O contexto para a vertigem tecnológica

José Vegar lança o livro "O Controlo Contemporâneo e Futuro da Informação" sobre a forma como o grande volume de dados e a tecnologia estão a alterar profundamente a propriedade e a partilha da informação. Leia o primeiro capítulo, "O contexto para a vertigem tecnológica".

José Vegar é escritor e jornalista.

O crescimento do impacto no mundo global que os dados e a informação provocaram nas duas últimas décadas e irão seguramente provocar nas próximas é uma das dimensões decisivas das sociedades contemporâneas.

O facto de os dados e a informação serem tão valiosos levanta uma hipótese sólida, cada vez mais dominante, de que a tecnologia altere de modo ainda mais decisivo do que na última década os processos como são obtidos, detidos, trabalhados, partilhados e publicados os dados, os grandes volumes de dados, e a informação.

Por outras palavras, que desencadeie uma mudança de paradigma profundamente estratégica no complexo ecossistema dos dados e da informação.

Por processos, deve-se entender antes de tudo o resto o da propriedade e produção dos dados e da informação, o que só por si é fundamental, dado que detentores e produtores de dados e de informação orientam o seu trabalho para os objectivos que consideram vitais.

Mas, por processos deve-se também ter em conta um número alto de operações, que vão do modo como são obtidos dados e informação, passando pela natureza e formatos dos dados e da informação, e indo até ao que os públicos e os agentes sociais, económicos e políticos validam ou irão validar como informação.

No entanto, porventura, o processo mais importante desencadeado, e cada vez mais permitido, pela tecnologia é o da partilha e da publicação dos bens de elevado valor que são os dados e a informação em plataformas, canais, fluxos e nós alternativos.

O que está em causa, no fim do dia, é o controlo da informação, tanto para os Estados, como para as sociedades, as empresas e os cidadãos.

O que poderá acontecer, através de múltiplos movimentos extremamente instáveis e todos os dias reinventados em direcção a novos caminhos, é um acentuar da total renovação da tipologia de entidades que armazenam, trabalham e partilham dados, grandes volumes de dados e informação.

O que também poderá acontecer é que estas novas entidades ganhem supremacia no ecossistema da informação, ultrapassando o patamar em que actualmente estão, o da competição com as entidades tradicionais.

Certamente, ninguém sabe quando e como irá estabilizar este processo, embora diariamente surjam punhados de “gurus” a antecipar a paisagem que se desenha, e académicos e peritos publiquem os mais variados estudos qualitativos e quantitativos.

A ganharem esta supremacia, permitida pelo recurso e o uso da tecnologia, estas novas entidades poderão operar uma mudança no controlo da informação que se irá manifestar em vários pontos fulcrais do ecossistema.

De facto, as novas entidades poderão abrir uma via quase interminável de novos nós e fluxos de informação, de novas plataformas de partilha, e de reconfiguração do trabalho ligado a este ecossistema.

Mais ainda, a criação destas novas vias poderá não só revolucionar os modos como dados e informação são produzidos, mas também os próprios conceitos tradicionais de dados e de informação.

A conjuntura não é já a de que, para largas faixas da população global, de todos os níveis etários, os dados e a informação para serem consumidos tenham de estar configurados para serem consumidos no telemóvel, ou que um vídeo do TikTok tenha o mesmo valor informativo do que um estudo de uma entidade científica.

A conjuntura é a de que a natureza dos dados e da informação esteja a ser recriada, ou até a gerar a hipótese de novas formas de chegar ao conhecimento no caso dos grandes volumes de dados, e que as novas plataformas, todas elas digitais, e todas elas criadas pela tecnologia, se tornem adequadas, suficientes e exclusivas para a maioria da população global.

Como é visível para todos a cada momento, este é um processo em curso sem estabilização à vista.

O que é provavelmente mais fantástico de observar neste momento é a multiplicidade de plataformas, nós e fluxos em operação e a quantidade de áreas de trabalho e negócio em que interferem.

As plataformas vão das unipessoais, por sua vez alojadas em plataformas abertas ou fechadas, às multitemáticas, passando pelas micro temáticas, não esquecendo os nós especializados, como são os científicos, os fóruns e as reproduções digitais dos produtores tradicionais, isto referindo apenas as tipologias dominantes.

A vertigem dos dados, dados de grande volume e informação que publicam ao minuto atinge praticamente todas as áreas de interesse e acção humana.

A interferência na medicina, nos mercados de capitais e no mundo dos media é visível e extensa, mas o mesmo se pode dizer de áreas menos reveladas como é a da proteção dos Estados, da produção de conhecimento científico, das operações militares e policiais, da biotecnologia ou das indústrias tradicionais.

O turbilhão global que neste momento assola as entidades, os sectores e os mercados dedicados aos dados e à informação, que vão muito para além dos media, não é de modo algum único.

Como anotam os mais atentos, a contínua vertigem de evolução tecnológica, aplicada das várias dimensões de inteligência artificial à criação de mundos virtuais, passando pelo aumento do poder de processamento trazido pela computação quantum, está a transformar praticamente todos os processos de produção, distribuição e consumo, bem como a agitar áreas como a da educação ou da própria definição humana de realidade.

É um mundo contemporâneo destabilizado por uma revolução imprevisível. Como apontou Anne Wells Branscomb, no já longínquo ano de 1994 em que escreveu um livro com o título “Quem possui a informação?”, que ainda hoje é um bom manual de orientação para quem trabalha os temas vasculhados neste texto.

Branscomb apontou que “todas as formas de informação estão a fundir-se num sistema de entrega electrónica”, acrescentando que “estamos no processo de desenhar um novo paradigma para a nossa sociedade da informação (…)”, assente “(…) no reconhecimento de que a informação é um activo valioso, seja para um individuo, uma empresa, uma entidade governamental ou para a humanidade em geral”.

 

José Vegar frequenta no ISCTE o doutoramento em Sociologia. É autor de O Inimigo Sem Rosto – Fraude e Corrupção em Portugal, juntamente com Maria José Morgado, e de Serviços Secretos Portugueses – História e Poder da Espionagem Nacional. Trabalhou como jornalista de investigação em vários jornais portugueses. Leia o primeiro capítulo do seu mais recente livro “O Controlo Contemporâneo e Futuro da Informação” para perceber melhor a “revolução” que já está em curso e o seu impacto. 

José Vegar_O Controlo Contemporâneo e Futuro da Informação

 

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