Licenciada em Engenharia Química, Filipa Mota e Costa encantou-se pela Gestão na Sonae, onde iniciou a sua carreira e trabalhou durante sete anos na área da engenharia do ambiente e produção industrial. Para abrir portas para essa área, fez o MBA no INSEAD, em França. Ingressou na indústria farmacêutica, no grupo Jonhson &Johnson onde está há quase 20 anos e depois de uma experiência internacional de dois anos em Itália, Filipa Mota e Costa foi desafiada a assumir a direção geral da Janssen em Portugal. “Sempre senti que tinha encontrado um sítio onde podia evoluir, que tinha desafios. Nunca me senti estagnada no conhecimento e sempre me senti inspirada pelas várias pessoas com quem trabalhava, fosse a nível nacional ou internacional”, explica Filipa Mota e Costa nesta entrevista em que revela qual o impacto que a pandemia teve na farmacêutica do Grupo Johnson & Johnson, explica qual o papel de um líder e porque o modelo híbrido de trabalho será o vencedor e aconselha as jovens executivas a procurar sempre a excelência, a manterem altos níveis de exigência consigo próprias.
Qual o impacto que a pandemia teve na Janssen?
Provavelmente, muitas pessoas nem sabiam o que era a Janssen, há dois anos, e hoje em dia toda a gente sabe, embora 99% da nossa atividade não sejam vacinas, nem vacinas da Covid-19. A nossa visibilidade aumentou muito e o conhecimento da sociedade sobre esta indústria também melhorou.
Ainda bem que houve empresas com capacidade científica e financeira — e tudo o resto que foi necessário — para lançar uma vacina. Uma só empresa não teria capacidade de resposta. A indústria farmacêutica deixou clara a importância do sector da saúde na vida de todos nós, e que ela é muito mais do que o nosso bem-estar individual e familiar. Ficou demonstrado que sem o sector da saúde não há economia.
Por outro lado, este é um setor económico muito importante: que vai para além dos profissionais de saúde, médicos e enfermeiros; há todo um ecossistema fervilhante, ligado à ciência e tecnologia — que gera empregos e muito valor acrescentado para a sociedade. E dentro da área da saúde, a indústria farmacêutica é um motor de desenvolvimento e inovação, com forte sentido ético, e que traz muito valor acrescentado à sociedade.
Que outras particularidades caracterizam este setor?
No setor farmacêutico, temos esta tríade completamente diferente de qualquer outro: as autoridades, que tomam decisões no sentido do financiamento; o médico, que é o prescritor, o decisor; e o doente, que é o utilizador do produto.
É um sector altamente regulado, com mecanismos de grande transparência. É um sector de muita inovação, incorporando ciência e tecnologia ao mais alto nível, o que o torna fascinante.
Durante a pandemia, houve uma disrupção total do sistema de saúde, com monofoco no Covid, porque houve uma enorme quebra na atividade e isso foi assustador de assistir. Não foi apenas na atividade assistencial dos médicos de família; aconteceu também em oncologia, por exemplo. Nalgumas áreas oncológicas houve menos 70% de diagnósticos no intervalo de um ano. A doença vai continuar a evoluir e os diagnósticos vão aparecer no sistema muito mais tarde, com muita perda para os próprios.
Como parceiros do sistema de saúde, fomos muito solicitados por associações de doentes para desenvolver campanhas de comunicação para os doentes. Todo o ecossistema ficou quebrado e o nível de colaboração entre os vários agentes do setor tornou-se mais elevado.
“Quando a nossa carreira está a começar é importante investirmos em nós e abrir portas”
Como foi o seu percurso profissional até chegar à liderança das Janssen?
O meu percurso tem 25 anos. A minha formação de base é na área da Engenharia. Fiz um estágio em Engenharia Alimentar, depois comecei a trabalhar em Engenharia do Ambiente, tudo áreas relacionadas com a Engenharia Química. Quando comecei a trabalhar tinha a preocupação de ganhar abrangência, manter as possibilidades em aberto, nunca me quis focar em algo muito específico, ou numa empresa pequena. A Sonae é uma das maiores empresas portuguesas, tem atividade em vários pontos do mundo, tem muita inovação intrínseca e tem um programa de estágios — pareceu-me um ótimo ponto para começar a carreira. E foi, sem dúvida.
Trabalhei na Sonae Indústria durante quase sete anos. Foi um período de grande desenvolvimento, de grandes oportunidades de concretizar, de contacto com grupos de trabalho diferentes, áreas diferentes, projetos internacionais, que me desafiaram bastante, seja nas competências técnicas, seja nas competências de liderança. Tinha 28 anos e era responsável por mais de 100 pessoas. Ainda na Sonae comecei a aproximar-me da Gestão, em particular na Gestão Industrial e Gestão Operacional, e esse mundo começou a encantar-me, mais do que o mundo técnico.
Como se deu a viragem definitiva para a Gestão?
Quando somos jovens e a nossa carreira está a começar é importante investirmos em nós e abrir portas. Senti que estava nessa fase de expansão, daí tomar a decisão de fazer um MBA com uma ideia muito clara: abrir portas para o mundo da Gestão e desenvolver-me, expandir o meu máximo potencial — se é que isso existe; acho que nunca chegamos ao nosso máximo potencial.
Sentia que tinha capacidade, tinha a oportunidade e o enquadramento de vida e fui à procura. A primeira vez que pensei fazer um MBA nunca pensei que conseguisse enquadramento de vida para fazê-lo fora de Portugal numa escola privada, o INSEAD, em França. Mas acho que colocando as fasquias altas depois quando lá chegamos a sensação de satisfação e de superação é gigante. Isso é uma constante: é pela superação e pelo auto desafio que eu vou. Foi uma prova superada.
No final do MBA, qual a proposta que a convenceu?
O MBA foi um turning point: mudo de carreira, passando da Engenharia para a Gestão, e ingresso na Janssen, do grupo Johnson & Johnson, onde estou há quase 20 anos. O processo de decisão teve a ver com a escolha da área de atividade e do país. Eu tinha muita consciência que aos 30 anos estas decisões definem o caminho para a frente, era uma encruzilhada. Decidi pela Janssen porque me pareceu uma empresa de valores sólidos e pela oportunidade que me oferecia. Venho para Lisboa e estou muito feliz com essa decisão.
“Fui expatriada logo a seguir à licença de maternidade”
O que a levou a manter-se fiel à empresa e não procurar ou aceitar outros desafios lá fora?
Quando entrei na Janssen pensava que seria só por um período de três ou quatro anos. Fui ficando de forma consciente, porque sempre senti que tinha encontrado um sítio onde podia evoluir, que tinha desafios. Em cada função que desempenhava sempre senti que ia crescendo, nunca me sentia estagnada no conhecimento. E sempre me senti inspirada pelas várias pessoas com quem trabalhava, fosse a nível nacional ou internacional. Fui evoluindo e desempenhando várias funções, na área comercial, no marketing e em business development..
E fez carreira internacional.
Foi uma experiência riquíssima. Nos meus 20 anos, já tinha tido a oportunidade de viver em dois países diferentes, seja porque estudei fora, seja porque estive envolvida em projetos internacionais, na Alemanha e em França. Sendo a Janssen uma empresa multinacional, presente em todo o mundo e que aposta muito no desenvolvimento das pessoas, a carreira internacional serve para abrir oportunidades e nos desafiar, expondo-nos a novas culturas, a novas equipas. Nesse sentido, depois de 10 anos em Portugal, era diretora comercial, quando tive a oportunidade de ir para Itália onde estive durante dois anos.
Estive dois anos fora de Portugal, numa altura teoricamente difícil porque foi logo a seguir a uma licença de maternidade, com a família. Já tinha estado fora como estudante, já tinha trabalhado fora, viajando e regressando aos fins de semana. Fazer uma mudança total, com a família e todas as adaptações necessárias, foi uma aprendizagem de abertura interessantíssima.
Qual o segredo para conciliar carreira e família, para mais nesse período?
Não há segredos, mas é importante ter as conversas certas, connosco e com quem partilhamos a vida. É importante compreender as motivações e o momento de vida. Fui expatriada logo a seguir à licença de maternidade (partimos no dia em que o meu filho fez 11 meses) e aquele era o momento certo para mim. Com muita abertura e confiança, foi uma decisão conjunta, ninguém forçou ninguém.
No caminho para a nossa felicidade há que reconhecer o momento de vida em que estamos e compreender as prioridades.. Estas decisões implicam muita introspeção.
A família faz parte da vida, da mesma maneira que a vida profissional faz parte da vida. Não as vejo como duas vertentes separadas, mas como duas vertentes integradas, que se complementam uma à outra. A família dá-nos força para a vida profissional e a vida profissional dá-nos força para a vida familiar. Alimentam-se mutuamente. Temos de procurar este equilíbrio, alimentando o nosso propósito de vida e os nossos objetivos.
Que funções desempenhava?
Business development na área de oncologia: avaliação de novos licenciamentos e aquisições, integrada na equipa global. Tinha uma função comercial em Portugal e passei a ter uma função de business development, que é estratégica, envolve muito olhar para o que vai acontecer daqui a cinco ou 10 anos. Ou seja, era um desafio do ponto de vista intelectual, de desenvolvimento de capacidades estratégicas e de capacidade de scouting, de onde está a inovação, é muito interessante. E lidar com pessoas que não nos reportam, mas com quem temos de trabalhar em equipa e fazer acontecer. Eu liderava a equipa para a Europa de oncologia em business development e isso desenvolveu bastante a minha capacidade de liderança.
Que outras aprendizagens importantes fez nesse período?
Foi uma experiência muito significativa, muito enriquecedora, pelo desafio que significou, por sair completamente fora da minha zona de conforto, pelo crescimento que isso me deu.
Houve, claramente, um crescimento dentro da companhia Johnson & Johnson: compreender que a cultura da empresa é a mesma e a cultura é um fator agregador:. Por outro lado, a rede que se desenvolve ao sairmos da nossa equipa natural é enorme e é importantíssima. A network de uma empresa é importante em qualquer situação, e é ainda mais numa multinacional que está espalhada pelo mundo inteiro. Foi nessa altura, ainda não havia pandemia, que aprendi a trabalhar remotamente porque fazia parte de uma equipa europeia e global.
Por outro lado, ao mudar de base , de país, de equipa, todas as minhas referências de trabalho mudaram e isso dá-nos uma aprendizagem muito grande de como é que, perante o desafio, conseguimos dar o salto e corresponder. A importância de mudar o foco, a atenção, estabelecer prioridades, torna-se ainda mais relevante nessas situações de desafio. Quando conseguimos superar estes desafios, tornamo-nos pessoas e profissionais mais completos, mais seguros daquilo que fazemos e das nossas capacidades, mais preparados para depois conseguir desempenhar com sucesso uma função de direção geral.
“O convite para a direção geral foi inesperado no tempo, mas as oportunidades são quando são”
Como recebeu o convite para se tornar diretora geral?
Com muita satisfação porque era um reconhecimento do meu valor e um grande voto de confiança. Foi um convite inesperado no tempo porque não era esperado que o meu antecessor, recentemente nomeado saísse naquela altura. É assim a vida, as oportunidades são quando são. Aceitei com muito agrado e tem sido uma experiência muito gratificante, ser diretora geral no meu próprio País.
Qual foi a principal missão que lhe foi confiada pela companhia?
A Janssen é uma empresa de inovação transformacional do mundo farmacêutico. A nossa primeira missão é a de garantir que a inovação que desenvolvemos, e que tanto valor tem, esteja disponível para os doentes. Esta primeira missão nunca está terminada, mas sinto-me bastante satisfeita com o nível de inovação que temos trazido a Portugal e com a esperança que significa para os doentes.
Por outro lado, reforçar o desenvolvimento da equipa que tínhamos. A Janssen, em particular em Portugal, sempre teve uma equipa muito focada no desenvolvimento das pessoas e na colaboração. No momento em que cheguei, havia necessidade de reforçar os níveis de colaboração entre as equipas. Sinto-me muito orgulhosa — porque não é um trabalho meu, é um trabalho de todos — pelo caminho que temos vindo a desenvolver. Hoje temos equipas mais fortes, mais coesas, mais intencionais no nosso propósito. Tornámos muito vocal o nosso propósito, e que o nosso propósito é o propósito de todos e de cada um. Todos têm um papel muito relevante no atingimento da nossa missão em Portugal.
Quais são as características e atitudes que considera fundamentais num líder?
Ser um líder que serve a organização e que comunica bem, projectando a companhia para cumprir o seu propósito. Os líderes que mais me inspiraram foram aqueles que me faziam sentir parte de um todo maior que a soma das partes. Um líder que serve a organização, cria melhores condições para os colaboradores, enquanto projecta a empresa para ter maior impacto, sendo capaz de transmitir essa visão, esse impacto da organização na comunidade e no mundo. Um líder que inclui e ouve várias opiniões e que decide. Por isso, as principais características são ter um sentido de propósito da organização, e não individual, e ser capaz de comunicar bem. A comunicação é essencial num bom líder, inspirar através dela e, ao mesmo tempo, ser capaz de fazer a máquina avançar.
Como é que se lidera equipas à distância e se cria essa cola, que é a cultura?
A liderança é a mesma, à distância ou presencialmente, a diferença é que a distância obriga a uma maior intencionalidade para criar os momentos de comunicação e interacção. O papel de um líder vai continuar a ser o papel de estabelecer a visão, de garantir a comunicação dessa visão à empresa e estabelecer uma cultura de exigência, uma cultura de superação e de alegria na superação.
Isso faz-se à distância ou presencialmente, mas não há nada que substitua a interação humana. Daí que haja quase um consenso a nível mundial de que é o modelo híbrido que vai vingar porque é o que permite manter as vantagens de trabalhar à distância, ao mesmo tempo que mantém as interações pessoais. E é nestas que se cria cultura, confiança, colaboração e o ambiente certo para a inovação, para a geração de novas ideias.
É muito difícil fazer de forma remota remoto esse trabalho que é a comunicação, a interação, o ouvir, o sentir o pulsar da organização e como é que a organização é vista pelo ambiente externo.
“É nossa responsabilidade levantar o braço e falar”
O que pensa que, enquanto mulher, trouxe para a empresa, em comparação como que aconteceria se fosse um homem?
Trabalhei em duas organizações onde sempre me identifiquei com os respectivos valores, que incluíam a preocupação com a diversidade. Dito isto, as organizações são feitas de pessoas, são imperfeitas por definição, e pode haver situações de algum preconceito. O mais importante é levantar o braço e procurar ajuda e fazer ouvir a nossa voz. Reconheço que houve alturas em que fiquei calada, à espera de que alguém reparasse nos meus resultados ou me perguntasse o que é que eu queria. Não é por aí. Há que encontrar o nosso momento. Não temos de nos impor, devemos ter as conversas certas no momento certo. É nossa responsabilidade levantar o braço e falar.
Quais as características que procura num colaborador e aquelas que abomina?
As competências comportamentais são muito importantes e mais difíceis de aprender do que as competências técnicas. E são os facilitadores para florescer. O que me atrai são pessoas com paixão por aquilo que fazem, que compreendem o porquê do seu trabalho e que compreendem a importância de trabalhar em equipa, querem fazer parte e ser mais uma peça numa máquina maior.
O que não aprecio é a falta de verdade. Gosto de pessoas genuínas, que dizem o que pensam — e que percebem o momento certo para o fazer, porque pessoas inoportunas também causam conflitos. É preciso saber dizer o que pensamos no momento certo, à pessoa certa.
“Não vamos a lado nenhum sozinhos e há muita gente à nossa volta disposta a ajudar-nos”
Qual o feito de que mais orgulha?
Orgulho-me muito da equipa que temos hoje na Janssen em Portugal, pela transformação por dentro, pelas pessoas, que conseguimos operar. Conquistámos recentemente o 1º lugar do Great Place to Work em Portugal e isso traduz o que somos como equipa.
Sinto-me muito satisfeita com o meu percurso até agora, pelo que dei de mim e pelas pessoas que foram fazendo parte desse percurso e que me enriqueceram nesse caminho.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva que está agora a dar os primeiros passos na carreira?
Procurar a excelência, o desafio individual, manter altos níveis de exigência consigo própria. Ou seja, procurarmos o nosso melhor em tudo aquilo que fazemos porque o primeiro a beneficiar com isso somos nós próprios, que crescemos, que nos tornamos pessoas melhores, mais completas, e isso dá-nos satisfação pessoal.
Por outro lado, sobretudo nas fases iniciais da carreira, que arrisquem, que não vão pelo medo, que vão pela abertura, pela expansão, que se ponham à prova, saiam da zona de conforto. Que procurem compreender-se a si próprias, o que é que as motiva, o que é que as faz ter prazer na vida. E que procurem integrar equipas e empresas alinhadas com esses valores porque é nesse ambiente que temos as condições para florescermos. Se não encontrarem, continuem a procurar, não se acomodem. Procurem a empresa ou o grupo de pessoas que sintam que vos desafiam, que vos puxam para cima.
Que procurem e aceitem ajuda, mentores, pessoas que admirem, com mais experiência. Procurem conversas que as façam abrir caminho. Não vamos a lado nenhum sozinhos e há muita gente à nossa volta disposta a ajudar-nos, com uma conversa, com um conselho, com uma partilha de experiência. Ganha-se muito aprendendo com quem já passou pelas mesmas dificuldades ou semelhantes.
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