Prémio Revelação

Nos Globos de Ouro, o Prémio Revelação foi para Cândido Costa, este ano. Jogador profissional de futebol durante grande parte da sua vida, nos últimos anos revelou-se um bom entertainer e comediante na televisão e outras plataformas. No seu discurso, dizia: “Acho que há uma mensagem subjacente a este Globo, que torna a coisa especial aos 43 anos – nunca é tarde para se ser revelação. Seja em que área for, estamos sempre a tempo de nos renovarmos, de nos revigorarmos, de nos regenerarmos”. Ele agradece quem o ajudou nesse caminho, mas a sensação que me dá é que aconteceu um pouco por acaso. As oportunidades foram-lhe surgindo, ele foi agarrando nelas, revelou-se bom no papel e aconteceu. Merecido, mas parece-me que não foi planeado.

Ultimamente, vejo em amigos e amigas uma vontade de mudar, de fazer diferente do que têm feito até agora. Algumas pessoas sabem para que área gostariam de orientar a sua vida, outras não fazem ideia. Apenas sentem que, a meio da sua vida profissional, desejariam mudar a rota e não continuar nas mesmas funções ou áreas.

Aqui, o acaso não existe. Sinto neles um desejo latente, mais ou menos urgente, mas muito pouco orientado pelo fator sorte ou, digamos, destino.

O que eu sinto na minha geração é a sensação de que o mundo evoluiu e nós continuamos a fazer o mesmo da mesma maneira. Mais de duas décadas nas mesmas indústrias, onde tanta coisa foi acontecendo, mas donde não saímos, atrofiou-nos a noção do que somos, do que valemos, do que somos capazes. Fomos evoluindo, mas olhar todos os dias para as mesmas paredes não nos permite entender o impacto desse crescimento.

Ao trabalhar numa empresa multinacional, com diversas áreas de investimento, milhares de pessoas por todo o lado, numa corporate, essa noção de estarmos fechados em nós é menor. Porque é possível saltitar entre negócios, entre funções (conheço gente que mudou da produção para os recursos humanos) e a ânsia de mudar é facilitada.

Mas a realidade portuguesa de pequenas-médias empresas, algumas até grandes, não é essa. Experimentar coisas novas “dentro de casa” é muito mais difícil, mesmo tendo o apoio de quem nos gere e chefia.

Todos conhecemos gente que mudou drasticamente de áreas de atuação profissional. A grande maioria foi por necessidade – desemprego, alterações pessoais, saúde, etc. – e eu acredito que é essa a grande alavanca para a mudança – não ter outra escolha. No caso das pessoas que me rodeiam e que sentem esse ímpeto, têm escolha. Podem continuar a fazer o que fizeram até agora, no conhecido, na rotina, no conforto da posição que dominam.

Eu, que sou uma eterna sonhadora e que mudei o rumo da minha vida aos 36 anos, criando a minha empresa, despedindo-me de um lugar confortável e com futuro, compreendo o que sentem os meus amigos. A chama que lhes arde dentro. Eu sabia como queria fazer, preparei e planeei o caminho, e contei com tudo o que poderia dar para o torto. Fui cautelosa. E é esse o único conselho que dou a quem mo pede – se bem que compreendo que pode não ser o mais adequado a algumas pessoas, por si só já extremamente cuidadosas e pouco aventureiras.

Para se dar o salto de fé, como lhe chamo muitas vezes, temos, primeiro, de ter consciência do que se poderá perder. No caso de ser uma necessidade, esta noção de realidade é menos importante porque não se têm muitas mais opções. Costumo dizer que devemos ter sempre atenção a dois tipos de pessoas: “as que têm tudo e as que não têm nada a perder”. Notar e registar o que pode correr mal é obrigatório para gerir expectativas (porque alguma coisa vai mesmo correr mal).  Esta avaliação deve ser realizada continuamente, ao longo de todo o processo.

Para quem tem uma ideia para onde gostaria de virar o seu trabalho, eu aconselho sempre, sendo possível, a preparar-se paralelamente à profissão que já tem. Pode parecer não ser possível, mas muitas vezes é. Fica-se com menos tempo de descanso, gastam-se os dias de férias, mas esta fase é interessante para confirmar se é mesmo esta a escolha que se quer fazer. E, economicamente, o risco diminui.

Se não sabem para onde ir, apenas que não querem continuar a ir por aí, eu aconselho formações (há imensa coisa online), encontros, conversas com pessoas de áreas completamente opostas, conferências, como as da Executiva!, onde testemunhos e experiências são partilhadas, novos negócios apresentados. Fazer voluntariado, aceitar convites para almoços e jantares, criar situações de convívio com pessoas que se admiram. Pedir ajuda e ajudar. Ler, ler muito. Viajar, vaguear por cidades, ruas e avenidas, ver como vivem as pessoas. Parar e pensar.

Basicamente, abrir o nosso olhar para um mundo que está em constante e rápida mudança. E, ao mesmo tempo, olhar para dentro de nós e tentar perceber onde nos enquadramos nesse movimento rápido do presente que nos foge.

É provável que ninguém nos dê um Prémio Revelação como o que ganhou o Cândido Costa, mas revelarmo-nos a nós próprios deve ser suficiente. Quase sempre é.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

 

Publicado a 03 Outubro 2024

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