Demissão silenciosa

De há uns meses para cá tem-se discutido o fenómeno quiet quitting ou, em português, demissão silenciosa.

Quando comecei a ler alguns textos e opiniões sobre o assunto confesso que fiquei bastante confusa. Não consigo perceber se é bom, se é mau. Provavelmente é apenas o que é.

Para já, o termo quiet quitting parece-me mal aplicado. Primeiro, porque ninguém se demite. Segundo, porque é tudo menos silencioso. Em muitos casos, e por isso se fala tanto disto, é bem gritante.

Depois de alguma pesquisa, cheguei à conclusão de que este termo pode ser visto de dois prismas:

  • Os que vivem a chamada “demissão silenciosa” como um desapego total à função, que estão desmotivados e indiferentes ao seu futuro e ao da organização. Estes serão, muito provavelmente, fruto de uma má liderança.
  • Os que apresentam este processo como uma tentativa de balanço da vida profissional sobre a vida particular. E estes ocorrem em boas companhias e com bons líderes, encontrando-se mais facilmente exemplos nas camadas mais jovens.

Comparando uns e outros, parece-me que estaremos em extremos da definição. Se, no primeiro caso, encontramos gente que desiste, de facto (“se não se importam comigo, porque hei de importar-me com eles?”); no segundo, vemos pessoas que tentam controlar o seu stress e usam este meio para autopreservação. Se um trabalhador, quando está no seu horário de trabalho, dá o seu melhor, é competente, cumpre e atinge os objetivos, mas mantém a distância, muitas vezes emocional, da organização, porque é que isso tem de ser visto como negativo? Ou ser interpretado como uma desistência silenciosa?

Ou seja, se num exemplo tomamos controlo da nossa vida, assumimos o nosso papel nas diversas áreas do nosso mundo, no outro estaremos, muito provavelmente, num sofrimento interior mais profundo. A minha dúvida, confesso, é como é que se consegue perceber o que é fazer os mínimos para não ser despedido. Não nos é orgânico e natural controlar fazer o menos possível, estar constantemente a gerir este balanço. Acredito que, energeticamente, acabemos mais debilitados a todos os níveis e ninguém ganha com isso.

Numa altura em que ainda estamos todos a reaprender a trabalhar em conjunto, semi-presencialmente, frente a frente uma vez mais, em que há cada vez mais mudanças ambientais, não só no espaço que nos rodeia, mas também em toda a incerteza que nos acompanha, seria interessante perceber se não estaremos a viver a profissão como vivemos a vida: a extremar posições, a ver a rotina dos dias a repetir-se, a adormecer sentimentos para não os sentir.

Gostava de ver os limites bem definidos nas organizações, mas também que os gerissem com elasticidade. Ambas as partes – chefias e colaboradores. Perceber que vai haver momentos em que uma dedicação extra será necessária, mas dar a confiança ao trabalhador de que será compensado por isso. Não exigir que se “vistam camisolas”, mas explicar que uma organização também é uma comunidade. E, como numa comunidade, todos são importantes.

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 12 Outubro 2022

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