma feliz acabou? É muito difícil. Eu nunca fui uma pessoa de poupar porque achava que o Estado me ia dar. Fui criada por um funcionário público, o meu pai, que me dizia que o Estado paga tarde, mas paga. Comigo tem acontecido o contrário, o Estado não paga.
Viveu alguns anos fora. Uma experiência no estrangeiro é importante? É muito enriquecedora do ponto de vista da compreensão do mundo, de percebermos a dimensão do nosso país. Quer para o melhor, quer para o pior. É à distância que se percebem bem as coisas. Foi quando estava a trabalhar como Conselheira de Imprensa da Embaixada de Portugal em Madrid (1986-88) que me convidaram para lançar a Marie Claire portuguesa. Acredito que a experiência internacional me deu novas oportunidades, como esta. E isso foi muito gratificante.