José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais de seguros.
Desde que me retirei da vida corporativa ativa, e já lá vão mais de 4 anos, tenho-me mantido intelectualmente ativo (pro bono…) com uma série de atividades que me continuam a enriquecer como ser humano, porque só deixamos de aprender (ou de querer de o fazer) no dia em que penduramos as botas para encetar a “Grande Viagem Sem Regresso”.
Foram bastantes (ainda hoje caem do céu alguns bem interessantes, que há 10 anos atrás não hesitaria em aceitar) os convites para eu regressar à vida corporativa ativa, mas acho que devemos ter a humildade de saber o exato momento em que devemos parar, sobretudo porque a idade, a experiência que traz, e a independência financeira que todos deveríamos ter na fase final da nossa vida, por via de regra (exceções confirmam a regra) nos impedem de alinhar com práticas corporativas que anos antes teríamos aceite, desde que não fossem eticamente e moralmente condenáveis (para mim pelo menos). Nessa altura, quando isso acontece, ou se vende a alma ao Diabo, e ficamos marcados a ferro e fogo para sempre, ou se muda de patrão.
Foi o que eu fiz um par de vezes em 42 anos de carreira. Para dar um exemplo. Quando iniciei a minha carreira em Madrid, em 1978, os escritórios responsáveis pelo mercado ibérico da multinacional em que eu trabalhava estavam num processo de restruturação. O responsável não tinha visto os sinais de degradação do mercado, não tomou medidas atempadas, e os resultados da multinacional no mercado espanhol eram nefastos. Assisti a casos lancinantes de despedimento de colegas em final de carreira que ficaram em situação financeira familiar muito complexa, num tempo (há 44 anos) em que o Estado Social era embrionário em Espanha. Jurei que numa empresa que eu viesse a dirigir nunca deixaria de ter o radar de vigilância bem apurado, para nunca me ver confrontado com uma situação similar. Quando umas décadas mais tarde sou mesmo confrontado com planos da matriz para despedir maciçamente pessoas, sem qualquer necessidade racional (na minha ótica de gestor), porque a companhia estava bem estabelecida, e tinha uma rentabilidade superior à do mercado, a decisão de sair e de não liderar esse processo foi bem simples de tomar.
É penoso ver, sobretudo no setor financeiro, como alguns gestores se agarram como lapas aos cargos, hipotecando muitas vezes carreiras brilhantes, que lhes granjearam uma enorme credibilidade e reputação, com as ações nefastas que estão disponíveis para praticar em final de carreira. As nossas instituições bancárias, e algumas seguradoras (muito menos), estão cheias de bons exemplos públicos de “vendilhões do templo”.
Uma das atividades que mais prazer me tem dado, além de escrever para alguns OCS (poucos e bons), e a consultoria empresarial, em que partilho conhecimentos e experiências de vida, e dou recomendações que contribuam para ajudar empresas de variadíssimos setores a sair do vermelho, e a singrar, é a atividade de mentoring para jovens em início de carreira, seja a de profissional por conta de outrem (vida corporativa), seja a de jovem empresário.
A esmagadora maioria deles chega à minha presença com uma enorme confusão de pensamentos, expectativas e valores. Arrogância, ambição desmedida e ignorância patética da vida, porque viveram numa redoma de proteção paterna excessiva, são os 3 principais Cavaleiros do Apocalipse que costumo defrontar na maioria das minhas conversas.
A maior dificuldade que tenho nessas conversas é conseguir convencê-los, sem os desmotivar (antes pelo contrário, uma injeção de realismo motivadora é absolutamente fundamental nesta fase da vida para os encarreirar e salvar muitas vezes), que eles não chegarão a Presidente da Goldman Sachs ou da Nestlé aos 25 / 30 anos (há os que achem que têm esse direito divino…). Se pretendem enveredar pela carreira empresarial, tenho de os convencer que dificilmente conseguirão, na maioria dos casos, receber o financiamento de milhões de euros que almejam receber de “business angels” para chegar a ter um “Unicórnio” em 3 anos, e poder aterrar de helicóptero num iate de 100 milhões de euros cheio de modelos de cinema em bikini nas Caraíbas antes dos 30 anos de idade….
Pelas reações que tenho tido, e pelo seguimento de longe das atividades desses jovens, creio que não me tenho dado mal como mentor. E é isso que me move hoje a partilhar o meu muito pessoal “decálogo para uma vida saudável, satisfatória e enriquecedora”, ou seja para se acabar a vida de forma equilibrada, plenamente satisfatória e feliz.
Se o meu decálogo servir a um único jovem que seja, ou mesmo a um não tão jovem, já me dou por satisfeito, e considero ter cumprido a missão. A minha lista pessoal é bem maior do que esta, mas tive, como tantas vezes na vida, que tomar opções difíceis. Não podia chamar decálogo a uma lista que já ia em mais de 20 pontos… Aí vai, do coração !
- A humildade é mesmo a maior das virtudes : nunca sejas arrogante, nunca te recuses a aprender, pede desculpa pelos teus erros, dá-te bem com toda a gente, e sê carinhoso e compreensivo, em particular com os indefesos e os mais desfavorecidos.
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Nasceste com uma boca e dois ouvidos. Aprende a ouvir. “Alguém” quis que nos dedicássemos mais a ouvir do que a falar. Pratica-o !
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Vive harmoniosamente: equilibra a tua vida nas três vertentes que a compõem. Trabalho, família, lazer. Só assim chegarás à hora do “balanço final“ e sentirás que foste verdadeiramente feliz.
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Sê ambicioso. A ambição é saudável e desejável quando o que pretendemos alcançar se consegue por meios éticos, lícitos e à custa do teu suor pessoal, não do dos outros.
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Estabelece metas sucessivas na vida… e cumpre-as à risca.
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Desenvolve uma forte e saudável auto-estima. Quando acordares de manhã, olha o “man in the glass”, como recomenda um potente poema de um ilustre anónimo chamado Peter Dale Wimbrow Sr (googlar “man in the glass”), e aprecia o que vês. Isso só é possível se pautares a tua vida pessoal e profissional pela ética e por valores e princípios sólidos. A famosa canção do Michael Jackson “man in the mirror”, que se pode apreciar no Youtube (brutal o vídeo, altamente recomendável), segue o mesmo fio condutor.
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Afasta a inveja, o desporto favorito em Portugal. A inveja mata, corroi-nos por dentro. Não invejes o que os outros têm. Faz como os americanos, que em vez de sentir inveja do que os outros têm, trabalham denodadamente para conseguir aquilo que querem na vida.
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Espanta o medo. O medo é o caldo de cultivo de injustiças e infelicidade. Luta sempre pelo que a tua bússola ética pessoal te indica ser o correto e o justo.
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Pratica o bem. Adere ao movimento “Pay it forward”, trata os outros como te trataram a ti, e pratica desinteressadamente o bem. Vais ser incomparavelmente mais feliz.
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Conhece-te a ti próprio. Como humanos somos seres imperfeitos, apesar de encontrarmos tanta gente nas nossas vidas que acha que depois de Deus no Céu estão eles com estatuto igual na Terra… Trabalha com perseverança e honestidade para melhorar os aspectos de caráter, personalidade e atitude que te prejudicam na vida, ou seja, os teus limites e defeitos. Sim, também os tens…
Se esta modesta lista pessoal, com a que me dei tão bem, servir a algum jovem, ou a um não tão jovem, já me dou por satisfeito. Devo o meu decálogo pessoal ao principal mentor da minha vida, o meu saudoso e adorado pai. Cumpri a minha missão como parte do movimento “Pay it Forward”, ao transmitir com êxito este decálogo às minhas filhas (são excecionais discípulas do mesmo), a quem o dedico, e ao divulgá-lo publicamente.
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